"Uma criança é como o cristal e como a cera. Qualquer choque, por mais brando, a abala e comove, e a faz vibrar de molécula em molécula, de átomo em átomo; e qualquer impressão, boa ou má, nela se grava de modo profundo e indelével." (Olavo Bilac)

"Un bambino è come il cristallo e come la cera. Qualsiasi shock, per quanto morbido sia
lo scuote e lo smuove, vibra di molecola in molecola, di atomo in atomo, e qualsiasi impressione,
buona o cattiva, si registra in lui in modo profondo e indelebile." (Olavo Bilac, giornalista e poeta brasiliano)

Mostrando postagens com marcador a procura das origens. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador a procura das origens. Mostrar todas as postagens

sábado, 12 de maio de 2012

Filha procura mãe biológica


Estive olhando sua página na internet (blog), pois estava procurando assunto relacionado ao tema (mães que abandonam) e acabei encontrando sua página. Vou torcer para que a senhora leia meu e-mail e responda.

Minha historia é a seguinte:

Me chamo Clarisia Laiana da Silva e Silva (tenho orkut e facebook onde conto minha historia, inclusive na página da Sandrinha, comunidade procuro mãe biológica), tenho 27 anos, nasci em 1 de abril de 1985. Nao sei qual foi a maternidade, nao sei nada, apenas a data que consta na certidão (adoção a brasileira). Minha mãe biológica me abandonou logo após o nascimento, não sei nada a meu respeito, minhas origens. Fui adotada e dentro do possível bem criada, bons colégios, uma boa casa e meus pais são carinhosos, mas não tenho irmãos adotivos.

Só me contaram oficialmente da adoção aos 21 anos, mas sempre soube que era adotada, a gente sabe, sempre sabemos, não precisa contar, parece que uma voz, algo dentro de nós diz que fomos rejeitadas. Por mais amor que uma criança receba no lar adotivo, a rejeição sempre estara em primeiro lugar. Essa é a ordem dos fatos. Primeiro há uma rejeição, para que depois aja a adoção. Posso falar por mim, nunca se supera um abandono, é insuperável, e não acredito que exista alguém neste mundo que conviva felizmente com isso.

Sou casada, formada, tenho dois filhos maravilhosos, e já passei necessidade, mas jamais abandonaria meus filhos.

Até hoje procuro minha mãe biológica, mas até agora nada, chego a acreditar que ela sabe que estou a sua procura, mas não quer ser encontrada.

Na verdade estou mandando este e-mail, porque muito se fala a respeito do abandono materno, focando apenas na adoção, mas não há muitos estudos a respeito dessas mulheres.

Tenho a impressão que depois que uma mulher abandona sua filha, ela some, desaparece do cenário mundial. Nao sei se isso é real ou se é apenas um mecanismo de defesa de minha parte, visto que sou uma filha abandonada que tenta compreender o porque da mae ter escolhido esta péssima opção.

Ja fiz psicoterapia, fui a igreja, conversei com outras pessoas a respeito, mas não adianta, essa dor não passa. Acredite, não existe nada pior do que ser abandonada pela própria mãe. Uma mulher que decidi entregar seu filho a adoção nao sabe o que é amor. Escuto pessoas que dizem que quando a mãe entrega a criança com todos os cuidados a um hospital, a um casal, ela na verdade está protegendo o filho, mas discordo.

Todos os dias eu penso onde ela está... E principalmente... Será que ela se arrependeu? Já que a maioria segue com sua própria vida sem olhar para trás...

São perguntas que ficarão para sempre sem respostas. Mas acredito que um dia eu retorne para a psicoterapia, não para superar o que é insuperavel, mas é bom buscar ajuda sempre.

Obrigada.

************
 
Obrigada por responder, fiquei muito feliz. Em relação a minha história pode publicar, pode colocar meu nome verdadeiro (Clarisia Laiana da Silva e Silva Tavares. Data de nascimento: 1º de Abril de 1985. Fortaleza, Ceará). Até porque não tenho problema algum em expor, pelo contrário, já coloquei minha história no orkut, no facebook, tem até foto minha, até já pensei em colocar uma foto minha quando bebê.
 
Penso que falar, mostrar, divulgar, me faz bem, quando conversamos e mostramos nossos problemas para as pessoas parece que a nossa dor melhora, sinto uma sensação de alivio, me sinto mais confortável em dividir a minha angústia, até porque sei que existem muitas pessoas passando pelo mesmo problema. Pode postar meu e-mail, minha história, as pessoas vão ler e se identificar e quem sabe aconteça um milagre, alguém ler e reconhece minha história, até a própria mãe biológica, nada é impossivel.  Mais uma vez obrigada por responder meu e-mail, obrigada pela atenção.

