"Uma criança é como o cristal e como a cera. Qualquer choque, por mais brando, a abala e comove, e a faz vibrar de molécula em molécula, de átomo em átomo; e qualquer impressão, boa ou má, nela se grava de modo profundo e indelével." (Olavo Bilac)

"Un bambino è come il cristallo e come la cera. Qualsiasi shock, per quanto morbido sia
lo scuote e lo smuove, vibra di molecola in molecola, di atomo in atomo, e qualsiasi impressione,
buona o cattiva, si registra in lui in modo profondo e indelebile." (Olavo Bilac, giornalista e poeta brasiliano)

segunda-feira, 29 de março de 2010

Acolhimento Familiar, Construção do Apego e Trauma

Foto: Disponível no Facebook


Sábado, 27 de março de 2010, fui a Jornada do Instituto Junguiano da Bahia (IJBA) e pude aproveitar muito do que foi dito lá. Então trarei para vocês nos próximos posts algumas questões importantes faladas sobre apego, o que considero um assunto fundamental na área da adoção.

A primeira palestra foi ótima!
Dra. Catalina Pérez Lopes da Iniversidade de Málaga – Espanha
“Violência e desenvolvimento social: da teoria do apego a transformação de uma sociedade em crise”.

Dra. Catalina falou sobre a teoria do Apego e seus principais teóricos e em como um apego mal resolvido pode levar a ira, a violência.
Há muito o que se ver e estudar neste campo.

Trarei para vocês de um modo detalhado os pontos principais da palestra, para isso fiz outras pesquisas na internet. Vejamos:
Foto: Google Imagens

Perspectivas Teóricas de Vinculação Afetiva em Situações de Acolhimento

A fundamentação teórica, na qual o ECA (1990) e os programas de acolhimento familiar já implantados no Brasil baseiam-se para valorizar a família como contexto primordial de desenvolvimento da criança, articula-se a algumas teorias dentro da Psicologia, especialmente a Psicologia do Desenvolvimento. A própria inclusão do direito à convivência familiar e comunitária nas normativas internacionais e nacionais foi subsidiada por teorias que ressaltavam a importância dos vínculos afetivos com as figuras parentais para o desenvolvimento saudável da criança, como também os efeitos nocivos ao desenvolvimento causado pelo processo de institucionalização.

Dessa forma, segundo Vicente (1998), o vínculo afetivo passou a ser valorizado nesses documentos e adquiriu uma dimensão política, visto que seu desenvolvimento e manutenção, quando não ocorre na família de origem, necessita de proteção do Estado, no sentido de assegurar essa possibilidade às crianças e adolescentes. Assim, o direito à convivência familiar passa a fazer parte de um conjunto de elementos das políticas públicas e fundamenta ações de colocação em famílias substitutas (sob guarda, tutela ou adoção) ou acolhedoras. Tais questões nos levam a refletir sobre os aportes teóricos, especialmente da Psicologia, em que se baseiam as práticas e políticas de acolhimento e assistência às crianças e adolescentes sob violação de direitos.

Das teorias que discutem a importância do estabelecimento de vínculos afetivos entre a criança e figuras parentais, destaca-se a Teoria do Apego, desenvolvida por Bowlby (1969/1990, 1952/1995, 1979/1997) e Ainsworth, Blehar, Waters e Wall (1978). Segundo ela, o ser humano é portador de uma história filogenética que lhe garante um aparato biológico, que o auxilia no estabelecimento e manutenção de vínculos afetivos com o outro, principalmente com a mãe (biológica ou substituta), sendo a constância dessa primeira vinculação afetiva crucial ao seu desenvolvimento psicossocial saudável. Nessa teoria, verificam-se concepções sobre a importância da constância de uma pessoa (geralmente associada à figura materna) no cuidado dispensado ao bebê e sobre a determinação de um período sensível para o desenvolvimento do apego, que seria dos seis primeiros meses de vida aos três anos de idade. Assim, os autores tratam da primazia da relação de apego mãe-criança, apontando para conseqüências disfuncionais sobre o desenvolvimento social, psicológico e emocional da criança, caso a relação não se estabeleça, seja interrompida ou se mantenha de modo inadequado (Rossetti-Ferreira, 1986, 2006).

