Carta a uma professora
(Escrita na Itália)
Por Cintia Liana Reis de Silva
Cara professora, gostaria
de dizer que o meu marido respeitamos o seu profissionalismo e o seu
conhecimento, mas adotamos uma atitude diferente da maioria das pessoas,
especialmente ao que se refere à educação infantil.
A senhora nos fez
entender que devemos impor à nossa filha de permanecer na escola mesmo se, em
alguma ocasião, seja contra a vontade dela. Para nós, as crianças devem ser vistas
independente de nossas pretensões. Se são respeitadas, as crianças aprendem o
verdadeiro significado de respeito. Me baseio na complexa teoria do apego de
John Bowlby e na psicologia do desenvolvimento para afirmar algo do tipo. O
respeito pela minha filha está acima de qualquer protocolo ou etiqueta. Nós
respeitamos o seu tempo e seus sentimentos. Ela nunca será forçada a ficar por
obrigação, porque neste período, antes dos 5 anos, a escola deve ser apenas um
prazer, porque, felizmente para nós, não precisamos de uma estrutura de apoio
para deixá-la, já que podemos ficar com ela pela manhã, por isso a escola deve
ser somente uma alternativa válida a mais.
Olhando para a nossa sociedade, o que se vê é uma declarada presunção, um grande autoritarismo de adultos que ainda precisam crescer, quando nos atrevemos a dizer o que é "normal" ou não, o que é "saudável" ou não, ignorando a idade da criança e as suas peculiaridades, culpando os pais de não dar limites, como se uma criança precisasse só de limites. Quantas pessoas já leram sobre a “ansiedade de separação”, por exemplo? As crianças não devem ser soldadinhos ou robôs, são sujeitos de direitos e estão desenvolvendo agora a sua autonomia psíquica. Se uma criança está indo bem na escola, com pessoas que passam segurança e afeto, e se a vida familiar vai bem, ela se sente segura e irá voluntariamente para a escola, mas se ela não quer ir ou é porque ela é muito imatura e tem necessidade de ficar com a mãe por uma necessidade existencial e vital, para desenvolver a confiança antes de enfrentar a vida ou é porque há uma real ameaça, e temos de tentar entender o que acontece. Porque mesmo contra os interesses egoístas dos adultos, aquilo o que as crianças sentem é importante e, necessariamente, deve ser, porque são seres humanos e sentem, tantas vezes muito mais do que nós, pobres adultos, que aprendemos a sentir e a intuir sempre menos, sempre mais insensíveis, em uma sociedade que nos faz perder nossas qualidades mais sutis, aquela de compreender, de olhar, de esperar e de amar, em detrimento do dinheiro.
Se a senhora fosse mãe ou pudesse ouvir e ver algumas das minhas pacientes que choram por culpa e tristeza e se queixam de ter de deixar o seu filho na escola que choram copiosamente, porque não têm outra alternativa, porque elas têm que correr para trabalhar, "sentiria" melhor o significado das minhas palavras. As mães inteligentes que se abrem para viver esta experiência de maneira verdadeira e que escolhem fazer terapia para serem mais conscientes de sua maternidade e de si mesmas, sabem que, quando levam os seus filhos para a escola, inevitavelmente, entraram em contacto com as suas antigas feridas infantis e traumáticas da primeira escola. E acredite, a escola, antes da idade certa, é sempre, sempre um trauma.
Pais e professores deveriam conhecer os diferentes tipos de choro. Uma criança geralmente não chora por manha, como insiste o senso comum, mas por uma sensação de impotência, de incapacidade de reagir de uma maneira efetiva e decisiva diante de uma frustração, o que para nós pode não ser nada, mas que para ela pode ser um sentimento monstruoso. O pranto de medo, por exemplo, é aterrorizante. Os adultos também choram em uma grande variedade de situações, por raiva, humilhação, culpa ou ansiedade, após uma falha, um conflito, uma decepção ou desânimo, por empatia, de alegria e não apenas por um capricho. E quantos adultos caprichosas encontramos... Esses sim, sabem fingir muito bem e manipular, porque têm esse padrão de comportamento, mas as crianças são transparentes, mesmo quando "fingem" de maneira tão ingênua.
Minha filha nunca chorou e nem adoeceu, porque é segura, porque sabe que dentro de casa tem diálogo e não há brigas ou gritos, porque acolhemos os seus limites, porque sente que estamos do seu lado, porque tentamos compreendê-la sem preconceitos, porque sabe que receberá ajuda quando tiver necessidade e não quando nós pretendemos, consequentemente não alimenta o fantasma de ser abandonada em nenhuma situação e certamente será uma grande mulher, forte, amorosa e muito segura do seu valor, daquilo o que ela representa para a sua família, que deve ser a sua primeira base segura na vida, para sentir o mundo inteiro tornam-se para ela uma terra onde se sentirá aceita e acolhida, um mundo com o qual ela poderá argumentar e relacionar-se sem medo e sem raiva de ser ignorada, e se acaso for, fará como a mãe, talvez escreverá uma carta respeitosa ou um artigo científico para alertar as pessoas sobre a necessidade de não perderem nunca a humanidade.
A sociedade ainda precisa evoluir muito, sem o medo de sentir, e estudar o suficiente para acompanhar a sutileza da comunicação das crianças. As pessoas que ignoram as crianças são talvez aquelas que são inconscientes da raiva que nutrem de não terem recebido o suficiente de seus pais. E aquilo o que não se tem na infância permanece pendente e nunca será satisfeito na fase adulta. Para se criar bem uma criança é necessário generosidade, sensibilidade, coragem de enxergar-se e uma ampla visão.
Cintia Liana Reis de Silva é uma psicóloga brasileira. Autora de dois livros. Vive e trabalha na Itália desde 2010. Tornou-se um dos quatro psicólogos mais conhecidos no Brasil, experts em adoção, chamada de "Fada da Adoção" pelos meios de comunicação e pelos pais pela sua postura ativista na causa de menores. Formou-se no Brasil em 2000, na Pontifícia Universidade Católica de Campinas, São Paulo, Brasil, uma das melhores universidades do país. É especialista em psicologia de casal e família. Trabalha também com a terapia familiar, bem como a terapia individual com adultos e crianças filhos e com orientação aos pais. Respondeu a dezenas de entrevistas sobre psicologia, adoção e da família na TV, jornais, revistas nacionais e locais e portais internet. É citada em vários livros e artigos nos meios de comunicação e em teses acadêmicas no Brasil e em Portugal. Contribui para pesquisas e teses sobre temas relacionados à infância e à adoção. Seu blog www.psicologiaeadocao.blogspot.com recebe mais de 20.000 visitantes ao mês.
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