"Uma criança é como o cristal e como a cera. Qualquer choque, por mais brando, a abala e comove, e a faz vibrar de molécula em molécula, de átomo em átomo; e qualquer impressão, boa ou má, nela se grava de modo profundo e indelével." (Olavo Bilac)

"Un bambino è come il cristallo e come la cera. Qualsiasi shock, per quanto morbido sia
lo scuote e lo smuove, vibra di molecola in molecola, di atomo in atomo, e qualsiasi impressione,
buona o cattiva, si registra in lui in modo profondo e indelebile." (Olavo Bilac, giornalista e poeta brasiliano)

domingo, 16 de setembro de 2012

Existe filho predileto?

Mandy Lynne

Por Cintia Liana Reis de Silva

Sim, existe filho predileto, e porque não?

Estudos da Universidade da Califórnia comprovam que existe filho predileto. Para 70% dos pais e 60% das mães esta predileção seria em relação ao filho primogênito. Mas nem sempre é assim, às vezes se prefere o mais novo por ser o mais frágil. Outras vezes a mãe prefere o filho mais velho e o pai a filha mais nova. (CRIPPA, 2012) 

Mas independente de quem seja o predileto uma coisa é certa, isso gera ansiedade e expectativas em todos, desorganiza a família e satura o sistema familiar. Por exemplo, o filho mais velho preferido e protegido se sente potente e o mais novo subjulgado e agressivo, ou o filho mais velho sente pena do mais novo que se torna frágil e fraco. Também pode ocorrer do protegido se tornar dependente por toda a vida e não conseguir assumir responsabilidades.

Pai ou mãe, antes de assumirem esses papéis são humanos como qualquer outro. Filhos são diferentes entre si e os pais reagem de acordo com isso e o tratamento que cada um recebe, em parte, também depende desses fatores. Nestas relações do sistema familiar, muitas vezes emaranhado, pode existir naturalmente mais identificação e afinidade com um filho que com um outro, é natural. Um filho pode se identificar mais com o pai ou com a mãe, seria impossível estabelecer relações iguais já que se tratam que seres humanos diferentes, que carregam singularidades, especificidades e as relações se baseiam nestas configurações do encontro entre duas psiquês diferentes, que dialogam multuamente e inconscientemente.

Pode ser que a mãe estabeleça uma relação mais difícil com a primeira filha porque esta carrega muitas características da avó, características essas que eram portadoras de dificuldades na relação com a sua filha, mãe desta última a chegar. Pode ser que, ainda que tenha dificuldades com a mãe seja a preferida por ser mais parecida e, por isso, aparecem também as dificuldades. É uma via de mão dupla, ou poderia dizer de "mãe dupla"?

As relações também são recheadas do que Freud chamou de "transferência e contratransferência", um dos mecanismos de defesa do ego, ou seja, estabelecemos relação com novas pessoas baseadas em relação antigas, já consolidadas, e as repetimos de acordo com o que a nova pessoa nos demonstra. Às vezes até lembramos muito de uma pessoa que já conhecemos há muito tempo quando conversamos com alguém que acabamos de conhecer, sem que essas duas pessoas se pareçam fisicamente, mas se parecem na personalidade, então tendemos a repetir a nossa mesma maneira de ser com esta também e este alguém pode contratansferir, reagindo de modo como esperamos. Algumas vezes, se a pessoa não constratransfere, nos sentimos "perdidos" em como podemos nos relacionar com ela. Se trata de um repertório, usamos a mesma márcara social que usamos com aquela outra.

Sobre a máscara, nada tem a ver com falsidade, Jung, o pai da psicologia analítica, usou este termo para explicar de que modo nos reportamos e nos relacionamos com alguém, a nossa figura social, munida de autocensura, algo necessário para sobrevivermos em sociedade, é a parte do aparelho psíquico que organiza o nosso material inconsciente, o que pode vir a tona e como pode vir, de acordo com quem está a nossa frente ou que situação estamos vivendo.

Mas voltando para a relação com os filhos e se existe um filho preferido, observamos que só em falar sobre o assunto nos parece impróprio ou feio, pois parece algo vergonhoso desejar mais bem ou amar mais a um filho que ao outro. Ocorre que pode nem ter a ver com amar e sim simplesmente se relacionar e se identificar.

Existem modos diferentes de estar no mundo, de viver e sentir as relações e pais e mães não estão acima do bem e do mal, que não podem se identificar mais com um ou com outra pessoa, mesmo que esses sejam os próprios filhos. Se pais e mães fossem perfeitos e não fossem humanos não existiriam tantos pais egoístas, chantagistas, cruéis e esquizofrenizantes, que sufocam e fazem seus filhos sofrerem, sem terem a mímima consciência disso.

Amar e torcer para a felicidade de todos os filhos igualmente é algo que uma pessoa que se trabalha pode desenvolver, mas nada tem de errado em ficar mais animado e feliz com a presença de um dos filhos, frente ao fato deste ser mais nutritivo, otimista e saber levantar mais a auto estima dos pais e valorizá-los mais.

Algo importante a se fazer é, desde o início, trabalhar as dificuldades que aparecem nestas relações, que normalmente são dificuldades já trazidas na relação com os pais dos pais; é buscar ser pessoas mais conscientes com todos e isso se refletirá na educação que se passa dentro de casa. A partir daí, refletir que o filho sempre é um reflexo do que damos a ele, misturado a outras variáveis bem complexas do que nem temos consciência de nós e dele. Mas sabemos que podemos ter uma relação positiva e justa com toda a prole, sem precisar nos sentirmos culpados porque estamos mais próximos afetivamente de um ou de outro.

O importante é se livrar da culpa de sermos humanos e falhos e procurar sermos justos de verdade, corrigindo possíveis erros, verbalizar nossas dificuldades, dividir dúvidas, assumir equívocos com os filhos para fazer a família se fortalecer, dar este bom exemplo, derrubando tabus, independente de interesses pessoais ou orgulhos herdados. E sobretudo se unir e ter humildade para desenvolver uma boa relação justamente com os filhos que se tem mais dificuldades, pois são aqueles que mais se parecem com os pais.

Cintia Liana Reis de Silva, é psicóloga e psicoterapeuta, especialista em psicologia conjugal e familiar, trabalha com casos de família e adoção desde 2002.

Referência:
Crippa, Vania. Esiste il figlio prediletto? Revista Psychologies Magazine. Italia: Giugno, 2012.

Um comentário:

PsicoMães disse...

Gostei muito do post. Não concordo com a palavra "predileto" (talvez por questões mesmo de julgamento moral), mas concordo que há sim uma identificação maior com algum dos filhos. Que dependendo de como isso é demonstrado pode ser muito complicado.