"Uma criança é como o cristal e como a cera. Qualquer choque, por mais brando, a abala e comove, e a faz vibrar de molécula em molécula, de átomo em átomo; e qualquer impressão, boa ou má, nela se grava de modo profundo e indelével." (Olavo Bilac)

"Un bambino è come il cristallo e come la cera. Qualsiasi shock, per quanto morbido sia
lo scuote e lo smuove, vibra di molecola in molecola, di atomo in atomo, e qualsiasi impressione,
buona o cattiva, si registra in lui in modo profondo e indelebile." (Olavo Bilac, giornalista e poeta brasiliano)

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quarta-feira, 29 de julho de 2015

O valor da adoção e da verdade

We Heart it


Por Cintia Liana Reis de Silva para a Revista Negócios & Cia (Salvador-BA) e para o Guia Indika Bem (Publicado o dia 25 de junho de 2015)

A cada ano que passa é muito mais fácil ver pais ou futuros pais que entendem o valor de se instaurar a verdade sobre a adoção no lar, que sabem que esse é o caminho a ser trilhado na educação dos filhos, afinal hoje a adoção é um assunto cada vez mais debatido, cujos tabus vêm sendo rompidos e trabalhados. Já escrevi muitos textos sobre o assunto. Não há vergonha alguma em ter sido adotado, ao contrário, houve uma escolha consciente para se formar uma família, onde não foi o acaso que falou mais alto, foi o amor.

Mas como nunca é demais tocar novamente no assunto, proponho mais reflexões.

Os pais devem sempre se lembrar que é preciso falar sobre o processo de tornar-se pai, mãe e filho desde que a criança chega no lar, mesmo que pequenininha. Ela deve saber que os vínculos de amor se formam na convivência e na intenção de amar, de acolher, ou seja, na atitude adotiva. Com todos os membros da família é assim, até com os filhos biológicos.

Não espere que o seu filho pergunte. Se ele não sentir que você está seguro em falar sobre a chegada dele, ele não te perguntará. Então se prepare e entenda que mesmo sem vínculos consanguíneos vocês se amam e nada mudará isso. Faça questão do amor do seu filho, esteja seguro desse amor, esteja seguro de que você o merece. Isso fará bem a todos. Se você não se sente seguro, procure um terapeuta e invista em seu crescimento pessoal, isso certamente refletirá na felicidade do seu filho.

Reflita. Se você descobrisse hoje que o seu filho não é seu filho biológico, isso mudaria o teu amor por ele? Mas seria um choque descobrir isso após 10 anos, não? Então acredite, ser adotado ou não, não muda em nada o amor que o seu filho sente por você, mas saber disso após os dez anos de idade pode ser bem desagradável e traumático.

Ser adotado não é uma deficiência, não é um problema. Se os outros são preconceituosos é um problema deles. Os preconceituosos é que têm uma deficiência. O preconceito reflete um forte dificit de inteligência e visão, é uma grande limitação. Ensine o seu filho a educar as pessoas, a ser um formador de opinião, a falar sobre adoção de uma forma bonita (isso não inclui contar a todos a história dele). O ensine a incluir e a acolher as pessoas que merecem, ao invés de se marginalizar, como se ele fosse um coitadinho, uma vítima do destino. Incluam também a escola nesse diálogo.

Concordando com a psicóloga argentina Laura Gutman, em seu livro “A maternidade e o encontro com a própria sombra” (Editoral Del Nuovo Estremo, Buenos Aires, 2008, p. 145), parece que as crianças que foram adotadas possuem uma força excepcional e uma determinação enorme para superar dificuldades. Gutman crê que esta qualidade as faz de qualquer maneira donos dessa luz que os outros não veem e de um poder que os outros não detém. Ela diz também que estes encontros devem ser celebrados com um encantamento especial, já que aconteceram porque existiu o desejo de cuidar e amar um filho, e graças a um “chamado insistente” da criança, que de qualquer modo endereçou os pais até ela. São acontecimentos a serem valorizados, compartilhados, festejados como um matrimônio, como um nascimento, como formaturas e não a esconder ou dizer em voz baixa. Merecem ser festejados como uma maravihosa manifestação da força humana.

Já escutei e participei de centenas de histórias de adoção e já senti o quanto essas histórias são fortes e carregadas de amor e intensa emoção: quando se encontra pela primeira vez o filho, quando recebe a certidão de nascimento nova nas mãos, o quanto se festeja e se chora. Então é essa emoção que deve permanecer, que deve ser festejada a cada ano, que deve ser lembrada sempre e que deve servir para incluir as pessoas nessa felicidade.

