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sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Descobrindo que é adotado

Foto: Google Imagens

"Descobri que sou adotado"
(Matéria da revista enfoque - Por Nilza Valéria)


Berenice Silveira viu seu mundo desmontar quando tinha 12 anos. Sentada junto com primos e colegas na porta de casa, em Porto Velho, a conversa girava em torno das semelhanças que cada um tinha com seus pais. “Tenho o cabelo da minha mãe”, disse uma. Meu pé é igual ao do meu pai”, afirmou outro. Na vez de Berenice, depois de um silêncio, ela disse que seu jeito de andar era igual ao da mãe. Aí alguém retrucou: “Você pode ter aprendido a andar como ela, mas você não é filha dela.”

Até hoje, mais de 15 anos depois, Berenice não sabe quem falou aquilo. Possivelmente, uma prima mais velha. Mas foi como se abrisse um grande buraco e ela caísse dentro. “Aquela frase respondia tudo. Era a resposta perfeita para tudo o que eu sentia. Eu sabia que havia alguma coisa diferente comigo, mas não sabia o que era”, lembra. Hoje, com 28 anos, a advogada Berenice superou o trauma de ter descoberto ser filha adotiva numa brincadeira. “Não foi fácil. Dos 12 aos 16 anos, exigi dos meus pais uma explicação, queria saber de onde tinha vindo, por que eles tinham me escolhido e por que me esconderam a minha história.” A mãe de Berenice afirmou, e ainda afirma, que jamais contaria a verdade se a filha não tivesse descoberto: “Ela é minha filha e isso é tudo o que importa. Que diferença faz se sou loura e ela morena? Eu a amo e ponto final.” Berenice sabe que é amada. “Eles, meus pais, são a coisa mais importante da minha vida. Nunca duvidei de que era amada. Fui uma criança com uma infância feliz. Apenas notava que as diferenças físicas eram grandes e isso gerava uma inquietação. Quando parentes vinham nos visitar havia muito sussurro em casa, olhavam para mim e falavam baixo, como se houvesse segredos.”

ACERTANDO AS CONTAS COM O PASSADO

De acordo com a psicopedagoga Mirta Videla, é direito de toda criança conhecer a verdade acerca de sua origem. “Esta verdade pertence à criança tanto quanto a sua própria vida. Quando se adota uma criança, começa uma outra história, a partir de sua chegada. Mas, antes disso, a criança teve uma pré-história, de sangue, de recém-nascida em outros braços, de cultura, de parentesco. As razões pelas quais ela perdeu tudo isso podem ser de diferentes ordens, mas ninguém pode negar-lhe o direito de estar informada a respeito.”

Analisando o caso de Berenice e de tantos outros que sua vivência profissional já a fez ter contato, Mirta afirma que o sentimento de vazio, de diferença até os 12 anos de Berenice foi gerado pelos segredos familiares, que provocam um clima de tensão permanente. “A criança que percebe algo oculto, misterioso e proibido, não se atreve a perguntar. E ela fica se sentindo como protagonista de um quebra-cabeça que nunca consegue montar, porque faltam peças que estão ‘nas mãos dos outros’, os pais adotivos.”

POR QUE NÃO NASCI DE SUA BARRIGA?

Salvador de Rossi Anhaia, 23 anos, também foi adotado. E sempre soube disso. “Mesmo antes de eu entender, minha mãe falava que eu era adotado. Nunca fui tratado diferentemente e não entrei em crise por isso.” Quando chegou, recém-nascido, o casal já tinha três filhas naturais. “Meus pais desejavam um menino e não queriam tentar mais. Falo para todo mundo com muito orgulho da minha família.”

Karina Souza, 25 anos, foi adotada com menos de 1 mês de idade. Apesar da diferença racial – é negra, e os pais brancos –, diz nunca ter ficado em crise por ser adotiva, apesar de os pais só terem conversado com ela quando tinha 11 anos. “Quando me falaram, eu já sabia, e ia ficar mal por quê? Eles me deram tudo.” A mãe adotiva se colocou à disposição para apresentar a mãe biológica, caso Karina quisesse conhecê-la. “Nunca tive curiosidade. Eu amo a minha família.”

