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Por Cintia Liana Reis de Silva
O norte ameriano Murray Bowen, pai da psicoterapia
de família e do pensamento sistêmico-relacional, criou uma teoria que explica o processo da progressiva autonomia individual como
consequência do movimento da “separação” da própria família de origem.
Bowen disse
que existe uma força vital, chamada de diferenciação, que é a capacidade
instintiva que impulsiona o ser humano a amadurecer e a tornar-se uma pessoa
emocionalmente independente da família, apesar de que ninguém nunca será capaz
de adquirir uma completa independência emocional em relação a ela. Esse
fenômeno de diferenciação do self pode se iniciar na adolescência, durar por
várias décadas e às vezes não se conclui nunca. Por outro lado, o sentimento de não pertencimento significa uma
pseudo independência. O corte emotivo e o afastamento da família de origem é um problema que precisa ser resolvido, pois traz
grandes conflitos à vida do sujeito.
Bowen criou uma escala de
maturidade e nessa escala ele explica e define os níveis de maturidade, que não
estão relacionados à idade ou a experiência de vida, mas que são passados de
pais para filho, ou seja, quanto maior é o grau de
maturidade dos pais, maior poderá ser o grau de maturidade dos filhos. A diferenciação básica é amplamente determinada por um processo emocional multigeracional. Ele fala de
possibilidades e não generaliza em nenhum momento.
A criança e o adolescente são altamente influenciados pelos pais,
pela forma como vivem, se relacionam, reagem, etc, e ele aprende a viver a
partir desses primeiros modelos, mas não só do exemplo de comportamento, mas
principalmente aprende a usar o mesmo repertório emocional, o sentimento
empregado, os pensamentos, crenças, fantasmas e mecanismos intrapsíquicos.
No nível mais baixo da escala de
diferenciação de Bowen, por exemplo, está quem depende totalmente dos
sentimentos que os outros vivenciam em relação a ele e não se encontra capaz de
diferenciar afeto de intelecto, cresce dependente da massa do Eu familiar com
uma identidade emotiva conglomerada,
ao longo da vida atrai outras relações de dependência das quais possa pegar
emprestada a força de que precisa para funcionar. São pessoas solitárias,
ansiosas, não sabem se relacionar de modo equilibrado e satisfatório com o
mundo, e tem um forte sentimento de inferioridade, não cria relações duradouras
e se sente desconfortável nelas. São pessoas que agem sempre no intuito
de ir contra a opinião dos outros, normalmente são crianças nascidas em
famílias desarmoniosas, com um alto grau de tensão, com pais desatentos e
imaturos. Esses indivíduos quando crescem têm como repertório de valores e
crenças opor-se a crença dos outros, são negativistas e contraditórios.
Mas o que é maturidade? É a capacidade de seguir seus próprios valores e princípios, atingindo os
objetivos que se propõe, é ser responsivo, assumindo total responsabilidade
sobre si e suas próprias ações. É ter um senso bem apurado de justiça, ser ético, humilde, conseguir
ser racional e menos reativo, não ser levado por emoções negativas.
É o que eu, como psicóloga, entendo como felicidade: é esse estado constante de
tranquilidade e segurança, a capacidade de agir com sabedoria diante de todas
as coisas.
Maturidade também se refere ao grau de
autoconhecimento, ou seja, quanto mais alguém se conhece, também conhecerá seus
pontos fracos, suas dificuldades emocionais, suas feridas infantis e no que
precisa melhorar e assim terá uma melhor qualidade na relação com o mundo e com
as pessoas que o cercam; criará bons filhos e com eles terá uma relação muito nutritiva; se sentirá confortável em qualquer lugar e em qualquer companhia, pois
conhece seus limites, desenvolveu uma boa auto estima e um bom senso de valor
de si mesmo. Não precisa de bebidas ou drogas para se sentir seguro. Quem é
diferenciado procura enxergar seus modelos familiares
intergeracionais adoecidos e
emaranhados, aquilo que ele quer levar e o que ele quer abandonar em
relação a sua própria família, e entende que pode fazer melhor do que os seus
pais fizeram, melhorado as futuras gerações.
Idade não define mesmo maturidade. Podemos, por exemplo, observar uma pessoa de 35 anos com um alto grau de autoconhecimento,
que consegue aceitar e respeitar os outros e com uma vida conjugal feliz,
formando um casal coeso, como podemos também encontrar uma pessoa de 65 anos
dependente dos pais ou de sua imagem, reativa, com um grande sentimento de
inferioridade, que não consegue aceitar os outros, que expressa um
comportamento negativo e rebelde e que não sabe se relacionar com nenhum
parceiro. Eles repetem com o mundo a relação que têm com eles mesmos. Quanto
mais nos conhecemos, nos respeitamos e nos aceitamos, mais conseguiremos
conhecer, respeitar e aceitar os outros. O mundo é um espelho de nós mesmos,
ele é conosco do mesmo modo que somos com ele.
Se desenvolver e
melhorar aspectos do caráter, personalidade e temperamento, é um processo contínuo, caso seja positivo o desejo de continuar crescendo. As experiências podem ajudar nesse processo de
crescimento, mas cada um passa pelas situações e as usa a seu modo. O olhar de
cada observador deforma a realidade, ninguém vivencia os mesmos fatos da mesma
forma, pois os seres humanos têm referenciais diversos.
Conhecer bem a história da própria família e de seus antepassados abre estradas e recursos internos inovadores, se abre uma nova consciência existencial de pertencimento e ao mesmo tempo de independência. Fazer terapia com a perspectiva familiar é um ótimo modo para se conhecer a
fundo partindo da família, para mudar paradigmas e melhorar a vida, mas além do autoconhecimento, o
estudo, o conhecimento geral também pode ser algo que amplie o Universo de uma
pessoa, ou seja, quanto mais existir a busca do conhecimento, nas áreas humanas
em especial, mais o seu repertório se amplia e assim a sua vida emocional se
enriquece, deste modo se pode melhorar a relação consigo mesmo e viver
emocionalmente de modo muito mais confortável no mundo.
Cintia Liana Reis de Silva é psicóloga e psicoterapeuta, especialista em psicologia conjugal e familiar.
Um comentário:
Prezada Cíntia, muito enriquecedor seu artigo. Sou professora e trabalho como voluntária em uma instituição que oferece educação não formal para crianças e jovens. Sem dúvida, seu texto nos ajudará muito.
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