"Uma criança é como o cristal e como a cera. Qualquer choque, por mais brando, a abala e comove, e a faz vibrar de molécula em molécula, de átomo em átomo; e qualquer impressão, boa ou má, nela se grava de modo profundo e indelével." (Olavo Bilac)

"Un bambino è come il cristallo e come la cera. Qualsiasi shock, per quanto morbido sia
lo scuote e lo smuove, vibra di molecola in molecola, di atomo in atomo, e qualsiasi impressione,
buona o cattiva, si registra in lui in modo profondo e indelebile." (Olavo Bilac, giornalista e poeta brasiliano)

sábado, 23 de janeiro de 2010

"Adoção ou fertilização assistida?"

Por Alicia Beatriz Dorado de Lisondo

A procriação humana é um ato simbólico, polissêmico e de relação com as gerações passadas e futuras. Pais e filhos encarnam a esperança de transcendência e a complexidade emocional que envolve o laço não biológico.

Alicia Beatriz Dorado de Lisondo é psicanalista especialista em atendimento em crianças e adolescentes; membro da Associação Brasileira de Psicanálise; Cocoordenadora do Grupo de Estudos e Investigação sobre Adoção e Orfandade na Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e ganhadora do Prêmio José Bleger pela Asociación Psicoanálitica Argentina. E-mail: alicia.lisondo@uol.com.br



A Psicanálise de Sigmund Freud sustenta que o ser humano tem uma dimensão inconsciente, incognoscível, com inscrições, com inscrições que se iniciam no útero materno e na primeira infância - registros de experiências emocionais, que, embora desconhecidas, exercem sua força, criam tendências, modelam a personalidade. A sexualidade, o complexo de Édipo, e o inconsciente são os grandes universos da subjetividade humana. A Psicanálise também é um método particular de tratamento e investigação dos processos mentais, que são quase inacessíveis por outro modo. A dimensão inconsciente é explorada na relação entre o paciente e o analista. Este profissional precisa de uma sólida formação, além de condições específicas de personalidade: retidão psíquica. A dimensão psíquica do ser humano não é sensorial - é impossível, por exemplo, ter um raio X da mente humana.


Com essa breve introdução pretendo convidar o leitor a pensar nas complexas configurações emocionais que entrarão em jogo uma vez que o desejo por um filho só poderá ser alcançado via adoção ou fertilização assistida. Essas forças emocionais são tecidas por afetos, fantasias, sonhos, pensamentos, desejos, projetos identificatórios numa longa história. A origem dessas configurações se enraíza nos mitos familiares transgeracionais. A imitação e as brincadeiras da primeira infância - o célebre jogo de casinha - permitem a elaboração dos traumas, incentivam a imaginação, preparam o exercício de papéis, estimulam a criatividade, esculpem a identidade que é reestruturada na adolescência.


FUTUROS PAIS
Ante a busca de um filho, é oportuno que o profissional possa levantar algumas questões como: quais os sentidos deste pedido? Porque surge este pedido neste momento da vida? Além das razões enunciadas pelos solicitantes, que outras hipóteses podem vir a ser conjeturadas na relação com um psicanalista (dotado de uma intuição treinada e uma escuta qualificada), para mergulhar nas complexas configurações mentais? Qual será o lugar psíquico desse filho? Os "futuros pais" revelam tendências psíquicas para fazer face à mudança na identidade para exercer as funções parentais? Os pais pensam revelar a origem ao filho? Entre outras... (Veja quadro Por que um filho?)


O profissional não pode julgar. Sua participação é para compreender e iluminar com humildade, o que pode estar presente e escuro nessa solicitação.


O trabalho interdisciplinar pode ser uma oportunidade para pensar os sentidos específicos e singulares do pedido de cada "futuro pai". Sem deixar de reconhecer a importância das ciências convocadas, a procriação e a adoção não podem ser reduzidas somente à ordem biológica, ou legal. A clinica revela que pode haver mandatos inconscientes transmitidos de uma geração para outra, proibições, inibições, pavores atávicos, lutos não elaborados, um persistente trabalho psíquico de desligamento da vida - esterilidade mental - que dificultam ou impedem a procriação biológica e psíquica. A parentalidade transcende a ordem do biológico. É um fenômeno psíquico. Ter um filho não é garantia de vir a ser pai.


TÉCNICAS DE FERTILIZAÇÃO
Um trabalho preventivo precisa ser instaurado para evitar talvez, as trágicas e traumáticas consequências dos insucessos - as adoções que não promovem o desenvolvimento mental de pais e filhos; as Novas Técnicas de Fertilização Assistida (NTFA) que não conseguem a busca da concepção, ou, ainda, o comprometimento do processo de subjetivação no momento em que o filho nasce. A prevenção de possíveis distúrbios emocionais é possível - entre muitas alternativas terapêuticas que a Psicanálise oferece - por meio de entrevistas psicanalíticas aos pais solicitantes, e mais tarde ao trabalho clínico com intervenções oportunas, em entrevistas com os pais, o bebê, possíveis irmãos. Fertilizar o exercício das funções parentais no início do vínculo com o bebê pode evitar futuras catástrofes.


É possível considerar uma divisão entre técnicas menos cruéis como a inseminação homóloga e as técnicas mais invasivas e cruéis como as que usam gametas de doadores e técnicas de alta complexidade. Cada sujeito produz diferentes significações ante cada uma das NTFA.

Ficção tocante


Cameron Diaz no filme Uma prova de amor, dá vida a uma mãe que gera, por meio de gravidez assistida e fertilização, uma menina para servir como doadora à irmã, que tem câncer. No filme, a garota ao atingir os 9 anos de idade entra com um processo na justiça para ter direito sobre seu corpo, pois esta cansada de servir como suporte para a irmã.


