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quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Vamos Falar-nos de Adoção

Este é um texto que gosto muito, de uma autora que escreve muito bem sobre o tema adoção. Por esses motivos resolvi postá-lo aqui. Há muito tempo o uso como referência para textos e palestras minhas e já o indiquei para muitos candidatos a adoção.

Aproveitem a leitura!

Foto: Getty Images

Título: Vamos Falar-nos de Adoção
Autor: Gabriela Schreiner
Fonte: Apresentado em reunião de pais do grupo NEPPAJ – Jundiaí/SP - 2000.
O que é a adoção para nós? Porque estamos aqui hoje? Como assimilamos esta forma de assumir e amar um filho?

Dedicar um tempo para a reflexão a respeito da adoção é revelá-la para nós mesmos, é incorporar uma verdade que está sendo assumida a partir da intenção.
Adotar é reconhecer no filho gerado por outros, nosso filho. Olhar em seus olhos à procura não de uma cor conhecida, um formato herdado, mas o brilho do olhar de quem é amado e reconhecido como ser único.

Adotar é doar seu tempo, doar seu espaço, é pensar naquele ser tão indefeso antes de pensarmos em nós mesmos, é uma sucessão de atitudes solidárias (atenção: solidárias!), sucessivas e infinitas. É ser pai, é ser mãe.
A paternidade pode ser involuntária, a maternidade pode ser indesejada. A paternagem não. É na maternagem que a mulher se torna mãe. É no exercício, assim como um médico. Enquanto estuda, é estudante de medicina, só pode ser médico após o diploma, no exercício consciente e ético da profissão. Assim é na construção da relação mãe-pai-filho, só se é mãe no exercício, só se é pai na ação – nunca na omissão. Dentro da preparação (o estudo no caso do médico) para o exercício da paternidade/maternidade, ou a paternagem/maternagem, não é condição fundamental a gestação biológica, mas sim a gestação afetiva. É neste momento que nos perguntamos: queremos? Podemos? Podemos abrir mão de espaços, de tempo, de diversão, de "liberdade"? Como faremos? Estamos prontos? E mais um milhão e meio de perguntas. Muitas delas sem respostas.
A adoção não acontece sem uma decisão. Isto a torna diferente. Por "diferente" temos que ler diferente. Uma outra forma de ser pai, de ser mãe. Só. Só? Não, a adoção é rica por isso mesmo! Encontro de histórias, uma caixinha de surpresas que temos as chances de moldar, de ajeitar com carinho, de ajudá-la a crescer.O que é um casamento afinal? O encontro de duas pessoas diferentes, com histórias diversas que identificam coisas em comum, ou coisas que os atraem, iniciam um relacionamento e percebem que ele poderá durar por toda uma vida. Encontro de histórias, assim como na adoção.
Em toda história há riqueza, porque há vida, experiência. São nossas histórias de vida que nos tornam diferentes, especiais. Nelas há sempre um ensinamento, uma lição, merecem respeito.

Para haver uma adoção, deve ter havido antes um abandono. Sempre, por menos sofrido que tenha sido. Nisto há uma história. Um filho adotivo sempre terá um história anterior à adoção, que deve ser respeitada por fazer parte dele, por tê-lo ajudado a se formar. Ao optar pela adoção, os pais adotivos devem levar em conta que estarão sempre ligados aos pais biológicos de seus filhos, porque sem eles, estes não estariam no mundo hoje. E aqui está um dos pontos mais bonitos da adoção, não se pode negar esta realidade, mesmo porque ela reforça a intenção, a ação e o desejo por este filho.

Negar e negar-lhe este fato, é não aceitar parte da história de vida do filho, é não aceitá-lo como é, incondicionalmente. É também, negar toda a espera, todo o desejo motivador do antes.

Claro que pode ser que nada se saiba sobre os pais biológicos, ou muito pouco. Ou até mesmo seja algo profundamente triste, que não cabe entrar em detalhes. Mas, qualquer que seja esta história, ela existe e não pode ser mudada. Não há nada que pais adotivos possam fazer para modificar a história anterior de seus filhos. Mas podem fazer algo muito mais importante do que isso, podem respeitá-la. Podem dizer com isso: "Isso faz parte de ti, se te dói, nos dói. Estamos aqui para compartilhar contigo todos os momentos, para que possamos construir uma nova história, para sermos felizes juntos". Isto não muda o passado, mas faz toda a diferença no futuro e, afinal, não é o futuro que nos espera?