Bowlby é bastante citado na escassa literatura nacional sobre acolhimento familiar. A sua visão de que a institucionalização, o rompimento de vínculos e a privação materna deixariam marcas profundas e prejudiciais na criança é freqüentemente usada na argumentação para criação de programas de acolhimento familiar como alternativa ao acolhimento em instituições:

O fracasso no desenvolvimento da personalidade nas crianças que sofreram privação é, talvez, melhor compreendido quando se considera que é a mãe que, nos primeiros anos de vida da criança, funciona como sua personalidade e consciência. A criança em instituição nunca teve estas experiências, dessa forma, não pode nunca completar a primeira fase do desenvolvimento - estabelecer uma relação com uma figura materna claramente definida. Tudo que teve foi uma sucessão de agentes paliativos, cada um auxiliando-a de uma forma limitada, mas nenhum deles proporcionando-lhe a continuidade no tempo, que faz parte da essência da personalidade. É bem possível que essas crianças, gravemente privadas por nunca terem sido objeto de um cuidado por parte de um mesmo ser humano, nunca tenham tido a oportunidade de aprender os processos de abstração e de organização do comportamento no tempo e no espaço. Certamente, suas graves deformações psíquicas são exemplos claros do princípio de que os danos infligidos muito cedo produzem perturbações generalizadas no crescimento (Bowlby, 1952/1995, p. 61).

Nesse trecho é evidente a argumentação de que a privação materna favoreceria a origem de uma psicopatologia, o que, para o autor, estaria associada à vivência institucional. Bowlby (1979/1997) considerava que muitos distúrbios psiconeuróticos e da personalidade eram reflexos de distúrbios na capacidade de estabelecimento de vínculos afetivos, originados numa "falha" de desenvolvimento na infância ou em transtornos posteriores. Em seus escritos cita várias pesquisas realizadas na década de 60 que tinham esse enfoque e que traduziam uma concepção quase hegemônica na ciência psiquiátrica e psicológica de associarem a psicopatia, sociopatia, depressão e a delinqüência com a privação materna, paterna ou orfandade. Rutter (1972) teceu críticas bem fundamentadas sobre esses estudos, que observavam comportamentos de pacientes psiquiátricos ou crianças institucionalizadas, apontando que as patologias presentes derivavam mais das péssimas condições institucionais a que eles foram submetidos do que propriamente à privação materna.

Outro aspecto a se considerar é que tal concepção sobre o desenvolvimento humano coloca o contexto familiar como o locus privilegiado para o estabelecimento das relações de apego, contexto em que a criança teria um cuidador individualizado. Também apresenta uma tendência à patologização de contextos coletivos de desenvolvimento da criança (como os abrigos), especialmente para a criança pequena. Nesse caso, pouco valor é dado para o estabelecimento de vínculos afetivos com outros cuidadores que não a mãe ou substituta, ou mesmo, com coetâneos. Essa visão de estabelecimento de apego centra-se na análise de relações diádicas, pouco considerando o dinamismo das relações familiares, os outros interatores, as significações e práticas presentes nesse contexto, que são marcados pela cultura em que se inserem (Rossetti-Ferreira, 2006).
A supremacia dos laços consangüíneos para o cuidado de crianças é, sem dúvida, uma ideologia dominante em nossa sociedade. Em parte, é dessa idéia que emana a concepção hegemônica encontrada em diversas tendências teóricas da predestinação à psicopatologia das crianças separadas da família biológica. Seus históricos de vida, às vezes marcados por aquilo que a literatura clássica de desenvolvimento humano considera estressores sociais de diversas ordens, aos quais se somam vivências institucionais, são vistos a partir de uma conotação negativa, idéia predominante que se espraia em diferentes âmbitos da vida social, permeando tanto os discursos do senso comum como os do meio científico (Rossetti-Ferreira, 2006).