Elas podem vir a oferecer aos solicitantes a realização de um sonho, e da potência questionada ante a impossibilidade de uma concepção natural, e a restauração do narcisismo ferido. A busca de uma linhagem genética conhecida, familiar, pode ser tranquilizadora e propiciar a ilusão de normalidade. Quando a inseminação é heteróloga, o doador é o quarto personagem que se agrega aos outros protagonistas: a mãe, o pai e a equipe médica. Fantasias persecutórias podem ser exaltadas, assim como, as rivalidades - desconhecidas e potentes - diante desse doador que entra nas entranhas da mulher. O feto pode ser interpretado como intruso com atributos sinistros.
Estas técnicas podem favorecer uma dissociação entre a intimidade da sexualidade e a reprodução, mediada por um terceiro: a equipe médica.



FATORES EMOCIONAIS
É importante ter em conta que as NTFA, são procedimentos realizados em um corpo humano de seres subjetivos, com uma história de vida, uma história familiar e uma genealogia. As condições anatômicas e fisiológicas ótimas para a união dos gametas não são suficientes para garantir a fertilização. Há importantes fatores emocionais em jogo.


Por exemplo, uma paciente vive a fertilização assistida - injeção Intracitoplasmática de Espermatozoide - como um segundo aborto ("ao contrário") provocado na sua juventude. Só que desta vez, ao invés de se retirar um bebê, se injeta espermatozoides. Será que sem trabalhar essa culpa inconsciente, essas fantasias sobre o corpo danificado - fatores importantes da esterilidade enigmática - essa paciente terá condições de acolher o esperma e fecundar? Será que tanto a infertilidade quanto os duros tratamentos, não exercem uma função de castigo diante do crime outrora cometido?
É importante alertar que os NTFA podem não ser eficazes, quando se encontram fortes resistências, proibições inconscientes, culpas, ansiedades, e, paradoxalmente, sabedoria nos pacientes.

ÉTICA E POLÊMICA
As NTFA levantam importantes questões éticas. Elas desafiam a passagem do tempo e das gerações. A ordem natural e as leis de parentesco podem ser transgredidas.
O aluguel de úteros é um exemplo. Uma mulher pode albergar no seu ventre o embrião da filha fecundado pelo genro. O incesto é realizado. A criopreservação de embriões altera a noção de temporalidade. É possível sobreviver à morte. A compra de gametas permite realizar a fantasia de autoengendramento, com o gênero único é possível procriar. É importante estar atento aos procedimentos que permitem a realização de tendências perversas.




O início da relação pais/filhos, em situação de adoção ou fertilização, pode promover distúrbios emocionas de aceitação. O método preventivo mais eficaz são as entrevistas psicanalíticas que dão bases sólidas para evitar futuros problemas de vínculo.


Cabe também alertar que o filho concebido com as NTFA ou adotado, pode vir a ocupar o lugar de herói, "um milagre", "uma maravilha", como se fosse um ser sobrenatural. Quando os pais não podem colocar os necessários limites, de forma gradual, não ajudam a criança a suportar as necessárias frustrações da condição humana. Um filho "todo-poderoso", onipotente e onisciente, não pode alcançar o almejado desenvolvimento emocional, nem fortificar seu mundo interno.
Quando vários óvulos são implantados, esse filho sobrevivente, pode também albergar a fantasia de ser o assassino dos outros "irmãos mortos" antes de nascer.


PORQUE ADOTAR?
Como tentei demonstrar, nem sempre as NTFA são bem-sucedidas. A vivência reiterada de frustração ante o insucesso é um poderoso fator que aprofunda a situação traumática, específica e singular, de cada casal. Cada nova tentativa sem o esperado resultado pode aumentar o buraco narcísico, rebaixar a autoestima, incentivar a depressão essencial, exaltar fantasias persecutórias, provocar estados maníacos, exacerbar a onipotência, recorrer a delírios místicos, de acordo com a estrutura de cada sujeito (veja quadro As NTFA podem ser evitadas).


Filhos adotados, ou concebidos com as NTFA, costumam ser superprotegidos. Contudo, essa proteção exacerbada não consegue alcançar o desenvolvimento emocional necessário, nem fortificar seu mundo interno.


Angústias e ansiedades primitivas catastróficas podem também vir à baila como nos estados de não-integração. Vivências de esvaziamento, despersonalização, desvitalização, morte psíquica, "o corpo fragmentado" podem ser potencializadas. Fantasias persecutórias (ser cortada, envenenada, vítima de maus tratos, retaliada etc.) podem aparecer assim como as edípicas (cônjuge excluído, o médico ocupando o lugar de parceiro sexual e pai do bebê, etc.).
Quando a adoção é o caminho escolhido, o futuro filho pode vir a se conhecer, muito embora ele seja um desconhecido, pela fratura entre bagagem genética, a vida pré-natal; e a futura vida pós-natal.


As NTFA podem ser evitadas
Alguns motivos levam casais a não optar pelas novas técnicas de Fertilização assistida.
a) Pelo medo da dor (em função da manipulação do corpo);b) Os riscos de uma gravidez múltipla;c) A intolerância diante da necessária participação da equipe médica, na intimidade da vida sexual do casal; d) As vivências sinistras de estranhamento diante de procedimentos que desafiam a ordem natural e a leis de parentesco; e) A impossibilidade de suportar e tolerar a espera, as dúvidas, o aleatório; f) Outras possibilidades a investigar.


Cabe a cada ser humano decidir sobre as alternativas possíveis. Cada uma delas oferece desafios existenciais e solicita atenção qualificada, disponibilidade, capacidade de tolerar incertezas, forças reparatórias, e uma estrutura de personalidade madura com capacidade de amor para que um filho concebido por meio da NTFA ou adotado possa vir a se desenvolver.


