We Heart it
Por Cintia Liana Reis de Silva
Artigo publicado no site "Indika Bem" no dia 12 de dezembro de 2013.
Não são exatamente as palmadas que fazem das crianças rebeldes em potencial; não são exatamente elas que formam delinquentes; não são alguns “tapinhas desvalorizados” que fazem um indivíduo se tornar antiético e enraivado com a vida. Apesar de se tratar de agressões físicas "aparentemente brandas", de ser um tipo de violência, o que fere mais, é o que está por trás das palmadas: é o “cala a boca moral”, é a imposição do silêncio, quando a criança diz que algo não vai bem com ela por trás do mal comportamento, que há algo bem desconfortável acontecendo e que nem ela sabe o que é e nem sabe comunicar de outro modo, porque não tem mesmo maturidade para colocar em palavras o seu mal estar.
A birra comunica e o adulto deve metacomunicar. Espera-se que ao menos ele seja maduro e esteja em grau de ajudar a criança em sua comunicação. A palmadinha agride, mas o que agride mais é a falta de interesse, paciência, maturidade e muitas vezes a falta de amor e preparo do adulto para chegar perto do filho querendo descobrir sinceramente o que não é saudável aos seus olhos, mesmo que nessa observação venha a tona uma resposta bem desagradável sobre as crenças deles, que pensam que estão sempre muito certos.
Claro que pais não devem ser super heróis, por trás da palmada também tem o cansaço, o desespero, a falta de tempo, de energia e muitas outras coisas, é necessário paciência com todos para entender e melhorar a situação, mas como aqui falamos do que sente a criança, então continuemos…
A palmadinha dói, mas o que dói mais é a negação, a negligência e a falta de respeito, de preparo, quando a criança tenta falar através do seu comportamento rebelde, e os pais não a entendem, e nesse momento perdem a oportunidade de ensiná-la a observar a si mesma e a compreender que pode buscar respostas em seu íntimo, que pode procurar aprender a falar o que a aflige, a expressar-se sem receio ou vergonha, sem precisar sentir medo de ser reprovada ou transformar sua tristeza em raiva na forma de “birra”. Ensiná-la que abrir o seu coração é saudável e que pode confiar em seus pais, na capacidade de diálogo e compreensão desses, que pode confiar naquela relação de amor.
As birras infantis, a raiva, guardam em seu plano de fundo um descontentamento, um sentimento conflitante. As crianças não fazem birra constantes quando estão satisfeitas, verdadeiramente felizes, quando se sentem ouvidas, respeitadas, mas alguns pais podem não concordar com isso porque com certeza pensarão que está tudo bem, em seu ponto de vista, mas é em seu ponto de vista e não no da criança.
É preciso um trabalho de auto conhecimento para mergulhar em si, olhar a situação e perceber o que é necessário de fato melhorar, para o filho transformar o seu comportamento. O sistema familiar muda, se reconfigura se os seus membros se propõem a essa mudança e, como o filho quase sempre apresenta o sintoma do adoecimento familiar, ele é escolhido como o bode expiatório e ainda leva palmadas.
Vivemos numa época onde ainda existe muita ignorância sobre o mundo infantil, onde adultos tratam crianças como pequenos animais, preocupados só em dar disciplina e determinar regras, essas crianças crescem e se tornam adultos inflexíveis, sem elasticidade intelectual, emocional, relacional, se tornam intolerantes ou o contrário total, com uma rebeldia à flor da pele, querendo infringir todas as regras, são negativistas, do contra, com um alto senso de desvalorização escondido atrás de uma falsa crença de superioridade.
Uma criança de até 3 anos, por exemplo, não tem raciocínio de causa e efeito, não deve apanhar e nem entende porquê. Não é tanto o modelo de violência branda, visto em casa, que tornam indivíduos mais ou menos revoltados, infelizes e bandidos marginalizados, como se diz muito por aí, mas é o modelo de comunicação e de afeto distorcidos que marginaliza emocionalmente.
O comportamento violento é aprendido na educação familiar, absorvido na cultura, sobretudo os homens que são incentivados a bater em outros homens e até em sua companheira como forma de provar a sua masculinidade. Esse “cala a boca!” da palmada provoca feridas na relação de pais e filhos, assim como críticas ao invés de orientação, provoca mágoas, rebaixa a autoestima, traz muitas sensações ao mundo emocional da criança, como sentimento de inadequação, de rejeição, de não ser amado verdadeiramente como se espera e as dores e feridas inconscientes são as mais difíceis de acessar, normalmente só com terapia, por isso muita gente nem sabe que ela existe, só sofre em suas relações, e muitos pais passam adiante as suas dores para os filhos, fazendo a falta de consciência interna virar um ciclo de mal estar existencial.
Mas há quem repita que o filho passou por isso tudo e hoje está bem, mas com certeza porque não exercitou lucidez suficiente para enxergar os pequenos conflitos que tem com ele e os problemas e carências que carrega o filho.
De fato a violência, que é uma forma de comunicação não verbal, entra quando não existe inteligência, paciência e sensibilidade suficientes para entender e ensinar a comunicar verbalmente de maneira sã e madura. Mas o mundo continua avançando. Um dia chegaremos lá. Continuo na campanha, faça filhos, mas se prepare antes disso, afinal, ter filhos é o maior projeto de vida que um ser humano pode ter. É preciso ter consciência.
Por Cintia Liana Reis de Silva
Esse texto no "Indika Bem": http://www.indikabem.com.br/filhos/a-violencia-atras-da-palmada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário