"Uma criança é como o cristal e como a cera. Qualquer choque, por mais brando, a abala e comove, e a faz vibrar de molécula em molécula, de átomo em átomo; e qualquer impressão, boa ou má, nela se grava de modo profundo e indelével." (Olavo Bilac)

"Un bambino è come il cristallo e come la cera. Qualsiasi shock, per quanto morbido sia
lo scuote e lo smuove, vibra di molecola in molecola, di atomo in atomo, e qualsiasi impressione,
buona o cattiva, si registra in lui in modo profondo e indelebile." (Olavo Bilac, giornalista e poeta brasiliano)

domingo, 30 de setembro de 2012

"O que esperar quando você está esperando"

Filme "O que esperar quando você está esperando"
 
Ontem fomos assistir aquele filme novo americano com Rodrigo Santoro e Jennifer Lopez, "O que esperar quando você está esperando". No Brasil estreou no início do mês passado, aqui na Itália este mês.

É um bom filme para rir e chorar. São uns 5 casais que esperam filhos, quatro biológicos e um pela adoção.
 
O filme trata da postura de cada um, a preparação, as expectativas e ensiedades, a cumplicidade estabelecida na relação de casal, a competição entre as mães, as formas de viver a gestação e outros detalhes. Tem algumas partes mais bobas e discursos não tão aprofundados, mas no geral é bem tocante, sobretudo a parte em que fala da espera na adoção e quando a personagem toma seu filho etíope em seus braços. Esse momento me emocionou muito. Vale a pena assistir.
 
Cintia Liana

sábado, 22 de setembro de 2012

A importância do bichinho de pelúcia nos primeiros anos de vida

[Foto: Cintia Liana em Saint Paul de Vence, França]
O uso do bichinho de pelúcia na França faz parte da cultura

Texto original: "O amigo paninho"

Na turma do Snoopy existe um personagem chamado Linus, um menino de camisa vermelha que carrega para todos os cantos aonde vai um amigo inseparável: O paninho azul, que Snoopy volta e meia tenta roubar. Não são poucas as tirinhas em que Linus abre o berreiro ou derruba tudo que pode aparecer pelo caminho no esforço de manter-se firmemente agarrado ao seu paninho. Assim como ele, muitas crianças cultivam essa amizade. Seja o paninho ou um bichinho de pelúcia o apego a este objeto é uma imagem muito comum de se ver nos primeiros anos de vida.

O apego ao paninho ou qualquer objeto de escolha da criança está diretamente ligado às fases do desenvolvimento infantil. A primeira forma de comunicação encontrada, por exemplo, é o choro, que serve para avisar que estão com fome, com dor ou em busca de carinho. No entanto à medida que vão evoluindo os pequenos fazem novas descobertas e, juntamente com elas, novos dramas e conflitos lhes são apresentados. Entre eles está a descoberta de que nem sempre a mãe estará disponível no exato momento em que necessitam o que gera certa insegurança. “Quando a criança é muito pequena e não consegue estabelecer uma linguagem verbal, ela cria estratégias para se manter neste mundo, a princípio, confuso e até assustador. Por isso o choro é uma ferramenta eficaz na hora da dor, do desconforto ou como meio de se estabelecer uma comunicação. O alento, por sua vez, virá na forma do carinho da mãe (se esta estiver disponível), ou pode vir através do paninho ou bichinho, enfim, em algo que ela estabeleça um vínculo capaz de amenizar seu sofrimento no momento”, explica a psicóloga, especializada em Terapia de Família, Cíntia Souza Neto. Antes que o sentimento de culpa tome conta da mãe que estiver lendo essa matéria, vale lembrar que esse apego não necessariamente advém de uma carência afetiva, ou seja, não significa que a mãe é distante, indiferente ou falta com amor ao filho. Essa indisponibilidade é momentânea, às vezes a criança sabe que a mãe está ali, mas por alguma razão não pode largar tudo porque o filho requer atenção naquele momento.

Os objetos de apego são usados pela criança como um suporte na conquista da autonomia, uma vez que funcionam como uma espécie de substituto materno auxiliando à criança organizar-se na ausência das figuras de referência. Cada criança tem seu tempo em termos de amadurecimento emocional. Algumas necessitam de mais, outras de menos para se adaptar ao ambiente, às pessoas e é necessário que os pais tenham sensibilidade para respeitar o que ela pensa, sente e faz. As crianças, ao se sentirem sozinhas na cama, na creche ou no jardim-de-infância, usam estes objetos para se sentirem mais confortadas e até mesmo confiantes.

