Um excelente artigo para se entender porque, entre outros fatores, a fila de adoção ainda é muito longa e lenta.
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Servidora da VIJ-DF fala sobre a espera pela adoção
Por NG/SECOM/VIJ-DF — publicado em 03/03/2016 14:3
Karina Machado Rocha Gurgel, servidora da Seção de Colocação em Família Substituta da VIJ-DF e mestre em Psicologia, desconstrói o mito de que a demora em concretizar a adoção está relacionada com a morosidade da Justiça e as burocracias do processo no artigo “A realidade sobre a espera pela adoção: a diferença entre o perfil desejado pelos pais adotantes e as crianças disponíveis para serem adotadas”.
Com base em dados coletados do Cadastro de Adoção do Distrito Federal, Karina demonstra que o perfil pleiteado pelos requerentes é inversamente proporcional ao perfil das crianças cadastradas para adoção, uma vez que mais de 90% das famílias preferem crianças de 0 a 3 anos, que correspondem a pouco mais de 8% das cadastradas. Destaca, ainda, que, em âmbito nacional, a situação é semelhante, de acordo com pesquisa do Conselho Nacional de Justiça.
A psicóloga ressalta o trabalho realizado pela equipe psicossocial da Vara da Infância e da Juventude do DF para sensibilizar os casais que participam dos grupos de Preparação para Habilitação a acolher grupos de irmãos e crianças maiores ou adolescentes, uma vez que os pretendentes restringem esse perfil.
“A cultura de adoção ainda tem de ser transformada. As pessoas precisam começar a pensar com mais amplitude para que os preconceitos sejam em menor número e intensidade, bem como refletirem sobre seus reais desejos, projetos e sobre a realidade”, pontua Karina.
Leia abaixo o artigo na íntegra. Esse e outros textos da área infantojuvenil estão disponíveis no link Textos e Artigos da página Infância e Juventude do site do TJDFT.
Fonte: http://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2016/marco/servidora-da-vij-df-fala-sobre-a-espera-pela-adocao
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A realidade sobre a espera pela adoção: a diferença entre o perfil desejado pelos pais
adotantes e o perfil das crianças disponíveis para serem adotadas
* Karina Machado Rocha Gurgel
Mestre em Psicologia Clínica e
Servidora da Seção de Colocação
em Família Substituta da VIJ-DF
O tema adoção no Brasil é cercado de mitos, os quais não correspondem à
realidade. Um deles trata sobre a afirmativa da grande quantidade de crianças aptas à adoção
em relação a muitos casais que aguardam um filho e, assim, justificam a demora em adotar à
morosidade da Justiça e às burocracias do processo.
O que as pessoas não sabem e se espantam é que há uma discrepância entre o
perfil pretendido pelos requerentes e a realidade do Cadastro do Distrito Federal. Muitos se
enganam quando afirmam que existe um grande número de crianças em instituição de
acolhimento com condições de serem adotadas. A maioria está aguardando reinserção na
família de origem.
A realidade do Cadastro do DF é parecida com a do nacional. Conforme
preceitua o Conselho Nacional de Justiça – CNJ (2012, p. 27), “nacionalmente, verifica-se que
o perfil das crianças e adolescentes cadastrados no Cadastro Nacional de Adoção – CNA é
destoante quando comparado ao perfil das crianças pretendidas, fato que reveste a questão como
de grande complexidade”.
Dados recentes, coletados do Cadastro do DF em 25/2/2016, afirmam que existe
um total de 532 famílias habilitadas para adoção, enquanto que crianças e adolescentes
perfazem o somatório de 91, o que resulta em 5,8 famílias para cada criança/adolescente
cadastrado. Observa-se, assim, que existe um contingente significativamente maior de pessoas
interessadas em adotar em relação a crianças e adolescentes aptos à adoção.
Desse universo de 532 famílias, 515 famílias desejam crianças de 0 até 3 anos
de idade, correspondente a 96,8% do total do cadastro; 242 famílias pleiteiam filhos entre 4 e 7
anos de idade, correspondente a 45% do total; 18 famílias querem crianças entre 8 e 10 anos,
correspondente a 3% do total; apenas 3 famílias aceitam pré-adolescentes entre 11 e 12 anos,
correspondente a 0,57% do total; e nenhuma família acolheria a faixa etária de 13 a 18 anos.
A realidade numérica das crianças e adolescentes cadastrados para adoção é de
apenas 91, sendo estes configurados da seguinte forma: 8 crianças entre 0 e 3 anos de idade, o que corresponde a 8,79% do total; 8 crianças entre 4 e 7 anos, o que corresponde a 8,79% do
total; 5 crianças de 8 a 10 anos, o que corresponde a 5,49% do total, 12 crianças de 11 a 12
anos, correspondente a 13,18% da amostra; e 58 adolescentes de 13 a 18 anos, correspondente
a 63,73% do total.
ANEXO 1: (Gráfico referente ao perfil da criança pretendida no DF)
ANEXO 2: (Gráfico referente ao perfil das crianças e adolescentes cadastrados
para adoção no DF)
A realidade denota que o perfil pleiteado pelos requerentes é inversamente
proporcional ao perfil constante do Cadastro do DF. O gráfico a seguir, retirado de
pesquisa do CNJ, é sobre a discrepância dos perfis em âmbito nacional.
