"Uma criança é como o cristal e como a cera. Qualquer choque, por mais brando, a abala e comove, e a faz vibrar de molécula em molécula, de átomo em átomo; e qualquer impressão, boa ou má, nela se grava de modo profundo e indelével." (Olavo Bilac)

"Un bambino è come il cristallo e come la cera. Qualsiasi shock, per quanto morbido sia
lo scuote e lo smuove, vibra di molecola in molecola, di atomo in atomo, e qualsiasi impressione,
buona o cattiva, si registra in lui in modo profondo e indelebile." (Olavo Bilac, giornalista e poeta brasiliano)

quinta-feira, 5 de março de 2015

Adolescência, adoção e autoestima

We Heart it

Por Cintia Liana Reis de Silva
Publicado no dia 26 de fevereiro no Guia Indika Bem

É fundamental que toda criança saiba o quanto antes sobre a sua adoção, que cresça ouvindo esse tema com naturalidade em casa, sem tabus. Essencial que saiba também antes da adolescência, que conheça alguns aspectos de sua origem. É saudável que ela cresça sabendo que não é diferente das outras pessoas porque foi adotada. A adoção é só mais uma forma de ganhar filhos e pais, a forma da escolha pelo desejo de amar.
Cada pessoa há o seu próprio valor e isso é algo que não pode ser medido. Todos são importantes também na vida de outras pessoas. O fundamental é que cada pessoa encontre o seu senso de valor interno, descubra a sua própria importância e isso é algo subjetivo. Essencial é se conhecer e se enriquecer pessoalmente, desenvolver valores e virtudes, bons princípios éticos, sensibilidade, delicadeza e educação emocional para viver bem. A adoção não diminui ninguém, ao contrário, ter sido “escolhido” e adotado por novos pais é uma nova oportunidade de uma vida com amor em família. Sobretudo, devo lembrar que ninguém tem culpa ou responsabilidade por não ter podido ser acolhido pela família de origem.
Adotar não é fazer caridade, quem percorreu essa estrada é alguém que queria muito ter filhos e realizar esse sonho através da adoção, ou seja, que estava certo dessa escolha. Mas é preciso desprendimento, pois na sociedade ainda encontramos muitos preconceitos, mitos e informações distorcidas a respeito. Quem adotou é porque não só enfrentou os seus próprios medos pelo desejo de ter uma criança, mesmo que nascida em outra família, em uma família desconhecida, mas também é seguramente uma pessoa que enfrentou muitas palavras duras de pessoas ignorantes que não conhecem a grandeza de uma relação de amor sem laços biológicos.