Nem todas as crianças sentem essa necessidade do apego por um objeto. No entanto, não significa, exatamente, que esta criança atingiu um grau de maturidade ideal, mas que talvez, ela possui outro foco de atenção emocional. Pode ser uma chupeta, uma brincadeira, um esporte. “A escolha não acontece aleatoriamente, ou seja, tem um significado emocional pra essa criança,” ressalta a terapeuta.

Ao longo do tempo, a criança percebe que sua mãe não pode estar 24 horas ao seu dispor, ela precisa se afastar por alguns momentos e essa distância faz com que a criança se apegue a algo que, emocionalmente, preencha essa lacuna. Por isso que, na hora de dormir, seu objeto de apego se torna tão indispensável. “Anninha sempre teve um soninho, chamado de cote, não dormia sem ele e a chupeta. Era o denguinho dela para dormir”, conta a engenheira carioca Renata Cardoso de 32 anos, mãe de Anna Luiza de 6. Na hora do sono, a criança vai à busca de algo que a conforte que lhe traga tranqüilidade e, freqüentemente, procura por aquele objeto que ela elegeu como fonte de consolo justamente por que lhe transmite a sensação de que continua “ligada” à mãe ou ao pai. E acredite, essa ligação vem através do cheiro. De alguma maneira remete a lembrança do cheiro da mãe. Por isso não gosta que ele seja lavado. Essa suposta dependência assusta aos pais. Mas para o amadurecimento emocional da criança é preciso estabelecer nesse momento um diálogo entre pais e filhos. “Conversar com seu filho sobre a importância de se manter a higiene de seu “amigo paninho” faz parte dos laços de confiança que se deve estabelecer entre os familiares. Muitas crianças têm a ilusão de que algo terrível possa acontecer (furar, molhar, estragar) ou até mesmo pela mudança de aroma que o mesmo irá adquirir”, esclarece Cíntia.

A medida que vai ganhando autonomia emocional a criança vai se desprendendo do objeto de apego. Entretanto, se ele persiste de forma exagerada ou se a criança tem muita dificuldade em separar-se do mesmo, vale lembrar o que já foi dito, este objeto é eficaz como forma de consolo e não algo substituto. Aceite este momento como uma etapa natural do desenvolvimento e não o valorize demasiado. Não existe uma idade certa para a criança deixar de precisar destes objetos pois isso depende da maturação de cada criança. Se ela já possui um bom nível de interação verbal, a comunicação entre os familiares deve ser valorizada e este desapego deve ser gradativo e sem sofrimento. Sempre que deixar de precisar do seu amigo paninho valorize-a perante o seus amiguinhos, aumentando a sua auto-estima pelo fato de já ser “crescida”, funcionando simultaneamente como modelo para as outras crianças.


domingo, 16 de setembro de 2012

Existe filho predileto?

Mandy Lynne

Por Cintia Liana Reis de Silva

Sim, existe filho predileto, e porque não?

Estudos da Universidade da Califórnia comprovam que existe filho predileto. Para 70% dos pais e 60% das mães esta predileção seria em relação ao filho primogênito. Mas nem sempre é assim, às vezes se prefere o mais novo por ser o mais frágil. Outras vezes a mãe prefere o filho mais velho e o pai a filha mais nova. (CRIPPA, 2012) 

Mas independente de quem seja o predileto uma coisa é certa, isso gera ansiedade e expectativas em todos, desorganiza a família e satura o sistema familiar. Por exemplo, o filho mais velho preferido e protegido se sente potente e o mais novo subjulgado e agressivo, ou o filho mais velho sente pena do mais novo que se torna frágil e fraco. Também pode ocorrer do protegido se tornar dependente por toda a vida e não conseguir assumir responsabilidades.

Pai ou mãe, antes de assumirem esses papéis são humanos como qualquer outro. Filhos são diferentes entre si e os pais reagem de acordo com isso e o tratamento que cada um recebe, em parte, também depende desses fatores. Nestas relações do sistema familiar, muitas vezes emaranhado, pode existir naturalmente mais identificação e afinidade com um filho que com um outro, é natural. Um filho pode se identificar mais com o pai ou com a mãe, seria impossível estabelecer relações iguais já que se tratam que seres humanos diferentes, que carregam singularidades, especificidades e as relações se baseiam nestas configurações do encontro entre duas psiquês diferentes, que dialogam multuamente e inconscientemente.

Pode ser que a mãe estabeleça uma relação mais difícil com a primeira filha porque esta carrega muitas características da avó, características essas que eram portadoras de dificuldades na relação com a sua filha, mãe desta última a chegar. Pode ser que, ainda que tenha dificuldades com a mãe seja a preferida por ser mais parecida e, por isso, aparecem também as dificuldades. É uma via de mão dupla, ou poderia dizer de "mãe dupla"?

