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Por Cintia Liana Reis de Silva
Hoje os indivíduos
se perguntam sobre qual a importância de se manter a família unida e de como
explicar isso aos familiares, mas eu, como psicóloga especialista em família,
começarei a explicar conceitos bem mais essenciais e importantes que moram atrás, na sombra dessa resposta.
O indivíduo,
quando chega na adolescência, deve desenvolver o processo de progressiva
autonomia individual em relação ao sistema familiar, isso não significa se
separar totalmente da família de origem, nem muito menos brigar. Hoje existe
uma confusão entre autonomia e falta de
ligação efetiva. O sujeito pode continuar unido à ela, mas em outro nível, pois
ele deve se tornar responsivo e maduro e isso significa pensar, sentir e agir por si mesmo, de acordo com sua própria
consciência, com a maior liberdade possível do que crê e do que lhe ensinou a
sua família. O ideal é que ele faça melhor do que os seus antepassados fizeram.
Todo sujeito,
para amadurecer de verdade, tem que passar pelo processo de questionar o que
recebeu dos pais, se perguntar sobre o que recebeu de bom e o que o limita para
a vida adulta, ele deve buscar entender os modelos familiares adoecidos, as
profecias, os mandatos e as alianças familiares, as crenças ocultas, os segredos, os
processos de projeção familiar e tentar o máximo possível se torna o
principal responsável por sua felicidade e por suas escolhas, e não mais os
seus pais.
O conceito de
autonomia emocional é muito importante e essa autonomia é necessária para que
cada indivíduo da família cresça e busque viver a sua própria história, e ainda
assim se sentir pertencente a um grupo familiar no qual sente segurança e sente
que é aceito e amado e que quer estar junto por prazer e não por dependência.
Infelizmente
muitas famílias vivem o que chamamos na terapia
familiar de identidade emotiva
conglomerada, quando não se sabe onde começa o self de um e onde termina o
do outro, por causa da grande interdependência
existente entre os membros e ainda assim podem viver em meio a brigas e a
desentendimentos. E mesmo que não briguem, quando existe um estado
excessivo de coesão familiar significa que não existe liberdade para cada
um viver a sua vida com independência emocional, causando sofrimentos, culpas,
imaturidade e outras dependências, como a financeira.
Há uma confusão
em relação ao conceito de união familiar. União não significa concordar em
todos os pontos, nunca divergir ou estar sempre junto fisicamente. União
significa desenvolver e sentir uma profunda noção de respeito e da necessidade
desse respeito para a manutenção desses laços de amor. Para estar unido não é
necessário concordar, e sim entender e aceitar. Existem famílias que são
separadas por continentes e ainda assim permanecem unidas, uma dando força a
outra em todos os momentos da vida.
Quando uma
separação é feita através de um desentendimento não se trata de um processo de
independência real e sim de um corte
emotivo, uma ruptura traumática que trará muitos prejuízos a vida social de
quem se separada e quando esse alguém tiver filhos essas feridas
intergeracionais, se não forem tratadas, se reabrirão com os filhos. Todos
precisam adquirir autonomia do sistema familiar de origem de modo sadio para se
desenvolver socialmente de maneira satisfatória, sadia e madura.
O corte emotivo abrupto, a separação por
uma briga ou por mágoa da família pode fazer do indivíduo mais dependente ainda
desse sistema familiar, vivendo em função dele, baseando seus sentimentos em
cima dessas mágoas, vivendo e alimentando essas mágoas, mesmo que não fale sobre
elas, não lembre ou que não procure os membros de sua família.
É preciso que
os preceitos de muitas culturas religiosas e os preconceitos sociais sejam
trabalhados para que a psicologia de
família atue, trazendo informações ao povo, à sociedade. Não é preciso
mascarar e nem controlar as pessoas da família criando hábitos e crenças, mas
fazê-las se darem conta do que as faz sofrer.