Mas para chegar a isto será preciso contar ao filho como chegou à família. Falar sobre adoção pode parecer fácil, mas pode não sê-lo. Não demore a fazer isto. O que, em terna idade, pode ser dito entre histórias de ninar, livrinhos e musiquinhas, pode vir como uma bomba se dito na adolescência durante uma discussão familiar. Não perca oportunidades. Seja firme em suas colocações e não conte mais do que a curiosidade que a idade pode absorver. Ele voltará a falar, a perguntar, se você continuar a criar espaços. E não há razão para não criar esses espaços para se falar de algo tão importante e profundo, afinal vocês estarão falando do amor que estão construindo a partir do momento em que se encontraram.
Lembre-se que os bebês nascem da barriga e que seu filho vai saber disto em algum momento. Evitar figuras de linguagem como "nasceu no meu coração" é recomendado por todos os especialistas. Se não, ao saber que os bebês só nascem de barrigas, uma criança poderá considerar mentira o que lhe foi dito. E não é. Ela nasceu de uma barriga que não pôde criá-la, mas esta barriga existiu. O amor de vocês passou a ser construído a partir da decisão de que ele seria seu filho para o resto da vida. Porque você podia amá-lo, educá-lo, criá-lo, e desejou muito fazer isto.
É inevitável que surjam, em algum momento, mais perguntas a respeito da família biológica, e é fundamental que esta parte da história não seja diminuída ou esteriotipada. Mesmo porque, a criança poderá pensar que foi abandonada por que não ‘merecia’ ser amada. E nós sabemos que não é isso. É importante que ela perceba que ela não é a causa do abandono, é objeto dele. O abandono pode ter ocorrido pelas mais diversas razões, mas nenhuma delas porque a criança "não merecesse ser amada". Ao conversar sobre adoção, é preciso ter em mente que o ‘hoje’, o ‘presente’ é bom.
Como todo filho, a criança adotiva, irá testar limites em diversos momentos de sua infância e adolescência. Podem surgir frases do tipo "você nem minha mãe é para me mandar fazer..." ou "não gosto de você, minha mãe de verdade deve ser mais boazinha...". Isto não é prerrogativa dos filhos adotivos, só que nos casos dos biológicos, eles precisam fantasiar que existem outros pais. Os filhos adotivos sabem que estes existiram. Pura chantagem que, se levada como uma questão pessoal, será um desastre. "Sinto muito meu filho, eu sou a única mãe que você tem à mão hoje, portanto vai fazer...". Firmeza, perseverança e muito amor. Não há fórmula melhor para lidar com isso. Ele não deixou de amar você, nem deixará. Ele está apenas ficando esperto...

A idade escolar é um fantasma para muitos pais por adoção. Devo contar na escola? E se eles começarem a achar que meu filho tem problemas por causa disso? Como ele vai ser aceito pelos coleguinhas?

A super valorização - ou a única valorização- da maternidade/paternidade biológica e os modelos de família ainda baseados nas tradições cada vez menos freqüentes, podem representar um problema na escola. É dia das mães, é dia dos pais, e a "tia" pede foto da criança na barriga para fazer um trabalho de escola, ou então uma peça de roupa de quando ele era bebê (para os adotivos tardiamente isto é complicado). Os livros escolares (com algumas exceções) só falam de família como sendo pai-mãe-filhos, e nascidos da barriga. Pois a realidade é bem diferente dessa. Hoje nem todas as famílias são constituídas assim, muitas tem só mãe, ou só pai. Outras crianças vivem com tios ou avós, e muitas são filhos adotivos. Então, o que fazer?

Novamente, não perca a oportunidade. Vá até a escola, fale sobre adoção. Você pode até conversar com a "tia" para que ela inclua, na aula, esta outra forma de ser filho... Indique a ela um livro infantil que possa ser lido em classe. Você pode até ir à escola para contar a sua história, se isto for do agrado do seu filho. Não podemos deixar que a escola seja um foco de preconceitos ou discriminação, portanto, faça-se ouvir.
Cuidado com os mitos! É freqüente ouvirmos ‘opiniões’ a respeito da adoção, é bom estar preparado:

"Só podia ser adotivo, vai saber quem é o pai..."
Tudo depende das expectativas. Para a mãe do Carlinhos sua evolução será tudo, ela sabe que cada dia é uma vitória e é isto que ela espera dele. Quais são as chances dela se frustrar com os resultados? Próximas de zero. Neste sentido somos todos adotivos. Biológico ou adotivos, sempre teremos que aceitar o filho, ajudá-lo a superar todas as fases de aprendizado da vida, orientá-lo para seguir seu caminho e aceitá-lo dentro de suas limitações e escolhas. Podemos sonhar com que eles serão médicos, professoras, e tantas coisas. Ele podem optar por algo completamente diferente. Assim com tudo na vida.


"Só num bebê podemos imprimir marcas de nossa personalidade"
Ouvi certa vez o depoimento de uma mãe com filhos biológicos e adotivo. O Carlinhos, caçula, adotado já com 5 anos, apresentava problemas de desenvolvimento motor. Ela disse: "ver um bebê se desenvolver é maravilhoso, ver o Carlinhos se desenvolver, mesmo que lentamente, é muito melhor!". Havia emoção e verdade na voz daquela mãe. Ela sabia o que estava dizendo. Ela estava influenciando, não só a personalidade, mas a vida desta criança, que talvez nunca fosse totalmente perfeita (quem o é?), mas, com certeza, ela será o melhor que puder ser, e isto para este filho e para esta mãe representa TUDO.
Basta olhar para a influência que ainda tem sobre nós a nossa família, pai, mãe, tia, irmãos. Eles sempre nos influenciam porque nós depositamos neles nosso afeto e nosso respeito, e o que eles nos dizem é importante. Claro que uma vez adultos, a influência é menor.