Os seres humanos, em sua estrutura psíquica neurótica (quando não são psicóticos ou psicopatas), crescem com a sensação de inferioridade e tendem sempre a compreender que o mundo trabalha contra eles, que os desvaloriza, então é um exercício muito importante trabalhar esse padrão neurótico que todos têm e compreender que o outro, assim como nós, tende a achar que o diminuímos, que ele está sendo desvalorizado. A grande tarefa é nos sentirmos importantes por aquilo que representamos de bom, buscando internamente o nosso senso de valor, de humanidade, e só assim poderemos valorizar os outros, criando uma energia de gentileza e respeito que fará bem a todos. Quero dizer com isso que, não olhe para o seu filho como um pobrezinho, pois ele sente e se sente como você o vê. Olhe para ele como um grande homem e passe valores de um grande homem, contado a verdade sobre a sua origem de acordo com o seu grau de maturidade, pois todo ser humano merece integrar e entender a sua história para se sentir dono da sua própria vida, forte e inteiro.

Por Cintia Liana Reis de Silva para a Revista Negócios & Cia (Salvador-BA) e para o Guia Indika Bem (Publicado no dia 25 de junho de 2015)

Fonte: http://indikabem.com.br/filhos/o-valor-da-adocao-e-da-verdade

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Superproteção: A origem do fraco e do tirano

Sob as asas indulgentes de pais pretensamente diligentes e amorosos, desenvolve-se uma espécie humana incapaz de conviver com a frustração; insaciável em sua necessidade de atenção; dependente de cuidados, básicos ou sofisticados; impossibilitada de enxergar outro ponto de vista que não o seu; voraz e corruptível. A superproteção familiar impede o indivíduo de criar suas próprias ferramentas de sobrevivência, interlocução, compaixão e convivência. Estamos criando uma geração de fracos tiranos ou de tiranos fracos, capazes de qualquer artifício para terem seus desejos atendidos. 



Publicado em recortes Por Ana Macarini
No Obvious


Perigosa estratégia essa de trocar autoridade amorosa por permissividade vazia. Substituir a presença física e real por bens materiais contribui para a formação de indivíduos que não hesitariam em sacrificar pessoas para conseguir coisas. Será que somos tão distraídos emocionalmente a ponto de abrigarmos monstros egoístas sob nossas próprias asas e não nos darmos conta disso?