A adoção pode ser um caminho promissor. A Psicanálise tem preciosa contribuição a oferecer para que o filho adotado tenha um destino diferente ao do trágico herói grego: "Certamente, desde o berço me vêm essas vergonhosas cicatrizes." (Édipo, p. 331).l

Informações complementares do texto:

Fonte: Revista Psique

Assunto: Cultura

Postagem: 24/12/2009

Texto nº: 4924

Fonte do texto, incluindo fotos: http://www.controversia.com.br/index.php?act=textos&id=4924

Por Cintia Liana

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

A Procura das Origens

Apresento-lhes outro texto, o qual gosto muito. Acredito ser fundamental para quem vai adotar e para quem já adotou. Foto: Blog Scienze

Título: A Procura das Origens
Autor:
Mirta Videla

Data: 26/03/1998
Fonte: Boletim "Uma família para uma criança" – Fernando Freire (org) - ano I nº 2

Até há pouco tempo existiam muitas dúvidas sobre este tema, para muitos era um verdadeiro dilema. Atualmente em nosso país, por aquilo que foi vivido, já ninguém duvida do direito de toda criança a conhecer a verdade acerca de sua origem, visto que ela lhe pertence tanto quanto a sua própria vida.
Quando se adota uma criança começa uma outra história, a partir de sua chegada. Mas, antes disso, a criança teve uma pré-história, de sangue, de recém-nascido em outros braços, de cultura, de parentesco. As razões pelas quais ela perdeu tudo isso podem ser de diferentes ordens, mas ninguém pode negar-lhe o direito a estar informada a respeito.
Se a informação sobre essa história prévia não lhe é dada, ela perde parte de sua biografia, de sua trajetória anterior, que se encontra registrada em seu inconsciente, é parte da carne de seu corpo e esse corpo jamais poderá ser reduzido ao silêncio.
As belas palavras de Françoise Dolto ficaram marcadas entre os psicólogos dedicados ao tema. Ela manifestava sua preocupação de "que deve ficar muito clara a importância de dizer a verdade ", essa verdade que os adultos comunicam às crianças, que a desejam não apenas de forma inconsciente, mas que a necessitam e têm direito a conhecê-la. Deve ser questionado o "silêncio enganador que gera angústia". A verdade pode ser freqüentemente dolorosa, mas, se ela é dita, permite que a pessoa possa reconstruir-se, e humanizar-se.
Dolto dizia com muita firmeza que ente a criança e seus pais existe um permanente intercâmbio de mensagens. A criança tem a necessidade da verdade para desenvolver suas potencialidades humanas.
As histórias cheias de silêncio pertencem a vidas sem sentido. A criança adotada é um verdadeiro "aprendiz de historiador", que deve travar verdadeiras batalhas e organizar estratégias para buscar os pedaços de sua vida, que desapareceram no ocultamento dos adotantes. Ela deverá transformar as informações fragmentárias em uma construção histórica, uma construção que lhe permita ter a sensação de "continuidade temporal ". Se trata de um processo que reconstrói o passado em função do presente, com o olhar voltado para o futuro.
A criança não pode conhecer uma primeira etapa de sua vida, a não ser por meio de uma versão discursiva que lhe conta a história de sua chegada. A experiência neste tema, e tudo o que nos trouxeram os novos desenvolvimentos teóricos, já não nos permitem condutas tíbias ante aqueles que continuam duvidando a respeito da necessidade de que a criança adotada tenha acesso à sua verdade.
O ocultamento da verdade sobre as origens é tão grave como o de seqüestrar uma criança, é um verdadeiro delito afetivo, porque, de maneira premeditada, a criança está sendo privada de algo que é seu, produzindo assim um vazio em seu processo histórico, impossibilitando sua função de historiador de si mesma.
O acesso à verdade sobre suas origens não é o mesmo que a busca de um processo judicial, nem que a procura de uma aproximação com os familiares de sangue. Os juizes e técnicos coincidem atualmente no reconhecimento da importância de que a criança seja informada sobre a origem de sua vida. Mas não todos estão suficientemente informados sobre o alcance e as conseqüências da transmissão de acontecimentos vergonhosos, humilhantes, hostis e sinistros para a criança, tais como o incesto, a violação de sua mãe, a tentativa de assassinato, ou o fato de ter sido deixada em um terreno baldio.
Quando se fala "revelar" a verdade, devemos ter muito cuidado com a informação excessiva, com um estilo quase exibicionista, que oferece dados intoleráveis para a sensibilidade infantil. Nesses casos, a criança será obrigada a "tornar a velar", a ocultar, reprimir, desconhecer essa realidade atroz, da qual, lhe disseram, ela veio.
O respeito à criança não apenas significa reconhecer-lhe o direito a saber quem é e de onde veio, mas também o de entender essa realidade na sua dimensão de criança, de frágil estrutura, em crescimento e em formação de sua identidade. Uma boa comparação é a de que a criança deve ser informada como se estivesse sendo alimentada, não se poderá dar carne e batatas fritas a um lactante, nem tampouco mamadeira àquela que começa a sua escolaridade.
Sem necessidade de ser ultra-informado em todos os detalhes, a criança descobrirá por si mesma, a realidade do seu existir, isso se lhe foram dadas as bases favorecedoras de sua investigação, com informações iniciais, sem que a tenham intoxicado.
Juan era um rapaz de 17 anos ao qual os adotantes disseram que era filho de uma prostituta que tinha muitos outros filhos de muitos pais. Quando teve acesso aos dados de sua história, ele mesmo realizou a construção de sua história, e me disse bastante emocionado: "minha mãe na realidade era uma pobre mulher deficiente (é surda-muda), da qual abusaram, mas que me deixou viver, e isso é, muito importante para mim."
Muitos pais solicitam que lhes seja revelada a verdade acerca da procedência das crianças que estão para ser adotadas. Outras se negam a saber e afirmam que "a história do seu filho começa com eles."
Somos um país de profundas diferenças sociais. A maioria das crianças em estado de adotabilidade vem de setores sociais que vivem em condições de extrema pobreza, com suas necessidades básicas insatisfeitas. As crianças abandonadas levam o registro corporal da sua origem, da promiscuidade, da violência e do sofrimento vivido. Por isso, não é necessária muita criatividade para saber de onde vêm as crianças cujas famílias as abandonaram. Existe um grupo reduzido de crianças de mães adolescentes de razoável condição econômica que não puderam recorrer ao aborto no tempo oportuno.
O tema da informação necessária a ser transmitida à criança não deve ser confundido com uma atitude de "compulsão informativa". Ela necessita saber os dados de sua origem biológica, de sua procedência, mas também, e isso é de fundamental importância, deve ser informada sobre a expectativa do casal que a adotou, sobre o tempo de espera vivido, deve saber que ela foi desejada como filho e foi investida dessa condição, no momento de sua adoção.
Ainda que a criança possua um registro dos acontecimentos anteriores à adoção, ela também experimenta uma profunda necessidade de pertencer ao grupo familiar no qual foi criada, ainda que no fundo de si mesma os dados de sua origem tenham um papel psicológico secreto. As crianças aprendem aos poucos, algumas compreendem que em seu passado pode ter existido algo obscuro, do qual preferem não falar, pela necessidade de pertencer e não correr o risco de perder ainda mais.
É muito importante, em todas as circunstâncias e etapas do desenvolvimento de um filho adotivo, que não se confunda o direito à informação com a compulsão informativa, a qual funciona como engolir na alimentação, produz náuseas, e até vômitos por aquilo que foi recebido "em excesso".
A falta de informação homogênea e ampla relacionada a estes temas deve estimular a organização de cursos de especialização em matéria de adoção, destinado à capacitação de todos os técnicos responsáveis. Unificar critérios e ampliar o acesso à informação acerca do tema, é um dos requisitos necessários para evitar abusos, omissões e erros de funcionários e profissionais.
O dilema da verdade se coloca na adoção de recém-nascidos, e diferentemente, na adoção de crianças e adolescentes, que já possuem um registro consciente, recordações e vivências acerca de sua vida anterior Quando do primeiro filho adotado se ocultou a realidade sobre a sua origem, é bastante difícil a adoção do segundo filho. Se ocorreu o contrário, ele viverá a chegada do irmão como uma reafirmação de sua própria história. compartilhará o tempo de espera e os preparativos para a chegada.
O ocultamento da adoção transforma esse fato no que se denomina "segredo familiar, onde uns sabem, e outros não, e a família se transforma em uma rede de ocultamentos e desmentidos, absolutamente prejudiciais ao desenvolvimento da criança.
Os segredos familiares geram um clima de tensão permanente que sutilmente é transmitido à criança, que percebe algo oculto, misterioso e proibido, que não deve se atrever a indagar. As crianças dizem, em seus tratamentos, que se sentem como protagonistas de um quebra-cabeças que nunca conseguem montar, porque faltam peças que estão "nas mãos de outros ", seus professores, seus pais adotivos.
Quando se conta uma mentira para uma criança, ou se oculta urna realidade tão importante acerca de sua vida, é como se a sua identidade (comparável a um edifício) fosse construída com bases frágeis. Cresce, mas, frente à menor "ventania" é completamente demolida.
É necessário que os pais não convertam o relato sobre a origem em um momento solene. O tema deveria fazer parte do diálogo natural e cotidiano na família. Entendemos por diálogo não o dar informações, mas sim o estado de abertura e predisposição permanente às palavras, ao ouvir, ao responder aos questionamentos. Este diálogo entre pais e filhos é o que permite em ambos a elaboração da adoção como opção de constituição familiar. Talvez pudéssemos compará-lo, ainda que não seja equivalente, ao processo de esclarecimento acerca da sexualidade, onde a informação não é apenas aquela das respostas às perguntas, mas também a transmitida pelas atitudes que temos frente ao sexo da criança, ao seu corpo, aos seus desejos.
Nos grupos, os pais costumam me perguntar: " e se o menino pergunta coisas que não conhecemos?", "e se fica zangado com o que dizemos?", "e se não pergunta nunca nada? ", "e posso esperar que pergunte o quê? ", "e se quando pergunta já é tarde? ", "e se são os outros a falar? ", "se não pergunta, significa inevitavelmente que algo grave se passa? ", "como podemos dizer que não temos nenhum dado?"
Na realidade, no processo de comunicação acerca da adoção, como em qualquer outro processo relacionado com os fatos da vida, não é necessário propor de antemão um tempo especial para a conversa, nem tampouco nos tomar em obsessivos informantes, basta que tenhamos uma autêntica disponibilidade e abertura ao diálogo sobre os acontecimentos da vida familiar. Dentro deles, a historia da criança e a adoção serão apenas um fato a mais.
Recordemos finalmente que só quem pode crescer rodeado de realidades não ocultadas, e verdades que não ferem nem amedrontam, poderá ir construindo sua própria biografia, ser seu historiador. Dessa forma, sua estrutura ética será o sustentáculo de sua saúde mental.