É necessário
respeitar a crianças desde o seu nascimento, dar-lhe um apego seguro, atenção,
afeto e disponibilidade incondicionais, encarando de frente as suas
necessidades afetivas mais do que as físicas, pois desde cedo é que ela aprende
o sentido de respeito e ela só poderá exercitar esse respeito com os outros se
se sentiu respeitada, se experimentou na pele essa sensação de ser ouvida e
aceita. É preciso estar mais atento para se trabalhar a importância e os
conceitos de ética e respeito com os filhos e dar bons exemplos para no futuro
termos adultos éticos que ensinar padrões comportamentais artificiais, regras
de etiqueta e disciplina.
Mais do que
estarem fisicamente juntas, as pessoas estão precisando tratar as suas feridas
infantis, cuidar melhor das crianças que são o repositório da raiva e da
ignorância de muitos pais, da falta de tempo, da falta de compromisso, de
disponibilidade afetiva, que por sua vez trazem suas feridas da infância. Quem
se prepara psicologicamente para ter filhos? A família precisa desenvolver mais
o diálogo franco para se abrir para a disponibilidade de amar, baixar a guarda,
curar essas feridas para deixarem de competir e assim andar numa mesma direção,
buscando a paz e a felicidade de todos. Quando
existe investimento no autoconhecimento, diálogo e sinceridade emocional há
mais espaço para o amor.
Estamos em
pleno século XXI e os pais ainda procuram erradamente o pediatra, que é o
médico do corpo físico, para se aconselharem, porém quando os temas são a
mente, emoção, comportamento e educação esse pais deveriam procurar o psicólogo
de família ou infantil, pois ele é quem está preparado e tem o devido
conhecimento para responder às perguntas sobre os temas citados.
Na família acontece de membros que foram todos criados
juntos se separem em determinado momento da vida, pois muitas pessoas se separam por divergências, por mágoas, pela
mudança do funcionamento da dinâmica familiar, pelo falta de respeito das
escolhas dos outros, pela mudanças de perspectivas, pela não aceitação das
figuras de autoridade, por competição, pela falta de identificação nesse
cenário de mudanças individuais, etc. Tudo o que acontece na adolescência e na
fase adulta de cada membro de uma família tem base e encontramos respostas no
que cada um viveu em seus primeiros anos de vida. A criança é um cristal de tão
delicada, qualquer coisa a abala profundamente e a marca por toda a sua vida.
Se ao reunir toda a família acontecer uma briga, essa colisão, a
depender do seu grau de intensidade e como ela será usada, pode ser vista como
um acontecimento até positivo, pois manifesta um ponto tóxico. O seu conteúdo deve
ser usado para modificar o ambiente e o sentimento de todos, pois quando
ela aparece mostra que já existiam mágoas antigas não manifestas, mas que
deveriam vir a tona de algum modo e, como não veio através do diálogo pacífico
e honesto, é porque acabou explodindo de uma forma qualquer, numa situação onde o conflito ou a
ferida foi tocada.
Nesse momento
se deve encarar de frente os motivos, as causas desse conflito, indo a fundo,
nem que seja no passado, onde toda a mágoa começou, para “limpar”, esclarecer o
que aconteceu, dando chances às pessoas de se retratarem, pedirem desculpas e
entenderem a dor alheia, só dessa forma as relações podem mudar e serem
curadas, pois ninguém esquece nada do que passou, tudo fica guardado, nem que
seja em nível inconsciente e é esse conteúdo, essas mágoas não vistas e
entendidas de modo respeitoso é quem guia as relações cotidianas do sujeito,
inclusive as de fora da família.
Para unir mais
a família e se existe algum problema do passado, que fez com que os membros
desta tenham se afastado, se pode motivar
os membros a falarem sobre as suas mágoas, sobre o que sentem de desconfortável
em cada relação e para isso é necessário se criar um ambiente de acolhimento e
confiança, onde todos, com maturidade, responsabilidade e comprometimento
estabeleçam um “contrato verbal e interno” de estarem alí com o mesmo objetivo,
curar as feridas familiares.
Uma figura de
autoridade ou uma figura muito empática da família, um ponto hiper-conector, pode
propor e motivar essa conversa. Talvez os não envolvidos no desentendimento
possam ajudar a promover a paz estando no momento, mas depende da posição e
empenho de cada um na família e da relação de empatia que têm com os demais. Mas
para isso, é sempre mais seguro ir a um sething terapêutico, um ambiente
neutro, de um psicólogo especialista em terapia familiar, ele cuidará para que
tudo corra bem e dê certo, na medida e que os pacientes se comprometem também
em fazer “dar certo” o trabalho de autoconhecimento e reconhecimento da
família.
