Mateus Solano no personagem Félix da novela Amor à vida
Por Cintia Liana Reis de Silva
Publicado no Portal Indika bem em 28 de novembro de 2013
Existem muitos conceitos confusos quando se trata de discutir sentimentos e a ética do mundo novelesco, a mesma coisa serve para a relação entre pais e filhos e quando esses dois mundos se cruzam vira polêmica. Quando o personagem é cruel, dizem que ele não tem caráter ou que é um psicopata, reafirmando teorias do senso comum pela necessidade de criar rótulos, agrupar e simplificar para ficar mais fácil o entendimento popular, mas isso só nos faz girar em círculos sem sair do ciclo vicioso que poderia levar a sociedade em busca da transformação de alguns velhos valores e crenças ingênuas.
Só para entender: não existe gente sem caráter, existe gente sem ética. Também se inventou os termos “bom caráter” e “mal caráter” para qualificar de modo simples a conduta de alguém, mas caráter é outra coisa. Já o comportamento ético é o seguimento de códigos de valores absorvidos e compreendidos ao longo da vida, o que pode ser prioridade para uns, mas para outros não, infelizmente. Essa orientação deve ser dada em casa, é obrigação dos pais ensinar aos filhos a serem sujeitos e cidadãos éticos e não a escola, que fará só o trabalho de reafirmar e auxiliar didaticamente nessa absorção de valores. Quando se ensina em casa, num ambiente íntimo, de escuta, compreensão e afeto, se apreende com mais facilidade a ser ético.
Caráter todos nós temos, são as características mais marcantes da personalidade. Personalidade já é outro conceito bem complexo, não existindo personalidade fraca ou forte e sim características de uma pessoa que a faz mais ou menos segura que do pensa, acredita ou sente naquele momento; mais rígida ou menos rígida e autoritária. Mas as pessoas podem mudar, o indivíduo está em constante mutação, principalmente quando está atento ao seu processo de evolução pessoal.
Agora trataremos do rótulo monstro. Todos nós podemos nos assustar com um ato de crueldade e chamar alguém de monstro, mas sabemos que ele é mais um ser humano que alimenta a maldade, dá vazão à sua parte sombra. Todo ser humano tem uma parte luz e uma parte sombra, e todos devem conhecer essa sombra para transformá-la aos poucos em luz. Todo ser humano é capaz de desejar o mal de alguém, de sentir raiva, mas nem sempre é capaz de cometer o mal, porque se é ético.
Carl Gustav Jung, pai da psicologia analítica, explicou que essa parte sombra, que todo ser humano tem, é tão feia que ela pode passar a vida inteira sem enxergá-la, mas isso não impede de uma pontinha dela vir à tona uma vez ou outra.
Então quando chamamos alguém de monstro nos desviamos da chance de entender que o ser humano pode ser mal e de vê-lo com suas partes obscuras, odiosas, envaidecidas, arrogantes, feridas, sofridas, cheias de dúvidas, dilemas e perdemos a chance de abrir possibilidades de questionamento de tantas certezas ingênuas e admitir que o mal vem do ser humano, como explica bem o Pathwork, uma corrente de pensamento da psicologia, o qual usa muitos ensinamentos da teoria Junguiana.
Se coloca os monstros em outro patamar para se diferenciar deles, pelo medo de se envolver e se igualar, porque dói ver tanta maldade no ser humanos, mas temos que encarar para transformar. Se deve ir a fundo e se perguntar aos pais: e quem cria e educa esse ser humano? Aonde você está quando esse ser humano se torna um monstro sem que você se dê conta? Dói porque ver a monstruosidade do filho remete a ter que entrar nas próprias feridas e nos próprios erros, na história familiar, nos segredos, nas convicções desmedidas e infantis, na vontade de ver no filho o que se quer e não o que ele está se tornando por conta da sombra dos próprio pais, na maioria das vezes. É por isso que sempre pergunto, quem se prepara para ter e educar filhos? É preciso encarar a verdade antes de levar adiante novas mentiras.
Tudo bem que é ficção, mas novela acaba servindo muito como exemplo, ela entra completamente na casa das pessoas, então não preciso nem falar aqui no que os pais do personagem Felix erraram ou falharam. Uma família cheia de segredos, uma mãe infantil, preconceituosa, que privilegia um dos filhos, que não quis enxergá-lo com suas sombra de dores trazidas da infância, um pai com uma sombra enorme e bem visível, que nunca o aceitou e o amou, e isso não justifica os crimes e maldades que ele cometeu, que fique bem claro que não defendo ninguém, se trata de clarificar para transformar a visão e criar o entendimento verdadeiro e não somente jogar culpas, como é a tendência.
Poderia aqui destrinchar todos os conceitos científicos de psicologia sistêmica familiar e mostrar como Felix se transformou nesse dito “monstro”, mas o texto ficaria mais longo ainda.
Nada justifica a maldade cometida por um adulto, mas vamos procurar explicações para melhorar o futuro ou vamos continuar chamando de monstros, os infelizes, cruéis e antiéticos, sem procurar mudar os valores igualmente cruéis que a sociedade alimenta? Valores esses que ferem e maltratam nossas crianças hoje, quando se considera melhor bater e punir, que ouvir ou procurar entender onde está o desconforto emocional delas.
E os casos reais? Nunca se falou sobre os pais de jovens que cometeram crimes contra eles. Não se trata de culpar ninguém, repito, o termo culpa é até infantil, mas se trata de rever conceitos e dar responsabilidades a quem as pertence a título de esclarecimento. Ninguém é perfeito. Por que o medo de questionar?
Outro conceito distorcido é o de psicopatia, que é uma desordem de personalidade caracterizada em parte por comportamento antissocial recorrente, diminuição da capacidade de empatia ou remorso e baixo controle comportamental ou, alternativamente, dominância desmedida.
Felix é neurótico e não um psicopata, até porque ele sente, e o psicopata tem como traço marcante a ausência de sentimentos. O neurótico é a maioria, como disse Freud, aquele que se sente inferior, desvalorizado e vê o outro sempre como superior. Felix sempre achou que a irmã fosse melhor que ele. O Psicopata se sente superior, mais inteligente e não tem fraquezas, mas Felix só usa a falsa crença de que é forte e superior para esconder a sua fragilidade e sofrimento por se sentir rejeitado pelo pai e usa essa dor de modo negativo sem buscar ajuda. Mas quantas pessoas não se sentem assim, por baixo, rejeitados, feridos, e passam avida inteira brigando, se escondendo dos outros e sofrendo? A neurose deve ser tratada, todos precisam de terapia, já a psicopatia não tem cura, só fazem efeito medidas sócio educativas.
As novelas trazem muitos conceitos subliminares negativos, mas trazem outros positivos, como ela vai ajudar ou desajudar vai depender da boa vontade, compromisso ético e o grau de conhecimento de quem assiste.
Por Cintia Liana Reis de Silva
Um comentário:
Minha filha, amei o texto! Longo, porém
gostoso de ler.
O site está ótimo, muito interessante!
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