"Os laços de sangue são os mais fortes"
É uma velha e cultuada inverdade. Quantas vezes encontramos maior afinidade com estranhos do que com nossa própria família. Há pouco menos de 3 séculos (França), a vinculação mães-filhos, em especial na nobreza, era nula. Os bebês eram entregues a amas de leite até completarem 7 anos e, só então, reintegrados ao seio familiar. O estudo da história da humanidade nos mostra o quanto o ‘amor materno’ não passa de um mito. Amor se constrói e nasce da vontade e do desejo de amar, nada tem a ver com o sangue.
Portanto: os laços do afeto são os mais fortes.

"Todo filho adotivo que sabe de sua condição, procura seus ‘pais verdadeiros’"
Vamos deixar uma coisa muito clara: pais verdadeiros são os que exercem. São os que investem tempo, afeto, enfrentam desafetos, protegem, estimulam, orientam, acolhem. Para isto não precisam ser exatamente pais oficiais. Muitas vezes, tios, avós, irmãos, assumem estas funções e se transformam em ‘pais verdadeiros’, responsáveis.
Pode ser que alguns filhos adotivos manifestem o interesse de conhecer seus pais biológicos, mesmo porque, em alguns casos a identificação de algumas características físicas pode ser importante (a cor do cabelo, aquela marca na pele, o formato das mãos). Mas isto não que dizer que estes filhos irão viver com seus pais biológicos, mesmo porque seus pais não são os biológicos e sim aqueles que o estão criando e amando. Mas para uma maioria, isto nem passa pela cabeça. É algo desnecessário. Em algum momento, talvez, surja o interesse, ele talvez o manifeste, mas pode ser que seja apenas para ‘testar’ sua atitude. Se você concordar em acompanhá-lo, em estar com ele em cada momento, ele poderá se contentar com isto, se sentir seguro. Mas pode ser que ele decida ir à procura, então é fundamental que você esteja ao se lado. Que o acompanhe, o respeite, e o ampare. Ele tem que saber que você estará sempre ao seu lado, afinal, vocês são uma família.

"Vocês são especiais. Fizeram uma caridade, livraram este menino do mundo das ruas"
Vocês não são especiais, são pais, como quaisquer outros, apenas começaram a construir esta relação a partir de uma adoção. Não há caridade na adoção. Mesmo porque, caridade é algo pontual, e um filho é para toda a vida! E este filho não tem que ser grato por isso. Ele tem que ser grato pelo afeto, pelo carinho, pela dedicação (e isto todos os pais e mães, adotivos ou não, deveriam dar). E vocês? Vocês devem ser gratos porque sem ele, como exerceriam esse afeto, a quem dariam o carinho, como saberiam o quão dedicados podem ser? É a presença deste filho que permite este exercício, e para isso não tem gratidão suficiente que caiba!
Não espero que vocês dêem um valor além da medida para a adoção. Desejo que dêem o devido valor. Que construam esta relação baseada na verdade, no compromisso eterno de crescerem juntos pais-mães-filhos, exercitando o que há de melhor dentro de vocês mesmos, e esperando pouco, para valorizar o muito que será fruto desta decisão consciente, construída dia a dia, a partir da intenção e do desejo de ser mãe, de ser pai e de transformar uma criança em filho através do amor.

Por Gabriela Schreiner

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Existe um tendência ainda comum de ‘classificar’ as atitudes das crianças adotivas justificando-as por conta de sua origem. Estudo mostram que há muito de herança genética sim, mas nem tanto que não possa ser modificado pelo meio, pela educação. E além disso, tende-se a ser menos tolerante com estas crianças, já por ter uma ‘justificativa’ para certas atitudes. Puro preconceito. Algumas marcas do passado podem comprometer certas crianças que, quando ajudadas por especialistas, conseguem superar muitas coisas. Mas a maioria delas não tem problema algum, antes de tudo são crianças.
Esteja sempre atento para perceber o que é oriundo do fato da infância ser uma etapa de descobertas e de teste de limites. Percebendo a injustiça, defenda-o e repreenda-o, afinal ele precisa ser orientado na arte do crescer.

Por Cintia Liana




3 comentários:

  1. Excelente post. Claro, objetivo e realista. Beijos

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  2. Concordo, Kyria. Obrigada pela visita e pelo comentário. É sempre bom saber o que os leitores acham dos posts. Um abraço.

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  3. Olá Cintia Liana, adorei o seu blog. Excelente trabalho! Como tenho o propósito de adotar, vou buscar as orientações necessárias para que eu tenha um "parto quase normal". Voltarei para ler cada um dos posts e se possível, comentá-los.
    Aproveite bem a temporada na Itália, aguardamos seu retorno com muita expectativa.
    Um grande abraço desde Brasília.
    Valdirene Santos

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