Precisamos
criar a cultura do autoconhecimento e da consulta ao psicólogo. É uma pena, nos
tempos de hoje, ainda existir a falta de conhecimento do trabalho tão
necessário e fundamental do psicólogo.
Para
mostrar para todos a importância de se relevar as diferenças e passar a mensagem
da importância da união familiar os pais
devem estimular os filhos, desde pequenos, e se valorizarem pelo que têm de
positivo, muito mais do que julgarem, criticarem ou apontarem os seu defeitos. Só
num ambiente onde foi exercitado muito o respeito, sem comparações, sem jogos,
chantagens emocionais ou manipulações é que as pessoas crescerão em harmonia e
poderão estar mais unidos em outras fase da vida.
Se as famílias só se encontram em datas importantes e não
em outros momentos do ano, os integrantes
desta, se têm prazer de estarem juntos, se existir admiração e se condividirem
os mesmo interesses, podem aproveitar para festejar datas importantes e
significativas da história daquele sistema familiar. Quando existe o interesse
em estar junto tudo pode ser motivo para a reunião, inclusive lembrar datas de
luto em respeito aos que já se foram. Isso tem um enorme significado simbólico
e afetivo para a entendimento e o fortalecimento da história da família.
Como falei no
início do texto, o indivíduo deve buscar a autonomia emocional, física,
financeira e em todos os outros níveis em relação a família, mas isso não
significa cortas os laços com ela, mas sim vê-la de outro modo e estabelecer
outro nível de importância para ela em sua vida. A hierarquia familiar
continuará, a amizade, o companheirismo, a ajuda mútua, a reunião em datas
importantes, as visitas, mas o adulto maduro não será dependente desses laços
para viver, para tomar suas decisões, para percorrer suas estradas
profissionais, para constituir a sua nova família. A sua família de origem não
mais será o seu ponto de referência, pois esse ponto deve passar a ser o seu
próprio eu, o seu próprio self. Ele
estará junto dos seus entes por prazer e não por dependência. Ele deve ser
homem da sua vida e não mais estar nas “mãos” da família.
O indivíduo que
tem com a família uma relação autônoma, de respeito, de estabelecimento de fronteiras e a
delimitação de seu espaço interpessoal tem
a maior chance de ser menos reativo e a ser mais reflexivo, é o que chamamos de
um alto nível de diferenciação básica do
self. Pessoas mais dependentes da família, com pais imaturos, tendem a ser
mais negativas, rebeldes e reativas e a terem um baixo nível de
diferenciação básica do self, geralmente ainda precisa da confirmação e
conselhos dos pais e familiares para viver e para se relacionar.
Essa frase de
que “a família é a base de tudo” também é mal interpretada. O indivíduo adulto
não deve alimentar um vínculo simbiótico com sua família de origem para que ela
seja uma base sadia, ao contrário, uma família que dá uma base segura, um apego
seguro ao filho ainda bebê, é aquela que sutilmente e delicadamente dá o que há
de melhor e mais saudável para os filhos ainda pequenos, que não despejam as
suas feridas infantis nesses filhos e assim eles poderão crescer mais felizes e
se tornar adultos capazes de pensar, sentir e agir por si mesmo e, quem sabe,
fazer melhor na vida do que os seus pais e avós foram capazes de fazer? A ideia
é criar gerações mais conscientes e maduras. A base mais fácil para se criar
adultos maduros é ter pais maduros.
A criação de
outros vínculos multiplexos, ou seja, de outros vínculos além da família, só
enriquece a vida dos seres humanos, criam outros níveis de relacionamento
fazendo o indivíduo amadurecer e exercitar outras partes de sua psiquê, geram companhia social, apoio emocional, relações com outras multidimensionalidades, regulação social, acesso a
novos contatos e não deixa de ser o exercício e o
aperfeiçoamento das relações que nasceram na família.
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