Trechos extraídos de "Saber Acerca de Su Origen", Mirta Videla. Revista da Escuela de Psicopedagogia de Buenos Aires, nº1 - Abril/95.
Para receber o boletim "Uma família para uma criança" escrever para:
Caixa Postal - 18092
Curitiba/PR
Cep: 80811-970

Referência:
VIDELA, Mirta. A Procura das Origens. Boletim "Uma família para uma criança" – Fernando Freire (org.) - ano I nº 2. [online] Disponível em: http://cecif.org.br/tt_busca.htm. Acesso em: 20 de janeiro de 2007.


Postado Por Cintia Liana

Descobrindo que é adotado

Foto: Google Imagens

"Descobri que sou adotado"
(Matéria da revista enfoque - Por Nilza Valéria)


Berenice Silveira viu seu mundo desmontar quando tinha 12 anos. Sentada junto com primos e colegas na porta de casa, em Porto Velho, a conversa girava em torno das semelhanças que cada um tinha com seus pais. “Tenho o cabelo da minha mãe”, disse uma. Meu pé é igual ao do meu pai”, afirmou outro. Na vez de Berenice, depois de um silêncio, ela disse que seu jeito de andar era igual ao da mãe. Aí alguém retrucou: “Você pode ter aprendido a andar como ela, mas você não é filha dela.”

Até hoje, mais de 15 anos depois, Berenice não sabe quem falou aquilo. Possivelmente, uma prima mais velha. Mas foi como se abrisse um grande buraco e ela caísse dentro. “Aquela frase respondia tudo. Era a resposta perfeita para tudo o que eu sentia. Eu sabia que havia alguma coisa diferente comigo, mas não sabia o que era”, lembra. Hoje, com 28 anos, a advogada Berenice superou o trauma de ter descoberto ser filha adotiva numa brincadeira. “Não foi fácil. Dos 12 aos 16 anos, exigi dos meus pais uma explicação, queria saber de onde tinha vindo, por que eles tinham me escolhido e por que me esconderam a minha história.” A mãe de Berenice afirmou, e ainda afirma, que jamais contaria a verdade se a filha não tivesse descoberto: “Ela é minha filha e isso é tudo o que importa. Que diferença faz se sou loura e ela morena? Eu a amo e ponto final.” Berenice sabe que é amada. “Eles, meus pais, são a coisa mais importante da minha vida. Nunca duvidei de que era amada. Fui uma criança com uma infância feliz. Apenas notava que as diferenças físicas eram grandes e isso gerava uma inquietação. Quando parentes vinham nos visitar havia muito sussurro em casa, olhavam para mim e falavam baixo, como se houvesse segredos.”

ACERTANDO AS CONTAS COM O PASSADO

De acordo com a psicopedagoga Mirta Videla, é direito de toda criança conhecer a verdade acerca de sua origem. “Esta verdade pertence à criança tanto quanto a sua própria vida. Quando se adota uma criança, começa uma outra história, a partir de sua chegada. Mas, antes disso, a criança teve uma pré-história, de sangue, de recém-nascida em outros braços, de cultura, de parentesco. As razões pelas quais ela perdeu tudo isso podem ser de diferentes ordens, mas ninguém pode negar-lhe o direito de estar informada a respeito.”

Analisando o caso de Berenice e de tantos outros que sua vivência profissional já a fez ter contato, Mirta afirma que o sentimento de vazio, de diferença até os 12 anos de Berenice foi gerado pelos segredos familiares, que provocam um clima de tensão permanente. “A criança que percebe algo oculto, misterioso e proibido, não se atreve a perguntar. E ela fica se sentindo como protagonista de um quebra-cabeça que nunca consegue montar, porque faltam peças que estão ‘nas mãos dos outros’, os pais adotivos.”

POR QUE NÃO NASCI DE SUA BARRIGA?

Salvador de Rossi Anhaia, 23 anos, também foi adotado. E sempre soube disso. “Mesmo antes de eu entender, minha mãe falava que eu era adotado. Nunca fui tratado diferentemente e não entrei em crise por isso.” Quando chegou, recém-nascido, o casal já tinha três filhas naturais. “Meus pais desejavam um menino e não queriam tentar mais. Falo para todo mundo com muito orgulho da minha família.”

Karina Souza, 25 anos, foi adotada com menos de 1 mês de idade. Apesar da diferença racial – é negra, e os pais brancos –, diz nunca ter ficado em crise por ser adotiva, apesar de os pais só terem conversado com ela quando tinha 11 anos. “Quando me falaram, eu já sabia, e ia ficar mal por quê? Eles me deram tudo.” A mãe adotiva se colocou à disposição para apresentar a mãe biológica, caso Karina quisesse conhecê-la. “Nunca tive curiosidade. Eu amo a minha família.”

Salvador Anhaia diz que em alguns momentos sente curiosidade de conhecer a família biológica, mas não tem motivação para procurá-la “Imagino que eles não deviam ter condições de me criar. Às vezes, queria saber se tenho irmãos, mas nada que me faça virar o mundo para achá-los.” Com a mãe adotiva cristã, Salvador reconhece que Deus sabia que ele tinha de ser filho de quem é. “Havia um casal na fila de adoção antes dos meus pais. Eles ficaram comigo por um dia e depois fui levado para a minha família. Deus já sabia de quem eu devia ser filho.” Nem mesmo a separação dos pais, quando tinha 13 anos, abalou o orgulho de pertencer à família que o adotou. “Nunca me senti rejeitado. Eu sofri como sofre qualquer menino quando o pai sai de casa.”

Eduardo Lemos teve curiosidade. E muita. Apesar de saber da adoção desde os 4 anos de idade, quando completou 17 decidiu que queria encontrar a mãe, saber se tinha irmãos, queria entender sua história. “Meus pais não conseguiam entender por que eu estava fazendo aquilo. Eles achavam que o amor e tudo que me davam deveria ser suficiente para eu ser feliz. Só que pirei em saber que minha mãe de sangue me abandonou. Passei a beber, a me meter em encrenca.” Quando Lemos descobriu que a mãe biológica morreu de cirrose e quase foi enterrada como indigente, decidiu que sua história era outra. “Foi lendo o documento de óbito da minha mãe, onde se registrava que não deixou filhos, que me dei conta de que ser filho do coração foi o caminho que Deus usou para me salvar.” Dona Graça, a mãe adotiva de Eduardo, diz que sempre contou ao filho que o amor é o mais importante. “Eu dizia a ele do grande amor de Deus, que nos tornou Seus filhos, por adoção. Hoje ele entende plenamente isso. Tanto do nosso amor e principalmente do amor de Deus.”

NA REVOLTA

Gustavo foi adotado com 6 anos. E dois anos depois, devolvido à instituição. Os pais adotivos alegaram problemas financeiros. Aos 8 anos, uma nova adoção. “Você acha que é fácil saber que fui abandonado?”, indaga. Com 15 anos, ainda teme que a família adotiva não seja para sempre. “Não dá para saber até quando vão ficar comigo. Há uns parentes que acham que posso ser mau porque imaginam que meu pai biológico pode ser um cara mau. Tem uma irmã da minha mãe que tem medo que eu roube a bolsa dela. É muito esquisito. Até na igreja existe gente que acha que meus pais me fizeram um favor.”

Para Raniere Pontes, presbiteriano, que abandonou o curso de Teologia para se dedicar à promoção de direitos da criança e do adolescente, é latente, no caso de Gustavo, o sentimento de soltura que o impede de criar vínculos profundos. “O adotado também precisa aceitar a família que o adotou. E como na relação com Deus, em que nos tornamos filhos dEle por adoção, por meio de Cristo, temos de aceitar isso”, ensina Raniere, assessor de operações da ONG Visão Mundial.