Dessa forma, a ameaça ou existência de rupturas afetivas anteriores parece criar enredamentos ou tramas que as pessoas em interação reeditam nas suas práticas dialógicas e discursivas, co-construindo no momento atual, os problemas ou uma visão de desenvolvimento inadequado para essas crianças. Rossetti-Ferreira (2007) argumenta que a Teoria do Apego constitui um exemplo da relevância das ciências do desenvolvimento humano para a definição das políticas e práticas sociais de educação e proteção de crianças e jovens, sobretudo daqueles que vivem situações de vulnerabilidade social. Isso porque as redes de significações que permeiam as políticas e práticas de acolhimento de crianças e adolescentes historicamente esbarram em certas idéias predominantes sobre apego, desenvolvimento normal/anormal, fatores de risco/fatores protetores e sobre a concepção de que a instituição familiar, particularmente a do tipo nuclear, é a única e a ideal, aquela que melhor oferece um ambiente pleno ao desenvolvimento de uma criança. Assim, as visões teórico-metodológicas da área contribuem para construir realidades sociais que podem influir, modificar e restringir o desenvolvimento e a qualidade de vida das pessoas, muitas vezes inserindo-as em um movimento de exclusão.

Cabral (2004), ao defender a criação dos programas de acolhimento familiar, retoma a questão da construção de vínculos afetivos como um dos seus argumentos centrais. Afirma que o acolhimento em famílias garante o direito a uma convivência familiar com dignidade e a possibilidade de construção de laços afetivos. Entretanto, temos nos perguntado como seria essa "propagandeada" construção de vínculos dentro de um programa de acolhimento familiar, visto ser esperado que eles sejam estabelecidos, porém com um caráter de provisoriedade, pois todos os envolvidos devem saber que haverá o momento de nova separação, quando o acolhido retornará à sua família de origem ou será colocado em adoção. Como os programas estão concebendo a possibilidade da criança ou adolescente vincular-se a uma ou mais famílias de acolhimento e depois retornar para a família de origem? E, ainda, como manter o vínculo com a família de origem?

Essas são questões complexas, que instigam a condução de pesquisas, entretanto, consideramos necessário que seja assumido outro paradigma para compreensão da construção de vínculos afetivos, dentro de uma perspectiva contextual e sistêmica que possa abordar a complexidade do assunto. É interessante considerar as idéias de Lewis (1999), quando ele argumenta que a múltipla determinação, acasos, os encontros acidentais e a interação desses, são problemas inerentes ao desenvolvimento humano e que dificultam a previsão do curso da vida humana. O autor critica idéias das teorias do desenvolvimento, que ele chama de "idéias fixas", as quais são inquestionavelmente aceitas, como: a perspectiva de continuidade e evolução no desenvolvimento, a causalidade no passado e a idéia de que o passado atua sobre o presente e o futuro. Tudo isso compõe o que ele chama de um modelo organicista de desenvolvimento, que sempre considera a criança no processo de vira-ser, no que ela se tornará no futuro, e, sobre o qual, a maioria das políticas públicas de atenção à infância e juventude se baseia. Para o autor, é necessário intervir quando se presencia sofrimento e injustiça, mas fazer isso buscando alcançar um efeito no futuro "pode ser uma bobagem, porque nós e as forças sobre as quais não temos controle - alteramos nossos destinos todos os dias, de forma imprevisível" (Lewis, 1999, p. 31).

Lewis (1999) propõe um modelo contextual de desenvolvimento que considere a natureza do ambiente onde a criança cresce, o "comportamento-em-contexto," a rede social em que se insere, inclusive para se falar em desenvolvimento afetivo. Argumenta que as políticas sociais devem considerar o momento presente da família, o momento do acolhimento, e que a idéia do curar deve dar lugar à idéia do cuidar, numa alusão às teorias organicistas que estão sempre amarradas ao passado, preocupadas com o futuro e com a cura.

