"Uma criança é como o cristal e como a cera. Qualquer choque, por mais brando, a abala e comove, e a faz vibrar de molécula em molécula, de átomo em átomo; e qualquer impressão, boa ou má, nela se grava de modo profundo e indelével." (Olavo Bilac)

"Un bambino è come il cristallo e come la cera. Qualsiasi shock, per quanto morbido sia
lo scuote e lo smuove, vibra di molecola in molecola, di atomo in atomo, e qualsiasi impressione,
buona o cattiva, si registra in lui in modo profondo e indelebile." (Olavo Bilac, giornalista e poeta brasiliano)

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

O tabu da "boa mãe" e a mãe vingativa

 
Por Cintia Liana Reis de Silva
 
É muito difícil imaginar ou até aceitar que seja verdade que uma mãe possa fazer mal ao seu filho em sã consciência. É como se desconstruíssemos a ideia da beleza do nascimento, da mãe como o portal do vir ao mundo. Por esses e por tantos outros motivos é que existem vários tabus quando se fala a palavra mãe, é como se falar delas de modo ofensivo ou descuidado fosse um grave pecado, como se não fosse permitido ligar esse nome a algo de ruim. Uma insistência na necessidade em enxergar a maternidade como sagrada e ligá-la à perfeição.
 
No inconsciente social a mãe sempre é certamente boa e sempre tem a razão. Não é a toa que a guarda dos filhos é normalmente dada a elas, sem que se faça uma avaliação de sua condição psicológica antes.
 
Existem crenças nascidas há alguns séculos, que ainda não foram superadas popularmente, como acreditar que todas as mulheres nasceram para ser mãe, a existência do instinto materno e que o amor de mãe é o mais forte. Mas há alguns anos a ciência vem desconstruindo e provando que esses absolutismos sobre a maternidade  não passam de manipulação e fantasias, vêm também da relutância de enxergar as mãe como humanas. São falas nascidas na sociedade e que estão intimamente ligadas a manipulação do homem, ao pacto de poder que fizeram ao instituir o modelo da família patriarcal e estabeleceram que as mulheres deveriam estar em casa cuidando dos filhos, enquanto eles, os homens, deteriam todo o poder disponível no interno da família, na política, na cultura, na vivência da sexualidade, etc.
 
As mães são humanas e elas podem errar mesmo querendo acertar, já outras erram mesmo sabendo que estão muito erradas e que trarão sérias, graves e negativas consequências ao filho. Quem já trabalhou 8 anos numa vara da infância como eu, sabe que isso é bem verdade.
 
A maternidade é algo vivido de diferentes formas para cada mulher e isso vai depender da qualidade e do tom da relação que ela tem e teve com seus pais ou de sua lucidez, esforços e boa vontade para se melhorar e dar o que tem de melhor ao seu filho, a vontade de fazer diferente, de um modo mais sábio e sadio, além de sua disponibilidade interna em reconhecer as suas feridas e fazer terapia para superá-las, para não tentar curá-la erradamente através dos filhos, como expliquei em meu texto “Não se supera traumas através do filhos”.
 
O “Trattato Italiano di Psichiatria”, no capítulo “psicopatologia dell’età evolutiva” afirma e explica que existem mães ditas “normais” que não dariam nunca ao filho coisas que desejavam quando crianças e que não podiam ter, como forma de vingança; mães que odeiam a si mesmas e, consequentemente, os filhos, como se eles fossem uma parte dela ou sua propriedade. A preferência da mãe pelo marido, por exemplo, pode revelar um comportamento agressivo ou carência (PAPINI et MARTINETTI, 1999). Sem contar mães que permitem secretamente que o pai de seu filho ou o seu marido (padrasto da criança) abuse sexualmente deste para não “perdê-lo”.
 
Existem outros casos, também de violência contra os filhos, mais graves ou menos graves, que deixam cicatrizes para sempre, que podem ser aparentemente casos simples de negligência, como deixar o filho chorando e assim experimentar uma espécie de prazer, como se naquele instante estivesse superando algum trauma como, por exemplo, o de ter chorado muito quando criança ou ter sido muito rejeitado; como também maltratar ou abusar, como uma ação usada por adultos, em certo nível patológica, para  superar sofrimentos e traumas. Como pedófilos que já foram abusados e repetem o mesmo tipo de abuso, desta vez na pele do agressor, para provar a si mesmo que agora não é mais a vítima e sim o detentor do poder, ou mulheres que abusam de seus filhos ou são cúmplices de abusadores.
 
Embora sejam assuntos e teorias científicas amargas, indigestas e abomináveis, elas precisam ser faladas para que possamos proteger as crianças e oferecer ajuda a quem precisa. Assim como mostrar que toda mãe, incluindo as boas, podem sempre buscar se aperfeiçoar, dando de fato aos filhos o que há de mais sagrado em seus corações, o puro e verdadeiro amor consciente.
 
Por Cintia Liana Reis de Silva
 
Referência:
Papini, M. e Martinetti, M. G.. Trattato Italiano di Psichiatria. Psicopatologia dell’età evolutiva. Milano, pp. 2693-2709, 1999.
 

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