Karina é jornalista. Quando estava na faculdade levou um grupo de amigas, com quem já convivia há meses, para assistir a um filme em casa. Dentro do carro, a caminho do bairro onde morava, no subúrbio do Rio, fez a revelação: “Preciso dizer para vocês que sou adotada, por isso, não estranhem por eu ser negra e meus pais brancos.” A revelação foi feita como quem conta o que comeu no jantar. “Era tão normal e tão natural para ela ser filha adotiva, ou ser filha, que ela quis evitar nosso constrangimento. Em todo período do curso de Jornalismo, ela fez uma ou duas menções sobre a adoção e muitas sobre a família. O quanto a mãe ‘pegava no pé’, o quanto exigia, o quanto era desconfiada com namorados. Foi legal perceber o quanto a mãe dela era igual à minha mãe”, afirma Ione Souza, casada, dois filhos e na fila de adoção, em São Paulo.





Por Cintia Liana


quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Vamos Falar-nos de Adoção

Este é um texto que gosto muito, de uma autora que escreve muito bem sobre o tema adoção. Por esses motivos resolvi postá-lo aqui. Há muito tempo o uso como referência para textos e palestras minhas e já o indiquei para muitos candidatos a adoção.

Aproveitem a leitura!

Foto: Getty Images

Título: Vamos Falar-nos de Adoção
Autor: Gabriela Schreiner
Fonte: Apresentado em reunião de pais do grupo NEPPAJ – Jundiaí/SP - 2000.
O que é a adoção para nós? Porque estamos aqui hoje? Como assimilamos esta forma de assumir e amar um filho?

Dedicar um tempo para a reflexão a respeito da adoção é revelá-la para nós mesmos, é incorporar uma verdade que está sendo assumida a partir da intenção.
Adotar é reconhecer no filho gerado por outros, nosso filho. Olhar em seus olhos à procura não de uma cor conhecida, um formato herdado, mas o brilho do olhar de quem é amado e reconhecido como ser único.

Adotar é doar seu tempo, doar seu espaço, é pensar naquele ser tão indefeso antes de pensarmos em nós mesmos, é uma sucessão de atitudes solidárias (atenção: solidárias!), sucessivas e infinitas. É ser pai, é ser mãe.
A paternidade pode ser involuntária, a maternidade pode ser indesejada. A paternagem não. É na maternagem que a mulher se torna mãe. É no exercício, assim como um médico. Enquanto estuda, é estudante de medicina, só pode ser médico após o diploma, no exercício consciente e ético da profissão. Assim é na construção da relação mãe-pai-filho, só se é mãe no exercício, só se é pai na ação – nunca na omissão. Dentro da preparação (o estudo no caso do médico) para o exercício da paternidade/maternidade, ou a paternagem/maternagem, não é condição fundamental a gestação biológica, mas sim a gestação afetiva. É neste momento que nos perguntamos: queremos? Podemos? Podemos abrir mão de espaços, de tempo, de diversão, de "liberdade"? Como faremos? Estamos prontos? E mais um milhão e meio de perguntas. Muitas delas sem respostas.
A adoção não acontece sem uma decisão. Isto a torna diferente. Por "diferente" temos que ler diferente. Uma outra forma de ser pai, de ser mãe. Só. Só? Não, a adoção é rica por isso mesmo! Encontro de histórias, uma caixinha de surpresas que temos as chances de moldar, de ajeitar com carinho, de ajudá-la a crescer.O que é um casamento afinal? O encontro de duas pessoas diferentes, com histórias diversas que identificam coisas em comum, ou coisas que os atraem, iniciam um relacionamento e percebem que ele poderá durar por toda uma vida. Encontro de histórias, assim como na adoção.
Em toda história há riqueza, porque há vida, experiência. São nossas histórias de vida que nos tornam diferentes, especiais. Nelas há sempre um ensinamento, uma lição, merecem respeito.

Para haver uma adoção, deve ter havido antes um abandono. Sempre, por menos sofrido que tenha sido. Nisto há uma história. Um filho adotivo sempre terá um história anterior à adoção, que deve ser respeitada por fazer parte dele, por tê-lo ajudado a se formar. Ao optar pela adoção, os pais adotivos devem levar em conta que estarão sempre ligados aos pais biológicos de seus filhos, porque sem eles, estes não estariam no mundo hoje. E aqui está um dos pontos mais bonitos da adoção, não se pode negar esta realidade, mesmo porque ela reforça a intenção, a ação e o desejo por este filho.

Negar e negar-lhe este fato, é não aceitar parte da história de vida do filho, é não aceitá-lo como é, incondicionalmente. É também, negar toda a espera, todo o desejo motivador do antes.

Claro que pode ser que nada se saiba sobre os pais biológicos, ou muito pouco. Ou até mesmo seja algo profundamente triste, que não cabe entrar em detalhes. Mas, qualquer que seja esta história, ela existe e não pode ser mudada. Não há nada que pais adotivos possam fazer para modificar a história anterior de seus filhos. Mas podem fazer algo muito mais importante do que isso, podem respeitá-la. Podem dizer com isso: "Isso faz parte de ti, se te dói, nos dói. Estamos aqui para compartilhar contigo todos os momentos, para que possamos construir uma nova história, para sermos felizes juntos". Isto não muda o passado, mas faz toda a diferença no futuro e, afinal, não é o futuro que nos espera?