Em consonância com essas idéias, consideramos que para se compreender o desenvolvimento afetivo e o apego é necessário desfocar das relações diádicas e buscar apreender a rede de relações (e significações) em que a criança está imersa, a partir de uma perspectiva processual, relacional, situada e discursiva. Entendemos que o apego é construído nas e através das interações e relações recíprocas, que ocorrem em contextos específicos. Tais contextos envolvem discursos vivenciados e situados, os quais colocam os parceiros em certas posições. Esse processo favorece a construção de certos sentidos e um repertório de papéis possíveis, circunscrevendo (estabelecendo limites e possibilidades para) assim o fluxo de comportamentos e o desenvolvimento dos sujeitos (Rossetti-Ferreira, 2007).

Gailey (2000), ao abordar a realidade social norte-americana, discute que a adoção e o acolhimento familiar constituem um desafio à noção de que a maternidade, a paternidade e a possibilidade de vinculação afetiva das crianças estão associadas a conexões genéticas ou de nascimento. Segundo a autora, eles fornecem uma lente através da qual podem ser vistos os vínculos de afetividade e parentesco sendo construídos.

Tal discussão nos leva a considerar que a compreensão de como as equipes dos programas de acolhimento familiar estão significando o processo de vinculação afetiva daqueles envolvidos no acolhimento (acolhidos, família acolhedora e família de origem) é de grande importância para o desenvolvimento dos projetos, conforme afirma o Plano Nacional.

A decisão sobre a separação é de grande responsabilidade e deve estar baseada em uma recomendação técnica, a partir de um estudo diagnóstico, caso a caso, realizado por equipe interdisciplinar, com a devida fundamentação teórica - desenvolvimento infantil, etapas do ciclo de vida individual e familiar, teoria dos vínculos e estratégias de sobrevivência de famílias em situação de extrema vulnerabilidade. A realização deste estudo diagnóstico deve ser realizada em estreita articulação com a Justiça da Infância e da Juventude e o Ministério Público, de forma a subsidiar tal decisão (MDS & SEDH, 2006, p. 71, grifos nossos).


Para ler todo o artigo científico:
Acolhimento familiar: uma alternativa de proteção para crianças e adolescentes
Nina Rosa do Amaral Costa; Maria Clotilde Rossetti-Ferreira
Universidade de São Paulo


Na oportunidade, indico este outro artigo científico:
"A queixa materna"
Michèle Benhaim*I; Inesita Machado (Trad.)
Universidade da Provence em Aix-Marselha I

RESUMO
A partir dos conceitos de onipotência e de ambivalência maternas em mães de crianças doentes, a autora pergunta-se sobre aquilo de que se queixam as mães, ilustrando as questões de perda, de castração, de desilusão e de constituição do objeto por meio de um caso clínico de psicose.
Palavras chave: Ambivalência materna, Psicose, Onipotência materna.
Para ler todo o artigo:
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Trauma, Corpo e Psiquismo - Ciclo de Palestras (1/5)




Pais, não esqueçam que vocês podem lançar mão de tratamentos psicológicos para teus filhos, além de dar-lhes todo o amor e proteção que puderem. Não exitem em procurar ajuda, façam isso por amor.
Há formas de intervenção psicoterapêuticas excelentes para a superação de traumas emocionais, como "Somatic Experiense" (2ª palestra que participei na Jornada do IJBA), Bioenergética e Biossíntese.
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Definição de trauma para Peter Levine, criador da "Somatic Experiense":
É a desorientação do sistema nevoso causado por algum tipo de experiência forte.
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Siegel disse:
"A relação mais forte de nossa vidas é uma que já tivemos e não podemos recordar."
Por Cintia Liana

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