O inegável cenário de violência em que a maioria de nós vive, cria elementos mais do que concretos para que haja temor pela segurança de nossas crianças. É fato que muitos de nós tivemos a oportunidade de fazer pequenas incursões pelos arredores de casa, experimentando a cada nova aventura, o sabor da conquista da maturidade. Há cerca de 30 anos atrás, mesmo em cidades grandes e movimentadas, era comum as crianças “maiorzinhas” (10 ou 12 anos), irem sozinhas à padaria, à banca de jornal, à casa de algum amigo mais próximo ou mesmo à escola. Ouvíamos de nossos pais alguns conselhos como “Não fale com estranhos!” ou “Não aceite ‘nada’ de estranhos, como balas ou chocolates!”. Nossos pais temiam pela nossa segurança e procuravam nos preparar para enfrentar alguns perigos previsíveis. É claro que, mesmo naquela época, ouvíamos notícias de crianças sequestradas; abusadas; até mesmo desaparecidas e mortas. Mas a verdade é que esses acontecimentos eram uma exceção. Hoje, não são mais. O perigo é real, isso é indiscutível. Há muito tempo as crianças deixaram de ter medo do “homem do saco” para ter medo do bandido armado.
Assim, nossas crianças muitas vezes são privadas de experiências de vida em detrimento de sua segurança e integridade física. Até aí, nada de errado. Cabe mesmo aos pais garantir que seus filhos recebam proteção, cuidados, atenção e amor. Os problemas começam quando a dosagem desses atributos perde o valor original e extrapola os limites, revelando uma educação descolada do mundo real, no qual há o enfrentamento de situações adversas e imprevistas. É bastante frequente observarmos que os responsáveis sofrem com a dificuldade de estabelecer o que é cuidado, o que é exagero, o que é pseudo-cuidado e o que é negligência.
É importante termos em vista que a maneira como nos enxergamos na infância, baseia-se na forma como somos tratados pelos adultos responsáveis por nós. As experiências sociais da infância determinam a maneira como vamos interagir com o mundo na fase adulta. A consciência do nosso valor pessoal é construída na interação, primeiro com nossa família nuclear, independente de como ela seja formada; depois, na interação com os outros. Os adultos responsáveis pela nossa educação darão o tom às nossas percepções de respeito, ética, compaixão e liberdade.
Quando somos crianças, aceitamos como correto o modelo oferecido pelos adultos que são responsáveis por nós. Crianças tratadas com agressividade e intolerância acabam acreditando que merecem esse tratamento e o reproduzirão. Crianças negligenciadas crescem com a dolorosa sensação de que suas necessidades não são importantes. Adultos demasiado exigentes, críticos e autoritários fazem a criança sentir-se inadequada, incapaz e indigna de confiança. Quando não são ouvidas, elas crescem inseguras e dependentes. O pseudo-cuidado, caracterizada pela presença física, porém ausente de atenção (adultos que não desgrudam do celular, por exemplo), provoca na criança uma confusa sensação a respeito de seu papel na relação e do espaço que ela ocupa; ela se percebe como desimportante e até incômoda. Engana-se, porém, quem acredita que a superproteção garante um saudável desenvolvimento para a criança. As crianças superprotegidas acreditam que os adultos resolvem tudo por elas e atendem todas as suas vontades porque elas são incapazes. Adultos superprotetores formam crianças desconfiadas de suas próprias capacidades e habilidades, além de dependentes do cuidado e da aprovação do outro. Já adultas, elas acreditarão que o mundo será exatamente assim: sempre pronto a satisfazer seus desejos e compreender suas demandas.
A superproteção pode representar um bloqueio para o desenvolvimento cognitivo, social e afetivo das crianças. Adultos responsáveis excessivamente protetores fazem com que os pequenos sintam-se pouco estimulados a interagir com o mundo. A timidez, por exemplo, pode ser uma consequência de posturas repressoras apresentadas na educação familiar. Outro ponto importante é o fato inegável de que as crianças superprotegidas terão dificuldades para adquirir autonomia; lidar com o medo; enfrentar situações imprevistas; tomar iniciativas ou decisões. Além da possibilidade de virem a se tornar adultos reclusos ou distantes da realidade, que julgam injusto terem de batalhar para alcançar o que desejam e não serem premiados por cumprir com suas responsabilidades e compromissos.
É de extrema importância que, no caso de termos decidido assumir a responsabilidade pela educação de uma criança, termos em mente que a nossa postura em relação à sua formação, contribuirá fortemente para o tipo de adulto que ela virá a ser. Precisamos entender que somos modelos em nossas atitudes, muito mais do que em nossos discursos. Criança precisa de escuta ativa; afeto; limites claros e justos; honestidade nas relações; aceitação de suas limitações; incentivo diante das dificuldades; valorização das habilidades; satisfação de suas necessidades de alimento, sono, descanso e brincadeira; liberdade assistida e orientada. Parece muito?! Mas não é. É o mínimo que nos cabe fazer. No fundo, elas não precisam ser colocadas sob nossas asas. Elas precisam que sejamos inteiros o suficiente para ensiná-las a voar com suas próprias, respeitando o espaço aéreo das demais.



quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

A violência por traz da palmada

We Heart it
Por Cintia Liana Reis de Silva
Artigo publicado no site "Indika Bem" no dia 12 de dezembro de 2013.
Não são exatamente as palmadas que fazem das crianças rebeldes em potencial; não são exatamente elas que formam delinquentes; não são alguns “tapinhas desvalorizados” que fazem um indivíduo se tornar antiético e enraivado com a vida. Apesar de se tratar de agressões físicas "aparentemente brandas", de ser um tipo de violência, o que fere mais, é o que está por trás das palmadas: é o “cala a boca moral”, é a imposição do silêncio, quando a criança diz que algo não vai bem com ela por trás do mal comportamento, que há algo bem desconfortável acontecendo e que nem ela sabe o que é e nem sabe comunicar de outro modo, porque não tem mesmo maturidade para colocar em palavras o seu mal estar.