Mas para chegar a isto será preciso contar ao filho como chegou à família. Falar sobre adoção pode parecer fácil, mas pode não sê-lo. Não demore a fazer isto. O que, em terna idade, pode ser dito entre histórias de ninar, livrinhos e musiquinhas, pode vir como uma bomba se dito na adolescência durante uma discussão familiar. Não perca oportunidades. Seja firme em suas colocações e não conte mais do que a curiosidade que a idade pode absorver. Ele voltará a falar, a perguntar, se você continuar a criar espaços. E não há razão para não criar esses espaços para se falar de algo tão importante e profundo, afinal vocês estarão falando do amor que estão construindo a partir do momento em que se encontraram.
Lembre-se que os bebês nascem da barriga e que seu filho vai saber disto em algum momento. Evitar figuras de linguagem como "nasceu no meu coração" é recomendado por todos os especialistas. Se não, ao saber que os bebês só nascem de barrigas, uma criança poderá considerar mentira o que lhe foi dito. E não é. Ela nasceu de uma barriga que não pôde criá-la, mas esta barriga existiu. O amor de vocês passou a ser construído a partir da decisão de que ele seria seu filho para o resto da vida. Porque você podia amá-lo, educá-lo, criá-lo, e desejou muito fazer isto.
É inevitável que surjam, em algum momento, mais perguntas a respeito da família biológica, e é fundamental que esta parte da história não seja diminuída ou esteriotipada. Mesmo porque, a criança poderá pensar que foi abandonada por que não ‘merecia’ ser amada. E nós sabemos que não é isso. É importante que ela perceba que ela não é a causa do abandono, é objeto dele. O abandono pode ter ocorrido pelas mais diversas razões, mas nenhuma delas porque a criança "não merecesse ser amada". Ao conversar sobre adoção, é preciso ter em mente que o ‘hoje’, o ‘presente’ é bom.
Como todo filho, a criança adotiva, irá testar limites em diversos momentos de sua infância e adolescência. Podem surgir frases do tipo "você nem minha mãe é para me mandar fazer..." ou "não gosto de você, minha mãe de verdade deve ser mais boazinha...". Isto não é prerrogativa dos filhos adotivos, só que nos casos dos biológicos, eles precisam fantasiar que existem outros pais. Os filhos adotivos sabem que estes existiram. Pura chantagem que, se levada como uma questão pessoal, será um desastre. "Sinto muito meu filho, eu sou a única mãe que você tem à mão hoje, portanto vai fazer...". Firmeza, perseverança e muito amor. Não há fórmula melhor para lidar com isso. Ele não deixou de amar você, nem deixará. Ele está apenas ficando esperto...

A idade escolar é um fantasma para muitos pais por adoção. Devo contar na escola? E se eles começarem a achar que meu filho tem problemas por causa disso? Como ele vai ser aceito pelos coleguinhas?

A super valorização - ou a única valorização- da maternidade/paternidade biológica e os modelos de família ainda baseados nas tradições cada vez menos freqüentes, podem representar um problema na escola. É dia das mães, é dia dos pais, e a "tia" pede foto da criança na barriga para fazer um trabalho de escola, ou então uma peça de roupa de quando ele era bebê (para os adotivos tardiamente isto é complicado). Os livros escolares (com algumas exceções) só falam de família como sendo pai-mãe-filhos, e nascidos da barriga. Pois a realidade é bem diferente dessa. Hoje nem todas as famílias são constituídas assim, muitas tem só mãe, ou só pai. Outras crianças vivem com tios ou avós, e muitas são filhos adotivos. Então, o que fazer?

Novamente, não perca a oportunidade. Vá até a escola, fale sobre adoção. Você pode até conversar com a "tia" para que ela inclua, na aula, esta outra forma de ser filho... Indique a ela um livro infantil que possa ser lido em classe. Você pode até ir à escola para contar a sua história, se isto for do agrado do seu filho. Não podemos deixar que a escola seja um foco de preconceitos ou discriminação, portanto, faça-se ouvir.
Cuidado com os mitos! É freqüente ouvirmos ‘opiniões’ a respeito da adoção, é bom estar preparado:

"Só podia ser adotivo, vai saber quem é o pai..."
Tudo depende das expectativas. Para a mãe do Carlinhos sua evolução será tudo, ela sabe que cada dia é uma vitória e é isto que ela espera dele. Quais são as chances dela se frustrar com os resultados? Próximas de zero. Neste sentido somos todos adotivos. Biológico ou adotivos, sempre teremos que aceitar o filho, ajudá-lo a superar todas as fases de aprendizado da vida, orientá-lo para seguir seu caminho e aceitá-lo dentro de suas limitações e escolhas. Podemos sonhar com que eles serão médicos, professoras, e tantas coisas. Ele podem optar por algo completamente diferente. Assim com tudo na vida.


"Só num bebê podemos imprimir marcas de nossa personalidade"
Ouvi certa vez o depoimento de uma mãe com filhos biológicos e adotivo. O Carlinhos, caçula, adotado já com 5 anos, apresentava problemas de desenvolvimento motor. Ela disse: "ver um bebê se desenvolver é maravilhoso, ver o Carlinhos se desenvolver, mesmo que lentamente, é muito melhor!". Havia emoção e verdade na voz daquela mãe. Ela sabia o que estava dizendo. Ela estava influenciando, não só a personalidade, mas a vida desta criança, que talvez nunca fosse totalmente perfeita (quem o é?), mas, com certeza, ela será o melhor que puder ser, e isto para este filho e para esta mãe representa TUDO.
Basta olhar para a influência que ainda tem sobre nós a nossa família, pai, mãe, tia, irmãos. Eles sempre nos influenciam porque nós depositamos neles nosso afeto e nosso respeito, e o que eles nos dizem é importante. Claro que uma vez adultos, a influência é menor.

"Os laços de sangue são os mais fortes"
É uma velha e cultuada inverdade. Quantas vezes encontramos maior afinidade com estranhos do que com nossa própria família. Há pouco menos de 3 séculos (França), a vinculação mães-filhos, em especial na nobreza, era nula. Os bebês eram entregues a amas de leite até completarem 7 anos e, só então, reintegrados ao seio familiar. O estudo da história da humanidade nos mostra o quanto o ‘amor materno’ não passa de um mito. Amor se constrói e nasce da vontade e do desejo de amar, nada tem a ver com o sangue.
Portanto: os laços do afeto são os mais fortes.

