"Uma criança é como o cristal e como a cera. Qualquer choque, por mais brando, a abala e comove, e a faz vibrar de molécula em molécula, de átomo em átomo; e qualquer impressão, boa ou má, nela se grava de modo profundo e indelével." (Olavo Bilac)

"Un bambino è come il cristallo e come la cera. Qualsiasi shock, per quanto morbido sia
lo scuote e lo smuove, vibra di molecola in molecola, di atomo in atomo, e qualsiasi impressione,
buona o cattiva, si registra in lui in modo profondo e indelebile." (Olavo Bilac, giornalista e poeta brasiliano)

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

O apego - Bowlby e a Teoria do Apego

Mandy Lynne

Por Mauro Lantzman

BOWLBY E A TEORIA DO APEGO

No final de 1949, um jovem e imaginativo psiquiatra, de orientação analítica e recentemente apontado para ser o chefe de Seção da Saúde Mental da organização Mundial de Saúde, interveio. Requisitado para contribuir com as Nações Unidas com um estudo sobre as necessidades de crianças sem lar, Ronald Hargreaves decidiu escolher um consultor, por um certo período, para fazer um relatório sobre os aspectos da saúde mental concernentes a esse problema e sabendo de meu interesse nesse campo, me convidou para essa tarefa (Bowlby, 1990, p.34).

Assim começa a história de John Bowlby, um psiquiatra que, entre a década de cinqüenta e sessenta, investigou e elaborou a teoria que procura explicar como ocorre – e quais as implicações para a vida adulta - dos fortes vínculos afetivos entre o bebê humano e o provedor de segurança e conforto.

Bowlby recolheu relatos e fez observações da interação mãe – bebê. Os dados que recolheu indicavam para uma direção diferente daquela que a psicanálise e a teoria cognitiva da época apontavam:

Naquele tempo, era largamente aceito que a razão pela qual a criança desenvolve um forte laço com sua mãe é o fato de que esta a alimenta. Dois tipos de impulsos são postulados, primário e secundário. O alimento é tido como primário; a relação pessoal, referida como dependência, como secundário. Essa teoria não me parecia se adaptar aos fatos (Bowlby, 1990, p.37)

Em sua monografia para a Organização Mundial de Saúde – OMS, “Cuidados Maternos e Saúde Mental”, de 1951, Bowlby revê as provas relativas aos efeitos adversos da privação materna para o bebê e discute os meios de prevenir tais efeitos.

Neste trabalho, fiz uma revisão sobre a evidência, então disponível, considerada de pouca importância, relativa às influências adversas, no desenvolvimento da personalidade, do cuidado materno inadequado, durante a primeira infância; chamei a atenção para o desconforto intenso das crianças pequenas, que se acham separadas daqueles que conhecem e amam e fiz recomendações quanto à melhor forma de evitar, ou pelo menos diminuir os efeitos maléficos a curto e a longo prazo (Bowlby, 1989, p.34).

Porém, ainda se fazia necessária à construção de bases teóricas e conceituais.

O que estava faltando, como vários revisores apontaram, era alguma explicação de como as experiências incluídas sob o amplo título de privação materna poderiam ter efeitos no desenvolvimento da personalidade dos tipos mencionados. A razão para essa omissão era simples: os dados não estavam inseridos em nenhuma teoria até então corrente...(Bowlby, 1989, p.36).

O contato com a etologia, ciência que estava em seus primórdios pelas mãos de Konrad Lorenz, Harry F. Harlow e Robert Hinde, possibilitaram que Bowlby estruturasse a base teórica de seus trabalhos. Considerando que as publicações de Konrad Lorenz (1934) sobre “imprinting”1 poderiam ter algumas implicações relevantes para o estudo de desenvolvimento dos vínculos em seres humanos e partindo da base conceitual e metodológica da etologia, John Bowlby propôs, em 1958, que, assim como em outras espécies animais, os bebês humanos seriam programados para emitir certos comportamentos que eliciariam atenção e cuidados e manteriam a proximidade do cuidador.

