07/08/2012 | 08:16
Margarida Telles
Atualidades, família | Adoção, história, preconceito
Ao ler o texto de Germana Costa Moura, publicado aqui no Mulher 7×7 na semana passada, me emocionei. E a emoção veio por causa da identificação que senti. Sou uma “filha adotiva”, termo que odeio tanto.
Quando perguntavam para a minha mãe na minha frente se eu era a sua filha adotiva, ela rebatia “é minha filha querida”. E depois me explicava que o “querida” vem do “querer”. Ela quis tanto ser mãe daquele bebezinho prematuro que precisou convencer um monte de gente e superar uma montanha de burocracias.
De onde veio esse querer, ela nunca soube verbalizar. Minha mãe biológica era prima do meu pai adotivo. Quando ela estava lá pelos seus cinco meses de gravidez, descobriu que tinha câncer. Era um tumor no cérebro, já em fase avançada, e logo ela perdeu a consciência. Minha mãe adotiva foi ao hospital fazer uma visita e PAM, sentiu que aquele bebê dentro da barriga da prima doente era dela.
Muita gente chamou a minha mãe de louca. Ela já tinha seus 51 anos, três filhas criadas, havia chegado finalmente naquela fase de voltar a curtir o marido em paz, sair à noite para ouvir jazz, viajar quando desse na telha. Mas estava ali, disposta a começar tudo novamente, trocar fraldas, não dormir, passar vinte anos em função de uma criança. Pra completar, ninguém sabia em quais condições eu nasceria, se teria algum tipo de sequela por conta dos remédios administrados durante a gravidez. Mas minha mãe é teimosa. Decidiu, e convenceu todo mundo.
Eu nasci prematura, mas saudável. Minha mãe biológica morreu poucos dias depois. Mas a vida tira e depois dá (brega, porém verdadeiro). Ganhei uma família enorme. Minha irmã mais velha morava na Europa e veio de surpresa me conhecer. Minha mãe perguntou pra ela se acreditava que eu teria no futuro muitos complexos por ser adotada. Com o humor de sempre, minha irmã respondeu que todo adolescente é problemático, eu pelo menos não precisaria inventar os tais “problemas”.
Sempre soube que fui adotada, até mesmo porque convivo com minha família biológica. No começo, minha mãe não sabia se eu deveria chamá-la dessa forma. Afinal, ela conheceu minha mãe biológica, não sabia se estaria de algum modo roubando a cena. Mas a decisão foi minha. Antes mesmo de fazer um ano, me segurei na grade do berço, olhei pra ela e disse minha primeira palavra: mamãe. Pronto, foi decretado. Eu a escolhi como mãe, embora carregue sempre um grande carinho pela mulher que lutou contra o câncer para me dar tempo de nascer saudável, aos sete meses.
Quando criança, o fato em si de ser adotada não me chateava. Como minhas irmãs eram adultas, nunca teve nenhum tipo de provocação. Teve é proteção, assim como tem até hoje. Se eu perguntava por que não nasci da barriga de minha mãe, ela respondia que já tinha carregado no ventre três filhas, a barriga estava cansada e pediu outra emprestada. Simples. Na escola, me lembro de ter preguiça de explicar toooooda a história para os amiguinhos, então contava só as partes que queria. Algumas vezes até desenhava para facilitar. E nunca ouvi ninguém me chamar de “adotada” – só de “magrela” e “girafa”, é a vida.
O que me deixava pra baixo era justamente o modo como a adoção era explorada na mídia. Em toda novela mexicana, até mesmo nos programas infantis, tinha uma ÓRFÃ. A criança mal tratada, abandonada, infeliz. Se a trama fosse feliz, no final o órfão encontrava seus pais “verdadeiros”. Acho que isso em parte criava (e ainda cria) aquele mito do adotado. O irmão mais velho que tenta convencer o mais novo que não é filho “verdadeiro”. Uma vez chorei porque era órfã em termos biológicos, e minha mãe disse “e daí, eu também sou, seus avós já morreram”. Entendi então que a maior parte das pessoas provavelmente vai perder seus pais, se a vida seguir seu rumo natural. Eu tive a sorte de ganhar pais novinhos em folha, olha só!
Acho importante abordar o tema da adoção na mídia. Os entraves burocráticos para quem deseja adotar, as condições em que as crianças sob a tutela do estado vivem, a licença maternidade e paternidade igual para qualquer pai que tem a sorte de ganhar um filho. Mas acho fundamental o cuidado com os termos preconceituosos, muitas vezes tidos como algo corriqueiro para quem não pensou no assunto a fundo. Não é preciosismo, discussão semiótica ou linguística. É respeito por pais e seus filhos, todos eles de verdade, com amor real, problemas rotineiros e sentimentos verdadeiros. Não importa de qual barriga vieram.
Margarida Telles é repórter de ÉPOCA em São Paulo.
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2 comentários:
Cintia! Que história linda!
Mas ufa, algumas novelas tem solução... A Rosário, uma das protagonistas da Cheias de Charme, foi adotada pelo Sidney quando tinha 10 anos... e é feliz, sem "rótulo" nenhum!
=D
É como dizem a tempos: o filho adotado é aquele que não cresce na barriga, mas sim no coração.
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