"Todo filho adotivo que sabe de sua condição, procura seus ‘pais verdadeiros’"
Vamos deixar uma coisa muito clara: pais verdadeiros são os que exercem. São os que investem tempo, afeto, enfrentam desafetos, protegem, estimulam, orientam, acolhem. Para isto não precisam ser exatamente pais oficiais. Muitas vezes, tios, avós, irmãos, assumem estas funções e se transformam em ‘pais verdadeiros’, responsáveis.
Pode ser que alguns filhos adotivos manifestem o interesse de conhecer seus pais biológicos, mesmo porque, em alguns casos a identificação de algumas características físicas pode ser importante (a cor do cabelo, aquela marca na pele, o formato das mãos). Mas isto não que dizer que estes filhos irão viver com seus pais biológicos, mesmo porque seus pais não são os biológicos e sim aqueles que o estão criando e amando. Mas para uma maioria, isto nem passa pela cabeça. É algo desnecessário. Em algum momento, talvez, surja o interesse, ele talvez o manifeste, mas pode ser que seja apenas para ‘testar’ sua atitude. Se você concordar em acompanhá-lo, em estar com ele em cada momento, ele poderá se contentar com isto, se sentir seguro. Mas pode ser que ele decida ir à procura, então é fundamental que você esteja ao se lado. Que o acompanhe, o respeite, e o ampare. Ele tem que saber que você estará sempre ao seu lado, afinal, vocês são uma família.

"Vocês são especiais. Fizeram uma caridade, livraram este menino do mundo das ruas"
Vocês não são especiais, são pais, como quaisquer outros, apenas começaram a construir esta relação a partir de uma adoção. Não há caridade na adoção. Mesmo porque, caridade é algo pontual, e um filho é para toda a vida! E este filho não tem que ser grato por isso. Ele tem que ser grato pelo afeto, pelo carinho, pela dedicação (e isto todos os pais e mães, adotivos ou não, deveriam dar). E vocês? Vocês devem ser gratos porque sem ele, como exerceriam esse afeto, a quem dariam o carinho, como saberiam o quão dedicados podem ser? É a presença deste filho que permite este exercício, e para isso não tem gratidão suficiente que caiba!
Não espero que vocês dêem um valor além da medida para a adoção. Desejo que dêem o devido valor. Que construam esta relação baseada na verdade, no compromisso eterno de crescerem juntos pais-mães-filhos, exercitando o que há de melhor dentro de vocês mesmos, e esperando pouco, para valorizar o muito que será fruto desta decisão consciente, construída dia a dia, a partir da intenção e do desejo de ser mãe, de ser pai e de transformar uma criança em filho através do amor.

Por Gabriela Schreiner

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Existe um tendência ainda comum de ‘classificar’ as atitudes das crianças adotivas justificando-as por conta de sua origem. Estudo mostram que há muito de herança genética sim, mas nem tanto que não possa ser modificado pelo meio, pela educação. E além disso, tende-se a ser menos tolerante com estas crianças, já por ter uma ‘justificativa’ para certas atitudes. Puro preconceito. Algumas marcas do passado podem comprometer certas crianças que, quando ajudadas por especialistas, conseguem superar muitas coisas. Mas a maioria delas não tem problema algum, antes de tudo são crianças.
Esteja sempre atento para perceber o que é oriundo do fato da infância ser uma etapa de descobertas e de teste de limites. Percebendo a injustiça, defenda-o e repreenda-o, afinal ele precisa ser orientado na arte do crescer.

Por Cintia Liana




quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Os nossos Guris

Resolvi começar o ano aqui com Chico Buarque. Bom começo!
Ao visitar o Blog "A queima roupa", que faz denúncias sociais em forma de arte, música e literatura, resolvi postar essa música, pois fala muito da realidade aqui tratada.
Penso que todos esses guris nas ruas das grandes cidades e favelas são nossos também. E partindo desse princípio, acredito que devamos pensar neles e, de algum modo, cuidar. Muitos desses guris são doados para adoção, mas precisamos de mais gente que queira fazer adoções de crianças maiores.
Esses guris são crianças, anjos que precisam de amor, cuidados, limites, educação. Por mais que os que estão matando e roubando mereçam uma vida digna, melhor, devemos lembrar que não são os memos que estão nos abrigos esperando por uma família.
Os que estão na marginalidade são usados por outros adultos para cometer crimes e os que estão nos abrigos não têm ninguém.
As crianças que não são adotadas e que não voltam para as suas famílias de origem, crescem nos abrigos e com 18 anos têm que sair e buscar outro lugar para morar.
Nem todos os abrigos são inscritos em projetos que profissionalizam os jovens que nele vivem.
Alguns adolescentes, por terem ótima relação com o abrigo e com quem nele trabalha, acaba por completar 18 anos e continua lá, trabalhando, ajudando.



Meu Guri
(Buarque de Holanda)

Quando, seu moço, nasceu meu rebento
Não era o momento dele rebentar
Já foi nascendo com cara de fome
E eu não tinha nem nome pra lhe dar
Como fui levando, não sei lhe explicar
Fui assim levando ele a me levar
E na sua meninice ele um dia me disse
Que chegava lá Olha aí Olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri
E ele chega

Chega suado e veloz do batente
E traz sempre um presente pra me encabular
Tanta corrente de ouro, seu moço
Que haja pescoço pra enfiar
Me trouxe uma bolsa já com tudo dentro
Chave, caderneta, terço e patuá
Um lenço e uma penca de documentos
Pra finalmente eu me identificar, olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri
E ele chega

Chega no morro com o carregamento
Pulseira, cimento, relógio, pneu, gravador
Rezo até ele chegar cá no alto
Essa onda de assaltos tá um horror
Eu consolo ele, ele me consola
Boto ele no colo pra ele me ninar
De repente acordo, olho pro lado
E o danado já foi trabalhar, olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri
E ele chega

Chega estampado, manchete, retrato
Com venda nos olhos, legenda e as iniciais
Eu não entendo essa gente, seu moço
Fazendo alvoroço demais
O guri no mato, acho que tá rindo
Acho que tá lindo de papo pro ar
Desde o começo, eu não disse, seu moço
Ele disse que chegava lá
Olha aí, olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri

...................

Um outro blog, "Em busca do eu", me presenteou mostrando um outro vídeo que tive o desejo de publicar aqui. Mostra crianças do morro sambando ao som de Chico Buarque.



Mostro esse vídeo com a intenção de refletirmos sobre a alegria, a ingenuidade e a esperança das crianças do morro, dançando com tanta ternura.

Será que realmente a delicadeza deste País está perdida?

Por Cintia Liana