Bowlby estava descartando a idéia do impulso primário, que associa a alimentação à razão pela qual a criança desenvolve um forte laço com sua mãe e substituindo-a pelo sentimento de segurança, atribuindo a ele a noção de função biológica de proteção.

Um suporte de força para esse passo veio logo depois com a descoberta de Harlow de que, em outra espécie primata – macaco Rhesus – os jovens mostram preferência marcante por uma mãe-boneca macia, apesar de ela não os alimentar, ao invés de uma mãe-boneca dura (de arame) que os alimenta (Harlow e Zimmerman, 1959 apud Bowlby, 1989 p.38)

A partir do conjunto da obra de Bowlby se pode estabelecer as definições de comportamento de apego e suas características.

Assim, comportamento de apego é definido como:
Qualquer forma de comportamento que resulta em uma pessoa alcançar e manter proximidade com algum outro indivíduo, considerado mais apto para lidar com o mundo (Bowlby, 1989, p.38).

Os comportamentos de apego se referem a um conjunto de condutas inatas exibidas pelo bebê, que promove a manutenção ou o estabelecimento da proximidade com sua principal figura provedora de cuidados, a mãe, na maioria das vezes. O repertório comportamental do comportamento de apego inclui chorar, fazer contato visual, agarrarse, aconchegar-se e sorrir. (Bowlby, 1990)

O comportamento de apego será eliciado quando o bebê estiver assustado, cansado, com fome ou sob estresse, levando-o a emitir sinais que podem desencadear a aproximação e a motivação do cuidador.

O comportamento de apego traz segurança e o conforto e possibilita o desenvolvimento - a partir da principal figura de apego - do comportamento de exploração. Quando uma pessoa está apegada ela tem um sentimento especial de segurança e conforto na presença do outro e pode usar o outro como uma “base segura” a partir da qual explora o resto do mundo.

Dentro de sua teoria, ainda, Bowlby enfatiza sete características (Bowlby, 1997):
1. Especificidade – O comportamento de apego é dirigido para um ou alguns indivíduos específicos, geralmente em ordem clara de preferência.
2. Duração – O apego persiste, geralmente, por grande parte do ciclo vital.
3. Envolvimento emocional – Muitas das emoções mais intensas surgem durante a formação, manutenção, rompimento e renovação de relações de apego.
4. Ontogenia – O comportamento de apego desenvolve-se durante os primeiros nove meses de idade de vida dos bebês humanos. Quanto mais experiências de interação social um bebê tiver com uma pessoa, maior são as probabilidades de que ele se apegue a essa pessoa. Por essa razão, torna-se a principal figura de apego de um bebê aquela pessoa que lhe dispensar a maior parte dos cuidados maternos. O comportamento de apego mantém-se ativado até o final do terceiro ano de vida; no desenvolvimento saudável, tornase, daí por diante, cada vez menos ativado.
5. Aprendizagem – Recompensas e punições desempenham apenas um papel secundário. De fato, o apego pode desenvolver-se apesar de repetidas punições por uma figura de apego.
6. Organização – O comportamento de apego é organizado segundo linhas bastante simples. Mediado por sistemas comportamentais cada vez mais complexos, os quais são organizados ciberneticamente. Esses sistemas são ativados por certas condições e terminados por outras. Entre as condições ativadoras estão o estranhamento, a fome, o cansaço e qualquer coisa assustadora. As condições terminais incluem a visão ou som da figura materna e a interação com ela. Quando o comportamento de apego é fortemente despertado, o término poderá requerer o contato físico ou o agarramento à figura materna e (ou) ser acariciado por ela.
7. Função biológica – O comportamento de apego ocorre nos jovens de quase todas as espécies de mamíferos e, em certas espécies, persiste durante toda a vida adulta. A manutenção da proximidade com um adulto preferido por um animal imaturo é a regra geral, o que sugere que tal comportamento possui valor de sobrevivência. Assim, a função do comportamento de apego é a proteção, principalmente contra predadores.