As relações também são recheadas do que Freud chamou de "transferência e contratransferência", um dos mecanismos de defesa do ego, ou seja, estabelecemos relação com novas pessoas baseadas em relação antigas, já consolidadas, e as repetimos de acordo com o que a nova pessoa nos demonstra. Às vezes até lembramos muito de uma pessoa que já conhecemos há muito tempo quando conversamos com alguém que acabamos de conhecer, sem que essas duas pessoas se pareçam fisicamente, mas se parecem na personalidade, então tendemos a repetir a nossa mesma maneira de ser com esta também e este alguém pode contratansferir, reagindo de modo como esperamos. Algumas vezes, se a pessoa não constratransfere, nos sentimos "perdidos" em como podemos nos relacionar com ela. Se trata de um repertório, usamos a mesma márcara social que usamos com aquela outra.

Sobre a máscara, nada tem a ver com falsidade, Jung, o pai da psicologia analítica, usou este termo para explicar de que modo nos reportamos e nos relacionamos com alguém, a nossa figura social, munida de autocensura, algo necessário para sobrevivermos em sociedade, é a parte do aparelho psíquico que organiza o nosso material inconsciente, o que pode vir a tona e como pode vir, de acordo com quem está a nossa frente ou que situação estamos vivendo.

Mas voltando para a relação com os filhos e se existe um filho preferido, observamos que só em falar sobre o assunto nos parece impróprio ou feio, pois parece algo vergonhoso desejar mais bem ou amar mais a um filho que ao outro. Ocorre que pode nem ter a ver com amar e sim simplesmente se relacionar e se identificar.

Existem modos diferentes de estar no mundo, de viver e sentir as relações e pais e mães não estão acima do bem e do mal, que não podem se identificar mais com um ou com outra pessoa, mesmo que esses sejam os próprios filhos. Se pais e mães fossem perfeitos e não fossem humanos não existiriam tantos pais egoístas, chantagistas, cruéis e esquizofrenizantes, que sufocam e fazem seus filhos sofrerem, sem terem a mímima consciência disso.

Amar e torcer para a felicidade de todos os filhos igualmente é algo que uma pessoa que se trabalha pode desenvolver, mas nada tem de errado em ficar mais animado e feliz com a presença de um dos filhos, frente ao fato deste ser mais nutritivo, otimista e saber levantar mais a auto estima dos pais e valorizá-los mais.

Algo importante a se fazer é, desde o início, trabalhar as dificuldades que aparecem nestas relações, que normalmente são dificuldades já trazidas na relação com os pais dos pais; é buscar ser pessoas mais conscientes com todos e isso se refletirá na educação que se passa dentro de casa. A partir daí, refletir que o filho sempre é um reflexo do que damos a ele, misturado a outras variáveis bem complexas do que nem temos consciência de nós e dele. Mas sabemos que podemos ter uma relação positiva e justa com toda a prole, sem precisar nos sentirmos culpados porque estamos mais próximos afetivamente de um ou de outro.

O importante é se livrar da culpa de sermos humanos e falhos e procurar sermos justos de verdade, corrigindo possíveis erros, verbalizar nossas dificuldades, dividir dúvidas, assumir equívocos com os filhos para fazer a família se fortalecer, dar este bom exemplo, derrubando tabus, independente de interesses pessoais ou orgulhos herdados. E sobretudo se unir e ter humildade para desenvolver uma boa relação justamente com os filhos que se tem mais dificuldades, pois são aqueles que mais se parecem com os pais.

Cintia Liana Reis de Silva, é psicóloga e psicoterapeuta, especialista em psicologia conjugal e familiar, trabalha com casos de família e adoção desde 2002.

Referência:
Crippa, Vania. Esiste il figlio prediletto? Revista Psychologies Magazine. Italia: Giugno, 2012.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Relação fusional do recém nascido e sua relação com aspectos ocultos da psiquê materna



Por Cintia Liana Reis de Silva

O que seria de fato mais importante para se preocupar quando se espera um filho no ventre e na fila de adoção? Os horários mais corretos para dar de comer e para dormir ou a própria preparação emocional para sustentar as necessidades psicológicas mais profundas da criança?

Um recém nascido resta em estado fusional com a mãe por nove meses depois do seu nascimento, sua existência psíquica sadia depende da existência dela, se ela desaparece é uma espécie de morte para ele, que sente o sofrimento desta perda como algo “esmagador” (JOHNSON, 1985).