ANEXO 3: (Gráfico referente ao perfil da criança pretendida e ao das crianças e
adolescentes cadastrados para adoção em âmbito nacional)
Fonte: Conselho Nacional de Justiça (Elaboração: Departamento de Pesquisas Judiciárias)
Para cada criança cadastrada para adoção há quase 6 famílias dispostas a acolhê-
la. Se for contabilizado apenas dentro do perfil desejado de até 12 anos, esse número aumenta
para 16 famílias por criança. Porém, a diferença entre o perfil idealizado e o mundo real é o
grande obstáculo à redução da enorme fila de espera. Importante destacar que entre as crianças
disponíveis de 0 a 10 anos estão aquelas em estágio de convivência e as que fazem parte de
grupos de irmãos aguardando famílias.
Outro elemento que costuma ser sério entrave à saída de crianças e adolescentes
das instituições de acolhimento é a baixa disposição dos pretendentes para acolher grupos de
irmãos, principalmente os acima de dois. Entre as crianças aptas à adoção, 47%, ou seja, 43
crianças fazem parte de grupos de irmãos e a prioridade é de que elas não sejam separadas, o que diminui as chances de encontrarem família. Além disso, as condições de saúde vêm a ser
outra barreira, muitas vezes difícil de ser vencida.
As explicações para o desinteresse dos brasileiros em acolher crianças maiores
ou adolescentes estão na motivação de uma família a pleitear uma adoção. Segundo Maux e
Dutra (2010, p. 3):
Em uma pesquisa realizada por Weber (2006) envolvendo famílias de vários
estados do país, 50% dos entrevistados trouxeram como motivação para a
adoção o fato de não terem os próprios filhos (incluindo-se aí aqueles que
desejavam escolher o sexo da criança ou problemas de infertilidade para gerar
o segundo filho). Para aqueles que não possuíam filhos biológicos, a
infertilidade foi apresentada como motivação por mais de 80% dos
respondentes.
Outro fator a ser considerado é o tempo de acolhimento institucional da criança
e o preconceito com relação às crianças maiores, pois os pais adotantes acreditam que não
podem moldar o comportamento delas, uma vez que elas têm um passado, uma história e, assim,
mais consciência dos traumas vivenciados, além de personalidade mais definida. Em
contrapartida, a maioria das nossas relações é com pessoas de criações diferentes e, dessa forma,
crescemos e aprendemos com elas. Os candidatos a pais alegam também que evitam a adoção
tardia pela adaptação à família poder ser mais difícil e trabalhosa.
Os grupos de Preparação para Habilitação orientados pela Vara da Infância e da
Juventude do DF tentam sensibilizar os requerentes para adoções tardias e de grupos de irmãos,
embora sempre respeitem o desejo e as condições deles, a fim de que não ocorram as
indesejadas devoluções. Muitas pessoas, porém, podem até ter o sonho de adotar mais de uma
criança, mas enfrentam obstáculos que vão muito além das próprias capacidades de superá-los.
Por exemplo, os encargos financeiros referentes à criação de um filho.
As sensibilizações pela adoção tardia e por grupo de irmãos têm feito crianças
mais velhas e seus irmãos serem adotados com menos dificuldades. A cultura de adoção ainda
tem de ser transformada. As pessoas precisam começar a pensar com mais amplitude para que
os preconceitos sejam em menor número e intensidade, bem como refletirem sobre seus reais
desejos, projetos e sobre a realidade.
O fato de os pretendentes definirem um perfil clássico à adoção, que é de acolher
um bebê, gera um tempo considerável de espera para que a adoção aconteça. A reflexão que os
futuros pais precisam ter na hora de escolherem o perfil, no tocante à idade, precisa ser cautelosa, pois eles têm de analisar duas variáveis importantes para eles: de um lado, o desejo
deles de acolher um bebê; de outro, o tempo de espera para ter seu filho.
O perfil não deve ser definido exclusivamente em função do tempo de espera. É
preciso que a família encontre um equilíbrio entre o perfil desejado – com a possível ampliação
para a adoção tardia, de grupos de irmãos e de crianças com necessidades específicas de saúde
ou deficiências – e os recursos emocionais ou financeiros que possui, a fim de garantir o
verdadeiro acolhimento dessa criança ou adolescente como filho.
Despertar os casais, imbuídos de desejos, para a realidade do Cadastro de
Adoção e adequar os perfis às possibilidades é algo delicado, mas bastante trabalhado pela
equipe psicossocial da adoção da Vara da Infância e da Juventude do DF nos grupos de
Preparação para Habilitação dos casais pretendentes à adoção, muito embora ainda se torne
necessário fomentar políticas públicas em prol da adoção tardia, inter-racial e intergrupal.
REFERÊNCIAS:
ENCONTROS E DESENCONTROS DA ADOÇÃO NO BRASIL: uma análise do Cadastro Nacional de Adoção
do Conselho Nacional de Justiça. Disponível em:
Acesso em 23 fev. 2016.
Maux, A. A. B e Dutra, E. A adoção no Brasil: algumas reflexões. Disponível em:
Acesso em 26 fev. 2016.
Fonte: http://www.tjdft.jus.br/cidadaos/infancia-e-juventude/textos-e-artigos/a-realidade-sobre-a-espera-pela-adocao-a-diferenca-entre-o-perfil-desejado-pelos-pais-adotantes-e-as-criancas-disponiveis-para-serem-adotadas
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