É preciso um espaço de diálogo, desabafo, aceitação e respeito para fazer com que o adolescente não sinta raiva e nem alimente muitas mágoas dos pais biológicos que o “abandonaram” ou não tiveram condições de criá-lo. O adolescente pode refletir a respeito de que muitos pais, que fazem um projeto de adoção para o seu filho, são pessoas também vítimas de uma família desestruturada, de um lar infeliz. Muitos escolhem doar o filho com muito sofrimento. Na terapia familiar se fala muito sobre a repetição dos modelos familiares, o que chamamos de padrões intergeracionais.
Indivíduos que não se sentem capazes de se tornar pais, não sentiram segurança afetiva em seus pais, e ao se tornarem genitores “perderam completamente o chão”. Já recebi e-mails de mulheres grávidas desesperadas, sem nenhum suporte emocional ou financeiro, por terem engravidado sem planejamento e sem nenhum condição emocional, familiar ou financeira. Algumas estavam completamente perdidas psicologicamente.
O adolescente pode refletir sobre como é se sentir assim, não julgar, tentar amadurecer para compreender e principalmente não repetir o mesmo “erro”. Devo lembrar que fazer terapia é algo magnífico que pode libertá-lo de muitas dúvidas e dores emocionais.
Pode ser proveitoso que o adolecente procure por seus pais biológicos, caso sinta vontade. É aconselhável que procure, mas se existir o real desejo e a preparação emocional para esse contato. Conhecer e fazer as pazes com a própria história é sempre importante, encarar e desenvolver a própria identidade também, e essa primeira família sempre fará parte dessa história.
Mas se deve sempre estar atento ao modo de reagir, caso haja uma resposta de indiferença da família de origem ou que se descubra uma informação difícil de aceitar. Sentir raiva, se assustar, se desiludir e sofrer podem fazer parte, mas se deve ter um tempo para refletir sem reagir abruptamente, é preciso digerir e superar essa realidade. Todas essas descobertas podem ser administradas e superadas. Com o auxílio de uma terapeuta pode ser bem mais fácil e seguro, assim como com o apoio e o suporte dos pais adotivos.
O adolescente deve entender que se ele foi rejeitado, não é porque há algo de errado com ele, mas sim com o grau de maturidade dos pais de origem. Poderia ser qualquer outro bebê, que aconteceria a mesma coisa. O problema não está com quem foi rejeitado e sim com quem rejeitou, que não teve condições de seguir adiante e realizar o “projeto” de ter um filho, que é o maior projeto de vida que alguém pode ousar sonhar. É necessário falar sobre essa dor com pessoas de confiança, desabafar, falar com algum profissional, pois só assim essa dor poderá ser devidamente curada.
Se o adolescente for alvo de preconceitos por ser adotado o ideal é pedir ajuda a um adulto, pois ele terá alguma autoridade para conduzir a situação com maturidade. Ninguém merece ser vítima de humilhação por nenhum motivo. Quem passa por esse tipo de situação deve compreender que não há vergonha em ter sido adotado, ao contrário, se teve outra oportunidade, se foi escolhido por novos pais e que não existem pais falsos ou verdadeiros, existem pais.
Caso haja necessidade, o adolescente deve pedir ajuda para que se equilibre e se oriente no sentido de dar respostas claras e curtas aos insistentes, ou simplesmente ignorar as provocações. E lembrem-se, quem tem preconceito com a adoção é quem há problemas. Quem sente que ser adotado é a única forma de se tornar filho está redondamente certo, pois até o filho biológico precisa ser adotado para ser filho.
Se o restante da família (tios, primos, irmãos, etc.) o tratam diferente pelo fato de ser adotado é necessário recorrer aos pais. Mas nas família onde os pais não tratam a adoção como uma filiação de segunda categoria, não há motivos para os demais tratem a adoção de modo preconceituoso. A criança acaba sendo sentida e tratada como “nascida” ali, pois não há diferença no amor. Mas se isso acontecer, é preciso repensar as relações e a postura de todos, inclusive das “vítimas” do preconceito, que deve ter o cuidado para não se marginalizar e sim informar e tratar os preconceitos.
O adolescente pode dividir a sua história da adoção com as pessoas que preferir. Tudo vai depender de como a pessoa sente a sua história. Se ela tem orgulho, não há motivos para esconder. Em todo caso, não é preciso sair dizendo a todos que foi adotado, pois esse fato não faz dela mais ou menos filho, ele é filho.
Se ele quer manter segredo, é bom que reavalie os motivos, por que adoção é um tema muito bonito e quem melhor de quem foi adotado para segurar essa “bandeira” e defender a causa das crianças que ainda estão esperando por uma família? Não é se escondendo que trabalharemos os preconceitos e sim ensinando a quem ainda é ignorante, é falando sobre. Mas cada um faz o que pode e como pode.
O adolescente deve se indagar, se trabalhar e falar sobre o tema com os pais e as pessoas de confiança, para se fortalecer, assim estará em grau de falar sobre o assunto de um modo natural. Não há nada de extremo na adoção. Deve passar a certeza de que a adoção é o único modo de constituir família e que todos precisam ser adotados para ocupar um lugar importante na vida do outro e que ele, o adolescente, tem o seu lugar todo especial na vida dos pais, o lugar especialíssimo de filho.

Cintia Liana Reis de Silva

Fonte: http://indikabem.com.br/filhos/adolescencia-adocao-e-autoestima

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