As dúvidas são muitas, lendo seu -email em relação a pessoa que doou o 3º filho... Sempre penso, o que leva uma mãe a doar todos seus filhos? Ou o que leva uma mãe a doar apenas um de seus filhos? Acredito que quando uma mãe entrega um filho, ela deve estar em um momento de grande desespero, ou infelizmente ela também ja foi abandonada. Eu nao fui abandonada apenas pela minha mãe biologica, fui abandonada por duas familias, a familia materna e paterna. Por isso quando penso na minha mãe biológica, logo tenho a certeza de que se tratava de alguem sem extrutura familiar alguma. O problema é que adoção (que para mim é um ato de amor e coragem, pois ainda há muito preconceito) dá a oportunidade de que a criança cresça em um lar, receba amor, atenção e se desenvolva, mas em contrapartida continuamos (isso é fato) a viver com a rejeição. E a esperança de um dia encontrá-la. O que nós filhos queremos (não todos é claro, mas a maioria) nossos pais adotivos, a sociedade, os amigos, o dinheiro, ninguém pode nos dar, apenas ela, a mãe biológica.
 
Infelizmente não temos o apoio necessário para encontrarmos nossa origem biológica. Graças a Deus existem comunidades, "Filhos adotivos do Brasil" que dá apoio, sites, blogs que falam da adoção, psicólogos, e a nossa fé.
 
É assim que eu vivo cada dia, buscando respostas, tentando entender, não é facil, penso em minha mãe biológica todos os dias, possíveis irmãos, avós, pai, minha história... E não vou desistir de encontrá-la.
Obrigada
abraços

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Mulher adota filha biológica mais de 40 anos após sequestro por babá

Ronique 'Pepper' Smith, de 41 anos, passou a vida tentando descobrir sua verdadeira história.

KTLA News

14/07/2011 09h44

Uma americana adotou a própria filha biológica em um tribunal de Los Angeles mais de 40 anos depois de ela ter sido sequestrada pela babá.

Ronique 'Pepper' Smith, hoje com 41 anos, foi levada de casa aos três meses de idade pela babá, Shirley Berthelot. A mãe dela, Jolene Coleman, diz ter passado a vida tentando achar a menina, sem sucesso.

O reencontro só foi possível, tanto tempo depois, devido a uma série de coincidências.

Adoção
Após sequestrar Ronique ainda bebê, Shirley teria dado a menina para uma amiga, Barbara Christie, que a adotou legalmente junto com o marido, Robert, e deu a ela o nome de Rhonda Patricia Christie.

Neste momento, os direitos legais de Coleman em relação à filha terminaram, apesar de ela nunca ter sido contactada sobre o assunto, segundo suas declarações à imprensa local.

Quatro anos depois, Shirley sequestrou a menina novamente. Agora sob o nome de 'Pepper Smith', a menina passou a ter uma vida nômade, morando em trailers e hotéis de beira de estrada e indo muito pouco à escola.

Em declarações a jornais locais, ela contou que se lembrava de um quarto cor-de-rosa e de uma mãe carinhosa e que sabia que tinha sido sequestrada, mas nunca teve uma pista sobre sua verdadeira identidade.

Shirley morreu de câncer, em 1986, quando Pepper tinha 16 anos, mas teria se recusado a dar qualquer informação sobre a família da jovem.

KTLA News

Documentos
A vida inteira, Pepper enfrentou problemas por não ter documentos. O problema se agravou quando ela teve uma filha.

Segundo o Nevada Appeal News Service, tudo o que ela tinha era uma data de nascimento, 16 de setembro de 1969, e a lembrança de que seus pais se chamavam 'Bobby e Bobby'.

Em 2010, uma funcionária de um cartório da Califórnia deduziu que Bobby poderia ser um apelido para Barbara e encontrou uma certidão de nascimento. Pepper era 'Rhonda Patricia Christie', a filha adotiva de Barbara e Bob Christie.

Pepper foi atrás da família e encontrou a mãe adotiva lutando contra um câncer terminal, mas muito feliz em reencontrá-la.

Desenrolar
A história ganhou destaque no noticiário americano e teria sido assistida na TV por Jolene Coleman, a mãe biológica, que reconheceu a filha.

Coleman contactou a advogada de Pepper, Gloria Allred, e passou por um exame de DNA que confirmou a relação entre as duas.

Pepper ganhou então mais uma mãe, que decidiu então adotá-la legalmente em um tribunal de Los Angeles.

'Pela primeira vez na minha vida, me sinto uma pessoa inteira... não mais fragmentada. Eu sinto que posso ter orgulho, falar meu nome com confiança, sabendo que sou eu', disse Ronique 'Pepper' Smith a jornalistas.

'É um milagre que eu nunca achei que iria acontecer. E eu sou muito agradecida', disse Coleman.