A birra comunica e o adulto deve metacomunicar. Espera-se que ao menos ele seja maduro e esteja em grau de ajudar a criança em sua comunicação. A palmadinha agride, mas o que agride mais é a falta de interesse, paciência, maturidade e muitas vezes a falta de amor e preparo do adulto para chegar perto do filho querendo descobrir sinceramente o que não é saudável aos seus olhos, mesmo que nessa observação venha a tona uma resposta bem desagradável sobre as crenças deles, que pensam que estão sempre muito certos.

Claro que pais não devem ser super heróis, por trás da palmada também tem o cansaço, o desespero, a falta de tempo, de energia e muitas outras coisas, é necessário paciência com todos para entender e melhorar a situação, mas como aqui falamos do que sente a criança, então continuemos…

A palmadinha dói, mas o que dói mais é a negação, a negligência e a falta de respeito, de preparo, quando a criança tenta falar através do seu comportamento rebelde, e os pais não a entendem, e nesse momento perdem a oportunidade de ensiná-la a observar a si mesma e a compreender que pode buscar respostas em seu íntimo, que pode procurar aprender a falar o que a aflige, a expressar-se sem receio ou vergonha, sem precisar sentir medo de ser reprovada ou transformar sua tristeza em raiva na forma de “birra”. Ensiná-la que abrir o seu coração é saudável e que pode confiar em seus pais, na capacidade de diálogo e compreensão desses, que pode confiar naquela relação de amor.

As birras infantis, a raiva, guardam em seu plano de fundo um descontentamento, um sentimento conflitante. As crianças não fazem birra constantes quando estão satisfeitas, verdadeiramente felizes, quando se sentem ouvidas, respeitadas, mas alguns pais podem não concordar com isso porque com certeza pensarão que está tudo bem, em seu ponto de vista, mas é em seu ponto de vista e não no da criança.

É preciso um trabalho de auto conhecimento para mergulhar em si, olhar a situação e perceber o que é necessário de fato melhorar, para o filho transformar o seu comportamento. O sistema familiar muda, se reconfigura se os seus membros se propõem a essa mudança e, como o filho quase sempre apresenta o sintoma do adoecimento familiar, ele é escolhido como o bode expiatório e ainda leva palmadas.

Vivemos numa época onde ainda existe muita ignorância sobre o mundo infantil, onde adultos tratam crianças como pequenos animais, preocupados só em dar disciplina e determinar regras, essas crianças crescem e se tornam adultos inflexíveis, sem elasticidade intelectual, emocional, relacional, se tornam intolerantes ou o contrário total, com uma rebeldia à flor da pele, querendo infringir todas as regras, são negativistas, do contra, com um alto senso de desvalorização escondido atrás de uma falsa crença de superioridade.

Uma criança de até 3 anos, por exemplo, não tem raciocínio de causa e efeito, não deve apanhar e nem entende porquê. Não é tanto o modelo de violência branda, visto em casa, que tornam indivíduos mais ou menos revoltados, infelizes e bandidos marginalizados, como se diz muito por aí, mas é o modelo de comunicação e de afeto distorcidos que marginaliza emocionalmente.

O comportamento violento é aprendido na educação familiar, absorvido na cultura, sobretudo os homens que são incentivados a bater em outros homens e até em sua companheira como forma de provar a sua masculinidade. Esse “cala a boca!” da palmada provoca feridas na relação de pais e filhos, assim como críticas ao invés de orientação, provoca mágoas, rebaixa a autoestima, traz muitas sensações ao mundo emocional da criança, como sentimento de inadequação, de rejeição, de não ser amado verdadeiramente como se espera e as dores e feridas inconscientes são as mais difíceis de acessar, normalmente só com terapia, por isso muita gente nem sabe que ela existe, só sofre em suas relações, e muitos pais passam adiante as suas dores para os filhos, fazendo a falta de consciência interna virar um ciclo de mal estar existencial.

Mas há quem repita que o filho passou por isso tudo e hoje está bem, mas com certeza porque não exercitou lucidez suficiente para enxergar os pequenos conflitos que tem com ele e os problemas e carências que carrega o filho.

De fato a violência, que é uma forma de comunicação não verbal, entra quando não existe inteligência, paciência e sensibilidade suficientes para entender e ensinar a comunicar verbalmente de maneira sã e madura. Mas o mundo continua avançando. Um dia chegaremos lá. Continuo na campanha, faça filhos, mas se prepare antes disso, afinal, ter filhos é o maior projeto de vida que um ser humano pode ter. É preciso ter consciência.

Por Cintia Liana Reis de Silva