Cabe ainda fazer a distinção entre comportamento de apego e apego.
Ao falar de uma criança que esteja apegada ou que tenha um apego a alguém, quero dizer que esta pessoa está fortemente disposta a procurar a proximidade e contato com esse alguém e a fazê-lo, principalmente, em certas condições específicas. A disposição de comportar-se dessa maneira é um atributo da pessoa apegada....O comportamento de apego, em contraste, se refere a qualquer das formas de comportamento, nas quais a pessoa se engaja, de tempos em tempos, para obter ou manter uma proximidade desejada. (Bowlby, 1989, p.40).

O TESTE DE SITUAÇÃO ESTRANHA
A partir da teoria de Bowlby, Ainsworth e Wittig (1969) elaboraram um procedimento laboratorial para qualificar o vínculo formado entre o bebê e sua principal figura de cuidado, denominado de “Teste de Situação Estranha”, o qual permitiu observar as manifestações comportamentais do apego e examinar o equilíbrio entre o apego e o comportamento exploratório, sob condições de alto e baixo estresse em crianças. Nestas condições, o comportamento é ativado como conseqüência da separação da figura cuidadora. Este trabalho trouxe importantes contribuições para a teoria do apego, ao demonstrar que o apego resultante da interação bebê - mãe, varia na dependência do tipo de cuidado materno e das características inerentes ao bebê.

As respostas dos bebês observadas neste teste possibilitaram a classificação do apego em quatro padrões:
Seguro - o bebê sinaliza a falta da mãe na separação, saúda ativamente a mãe na reunião, e então volta a brincar;
Inseguro - evitante - o bebê exibe pouco ou nenhuma aflição quando separada da mãe e evita ativamente e ignora a mãe na reunião;
Inseguro - resistente - o bebê sofre muito, tem muita aflição ou angustia pela separação e busca o contato na reunião, mas não pode ser acalmado pela mãe e pode exibir forte resistência;
Inseguro - desorganizado – apresenta comportamento misto, ora como evitante, ora como resistente.

Comportamento parental
A contraparte do comportamento de apego é o comportamento parental.
A teoria do apego propõe o sistema do cuidador como um sistema normativo e provedor de segurança. Cuidar é definido como um ampla ordem de comportamentos complementares ao comportamento de apego e inclui um larga gama de responsabilidades, tais como prover ajuda ou auxílio, conforto e confiança, provendo uma base segura, e encorajando autonomia do bebê (Bowlby, 1990).

O cuidador deve ser capaz de responder de forma flexível a uma ampla margem de necessidades que surgirem, deve ter conhecimento adequado de como prover cuidado apropriado e estar disponível quando necessário. Precisa ter recursos emocionais e materiais: habilidade de empatizar e se colocar no lugar do indivíduo em sofrimento. Finalmente, precisa ser motivado a oferecer cuidado. (Feeney e Collins, 2001)

O papel do cuidador freqüentemente envolve uma boa porção de responsabilidade, assim como uma quantidade substancial de recursos cognitivos, emocionais, e materiais.

Deve, portanto, estar motivado a aceitar a responsabilidade (que freqüentemente envolve algum grau de sacrifício) e dispor de tempo e esforço necessários para prover apoio efetivo. Se o cuidador não estiver suficientemente motivado, pode não desempenhar seu papel adequadamente (Feeney e Collins, 2001).

Não há dúvida que o conjunto formado pelo comportamento materno–filial tenha sido alvo de pressão seletiva nos organismos em geral, constituindo-se desse modo em um sistema comportamental instintivo (Bussab, 1998, p.27).

Para garantir o cuidado parental, o processo evolutivo muniu o filhote com características físicas e comportamentais que eliciam a vinculação e a motivação por cuidar.

No caso do ser humano, o contato visual e tátil com o bebê favorecem a formação do vínculo afetivo e desencadeia o comportamento de cuidar, tão importante para a sobrevivência do bebê.