Isso também quer dizer que perto ou longe do seu corpo físico o neonato apresenta todos os sintomas de tudo o que ela sente, ele é seu termômetro, que não sente o espaço de separação entre eles, a mãe é uma extensão do seu pequeno corpo, do seu "eu", ele depende diretamente dela para viver emocionalmente e fisicamente. Se após suas necessidades básicas serem atendidas a criança se mostra agitada, chora muito, é depressiva, apresenta problemas de pele e tem pesadelos, certamente pode estar manifestando algo oculto da psiquê da mãe, aspectos de sua "sombra", aquilo que ela esconde dela mesma, seus pensamentos negativos, sua ansiedade, aquilo que teme apresentar aos outros, aquilo que quer esquecer ou que pertence ao seu passado. Nesta hora, a mãe deve mergulhar e perguntar-se o que ela de fato sente, pois está sendo manifestado em seu filho, pois o neonato representa um vulcão em erupção, algo que nem a mãe está reconhecendo ou trabalhando em si de modo maduro (GUTMAN, 2008).

Por isso, a tarefa mais importante antes de se ter uma filho é se perguntar: “Estou pronta?”, “Tenho uma vida emocional bastante madura e tranquila capaz de proporcionar a meus filhos paz e segurança?”, “Que tipo de relação tenho com meus pais e que coisas devo trabalhar para não repetir o mesmo tipo de relação adoecida?”, "Como poderei proporcionar algo que não tive a meus filhos? E o que me falta?". Ter filhos somente com o objetivo de proporcionar prazer a si próprio ou completar-se chega a ser cruel de tão egoísta, eles não podem dar segurança a alguém que não a tem, eles precisam de segurança de completude para crescerem bem e desenvolverem bem o seu próprio ego (SILVA, 2012).

O ser humano é o único que demora mais tempo para adquirir um certo grau de autonomia, mais de 9 meses, o que outros mamíferos conseguem em apenas poucos dias depois de seu nascimento. A fusão do neonato é uma modalidade de relacionamento necessária para desenvolver o seu ego, precisa do outro, primeiro da mãe, e está enredado em suas mais profundas emoções, sentimentos, sensações, as positivas e as negativas, mesmo que isso fuja do controle desta e sempre foge. Depois a criança vai reconhecendo os outros como fazendo parte do seu mundo, criando novos vínculos fusionais e isso inclue os objetos que o cercam, como um bichinho de pelúcia. Todos também se tornam uma extensão do seu "eu" e sua vida emocional vai se ampliando. Para reconhecer esse espaço leva mais tempo que um adulto, por isso, precisam de tempo para acostumar-se com presenças de pessoas e lugares novos, para se sentirem seguros e explorarem o ambiente, como uma festinha de aniversário, por exemplo, quando é hora de ir embora é justamente o momento em que começam a se soltar e eles obviamente querem ficar. Por isso, muitas coisas não são meras birras, de acordo com alguns julgamentos comuns.

Crianças pequenas que tiveram que suportar importante separações ou são filhos de pessoas que sofrem de "ansiedade de separação" tenderão a estender um pouco este período fusional e a suportar menos rompimentos de vínculos e quando adultos correrão o risco a estabelecerem relações possessivas, baseadas no ciúme ou na falta de confiança, que são manifestações desesperadas do medo da solidão. Os pais devem estar atentos e a lançarem mão de ajuda psicológica sempre que necessário, para eles e para os filhos.

As crianças crescem e a tarefa de todas é ganhar independência física e emocional, amadurecer mas, ainda assim, nesta estrada, até um certo ponto somos o reflexo dos nossos pais, da parte luz e da parte sombra, oculta, que eles escondem até deles mesmos. A mais importante tarefa enquanto pais é desvendar esses mistérios pessoais, olhar para a parte mais dolorida e trabalhá-la sem tabus, não só para crescermos e sermos mais felizes, mas também porque significa um pacto de amor para com os filhos, que serão sempre um pouco de nós.

Cintia Liana Reis de Silva, é psicóloga e psicoterapeuta, especialista em psicologia conjugal e familiar, trabalha com casos de família e adoção desde 2002.

Referência:
GUTMAN, Laura. La maternità y el incuentro con la propria ombra. Buenos Aires: Editorial Del Nuevo Estremo, 2008.
JOHNSON, Stephen M.. Characterological Transformation: The hard work miracle. New York: Ed. Norton, 1985.
SILVA, Cintia Liana Reis de Silva. Filhos da Esperança: Os Caminhos da Adoção e da Família e seus Aspectos Psicológicos. Salvador: Edição do Autor, 2012.