Salvador Anhaia diz que em alguns momentos sente curiosidade de conhecer a família biológica, mas não tem motivação para procurá-la “Imagino que eles não deviam ter condições de me criar. Às vezes, queria saber se tenho irmãos, mas nada que me faça virar o mundo para achá-los.” Com a mãe adotiva cristã, Salvador reconhece que Deus sabia que ele tinha de ser filho de quem é. “Havia um casal na fila de adoção antes dos meus pais. Eles ficaram comigo por um dia e depois fui levado para a minha família. Deus já sabia de quem eu devia ser filho.” Nem mesmo a separação dos pais, quando tinha 13 anos, abalou o orgulho de pertencer à família que o adotou. “Nunca me senti rejeitado. Eu sofri como sofre qualquer menino quando o pai sai de casa.”

Eduardo Lemos teve curiosidade. E muita. Apesar de saber da adoção desde os 4 anos de idade, quando completou 17 decidiu que queria encontrar a mãe, saber se tinha irmãos, queria entender sua história. “Meus pais não conseguiam entender por que eu estava fazendo aquilo. Eles achavam que o amor e tudo que me davam deveria ser suficiente para eu ser feliz. Só que pirei em saber que minha mãe de sangue me abandonou. Passei a beber, a me meter em encrenca.” Quando Lemos descobriu que a mãe biológica morreu de cirrose e quase foi enterrada como indigente, decidiu que sua história era outra. “Foi lendo o documento de óbito da minha mãe, onde se registrava que não deixou filhos, que me dei conta de que ser filho do coração foi o caminho que Deus usou para me salvar.” Dona Graça, a mãe adotiva de Eduardo, diz que sempre contou ao filho que o amor é o mais importante. “Eu dizia a ele do grande amor de Deus, que nos tornou Seus filhos, por adoção. Hoje ele entende plenamente isso. Tanto do nosso amor e principalmente do amor de Deus.”

NA REVOLTA

Gustavo foi adotado com 6 anos. E dois anos depois, devolvido à instituição. Os pais adotivos alegaram problemas financeiros. Aos 8 anos, uma nova adoção. “Você acha que é fácil saber que fui abandonado?”, indaga. Com 15 anos, ainda teme que a família adotiva não seja para sempre. “Não dá para saber até quando vão ficar comigo. Há uns parentes que acham que posso ser mau porque imaginam que meu pai biológico pode ser um cara mau. Tem uma irmã da minha mãe que tem medo que eu roube a bolsa dela. É muito esquisito. Até na igreja existe gente que acha que meus pais me fizeram um favor.”

Para Raniere Pontes, presbiteriano, que abandonou o curso de Teologia para se dedicar à promoção de direitos da criança e do adolescente, é latente, no caso de Gustavo, o sentimento de soltura que o impede de criar vínculos profundos. “O adotado também precisa aceitar a família que o adotou. E como na relação com Deus, em que nos tornamos filhos dEle por adoção, por meio de Cristo, temos de aceitar isso”, ensina Raniere, assessor de operações da ONG Visão Mundial.

Karina é jornalista. Quando estava na faculdade levou um grupo de amigas, com quem já convivia há meses, para assistir a um filme em casa. Dentro do carro, a caminho do bairro onde morava, no subúrbio do Rio, fez a revelação: “Preciso dizer para vocês que sou adotada, por isso, não estranhem por eu ser negra e meus pais brancos.” A revelação foi feita como quem conta o que comeu no jantar. “Era tão normal e tão natural para ela ser filha adotiva, ou ser filha, que ela quis evitar nosso constrangimento. Em todo período do curso de Jornalismo, ela fez uma ou duas menções sobre a adoção e muitas sobre a família. O quanto a mãe ‘pegava no pé’, o quanto exigia, o quanto era desconfiada com namorados. Foi legal perceber o quanto a mãe dela era igual à minha mãe”, afirma Ione Souza, casada, dois filhos e na fila de adoção, em São Paulo.





Por Cintia Liana


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