Na evolução hominídea, em contraste com os demais primatas, ocorreu uma intensificação dos cuidados parentais, com aumento dos já intensos cuidados maternos típicos de primatas e também com introdução de cuidados paternos, raros entre os grandes antropóides... O bebê humano, mesmo a termo, nasce prematuro para o padrão dos primatas... Essa prematuridade tem sido explicada como adaptação ao dilema obstétrico... O andar ereto obrigava um certo fechamento da abertura pélvica, enquanto o crescimento cerebral exigia um aumento da abertura pélvica. O nascimento prematuro parece ter sido uma solução para este problema obstétrico. Por sua vez, o nascimento prematuro aumentou ainda mais a dependência do recém-nascido. Pode-se constatar que durante a evolução humana, cuidados parentais foram intensificados, assim como a vinculação efetiva recíproca, como resultado das pressões seletivas geradas pelo envolvimento crescente de um modo de vida cultural (Bussab, 1998, p.20-21).

De acordo com Bee (1984), pode-se acrescentar que: na presença de um bebê pequeno, a maioria dos adultos automaticamente apresentará um padrão inconfundível de comportamentos interativos, incluindo sorrir, levantar as sobrancelhas e abrir muito os olhos (p.315).

Lorenz (1993) propõe que os traços juvenis desencadeiam o que ele denomina de mecanismos liberadores inatos (MLI) de afeto e cuidado em humanos adultos. Assim os comportamentos associados a provisão de cuidados não se restringiriam aos bebês humanos, mas também a todos aqueles que fossem identificados como necessitando de proteção.

Humanos exibem emoções e padrões comportamentais de cuidado parental diante de várias configurações de estímulo-chave....o fato de sentirmos ternura mesmo por animais adultos, ...também parece ser efeito de um MLI (Lorenz, 1993, p.220).

Assim, característica humana de se vincular, ser sensível e responder a estímulos advindos do bebê pode ser aplicada na compreensão do vínculo com o cão. “Quando vemos uma criatura viva com característica de bebê, somos acometidos por um surto automático de ternura desarmante....respondemos a um conjunto de traços específicos que atuam como liberadores”(Gould, 1989, p. 207-210).

O processo de domesticação e a neotenia acentuaram nos cães características físicas e comportamentais similares as do bebê humano, ou seja, ao longo do processo de evolução, o cão estendeu o processo de formação de vínculo afetivo (apego) e incluiu os seres humanos, evoluindo para apresentar características físicas e comportamentais que eliciassem o comportamento parental (provedor de cuidados) no ser humano, bem como sua adoção em um período determinado que favorece sua vinculação ao mesmo.

BIBILOGRAFIA CONSULTADA
Bowlby J. As origens do apego. In: Uma base segura: aplicações clinicas da teoria do apego. Porto Alegre: Artes Médicas; 1989. p. 33-47.
Bowlby J. Apego. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes; 1990.
Bowlby J. Formação e rompimento de vínculos afetivos. In: Formação e rompimento de laços afetivos. São Paulo: Martins Fontes; 1997. p. 167-208.
Bussab V. O Comportamento Materno. In: Costa, M. P. C., V.U., editor. Comportamento Materno em Mamíferos.Bases teóricas e aplicações aos ruminantes domésticos. Jaboticabal: SBEt; 1998.
Gould S. O polegar do panda: reflexões sobre história natural. São Paulo: Martins Fontes; 1989.
Feeney B. C. e Collins N. L. Predictors of Caregiving in Adult Intimate Relationships: An Attachment Theoretical Perspective. Journal of Personality and Social Psychology 2001; 80(6): 972-994.
Harlow H. F. e Zimmerman R. R. Affectional responses in the infant monkey. Science 1959; 130: 421.
Lorenz K. Os fundamentos da etologia. São Paulo: UNESP; 1993.

Fonte: http://www.pet.vet.br/puc/oapego.pdf

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