Postado Por Cintia Liana

sábado, 19 de março de 2011

Criança adotada terá mais facilidade em descobrir detalhes sobre pais biológicos

Foto: Google Imagens

Por Ed Wanderley

Para facilitar a recuperação de informações sobre a origem de crianças adotadas, bem como informações relevantes sobre seu passado, até o próximo dia 24 de março, cerca de 13 mil processos referentes a guarda e adoção, de 143 comarcas do estado, estarão concentrados em uma central de arquivos no Centro Integrado de Crianças e Adolescentes (Cica), no Recife. Os documentos serão organizados e digitalizados até o final de 2011. A iniciativa, pioneira no Brasil, envolve adoções concluídas desde 1990 em todas as cidades pernambucanas e deve agilizar a localização de informações sobre pais biológicos de todas as crianças e adolescentes com menos de 21 anos que tenham sido adotadas neste período. O novo modelo não altera os atuais parâmetros para que um casal obtenha a guarda de uma criança, mas facilita a prestação de informações à mesma caso ela tenha curiosidade sobre a própria origem.

Até o momento, 4.604 processos já estão disponíveis na rede interna do Judiciário, por meio de uma ferramenta batizada de ′Sei quem sou`. Dessa forma, as comarcas de todo o estado deixam de lado os entulhos de papel e passam a operar apenas com dvds e cópias virtuais dos documentos, exibidos com assinaturas, fotografias e laudos, em formato pdf. Atualmente, cidades como Abreu e Lima, Bom Conselho, Bonito, Buenos Aires, Cabo de Santo Agostinho, Igarassu e Tracunhaém, além de outras 10 espalhadas pelo estado já devem receber, nos próximos dias, todo o conteúdo processual em formato digital.

A mudança atende a uma exigência antiga, regida pela lei 12.010, de 2009, que alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e passou a ser conhecida como Lei Nacional da Adoção. O texto exige a adequação do sistema judiciário nacional alterando a antiga lógica de que profissionais envolvidos em uma adoção poderiam ser presos por deixarem `rastros` que revelassem detalhes de uma adoção e passando a tornar o processo mais transparente, assegurando ao jovem o direito básico à informação por meio de documentos, que devem ser conservados em longo prazo. "É uma forma de eternizar o material, permitindo que estes dados contribuam para a formação cultural e emocional da pessoa. Tomamos a liberdade de ser promover a digitalização de anos anteriores justamente para garantir o acesso e conservação destas informações não apenas para cumprir a lei, mas sobretudo para preservar este direito de todos saberem `de onde vieram`", afirma o diretor do Forum do Recife, Juiz Humberto Vasconcelos.

Ainda este ano, todos os processos referentes a adoção do estado ficarão armazenados fisicamente na Central de Processos, em uma nova dependência que será construida no Cica. Em todas as comarcas do estado, será possível adquirir cópias dos processos por meio de arquivos digitais, disponibilizados em cds ou em arquivos salvos em discos removíveis, a exemplo de pen drives. O atendimento, no entanto, continua descentralizado. Mesmo em caso da criança ser jovem, lhe é assegurado o direito à informação, que será fornecida por meio de uma equipe de psicólogos, pedagogos e assistentes sociais que avaliarão a melhor forma de explicar o processo de adoção à mesma.

De acordo com a coordenadora do projeto, Tereza Silgueiro, este é apenas o primeiro passo do processo de digitalização, que vai não apenas agilizar o manuseio e processamento das informações por partes de magistrados, mas também otimizar o fornecimento desses dados à população. "Caminhamos para a virtualização completa, em que o próprio processo já nasce no ambiente digital. É uma forma de evitar que documentos sejam perdidos ou danificados, dar agilidade à consulta, saindo do antigo trabalho de `garimpo` para a disponibilidade de documentos de qualquer computador", explica. O acesso às informações, no entanto, continua restrito aos profissionais da área, uma vez que este tipo de processo normalmente corre em segredo de justiça.

Repercussão - Segundo o presidente do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), desembargador José Fernandes de Lemos, a experiência vem sendo produtiva e servirá de modelo para os próximos passos da virtualização do judiciário, que terá início ainda este mês. Isso porque Pernambuco e São Paulo foram os estados escolhidos pelo Conselho Nacional de Justiça para abrigar o projeto-piloto de processos judiciais eletrônicos. Dessa forma, o Quinto Juizado Cível e das relações de Consumo passará a operar, a partir do próximo dia 31 de março, de forma totalmente digital, eliminando o uso do papel e passando por procedimentos de classificação e movimentações automáticas, sem a necessidade de ação humana, o que deve acelerar todo o processo. "Até o mês de julho, vamos inaugurar a Central de Juizados Especiais, que reunirá todos os juizados cível, de consumo e da fazenda em um único local, onde os processos já vão nascer eletrônicos", explica. A central será instalada na Avenida Mascarenhas de Moraes, na Imbiribeira.



Postado Por Cintia Liana

terça-feira, 4 de maio de 2010

Falar e Ouvir a Verdade como Processo de Cura

Foto: Ingrid Cristina (Flickir)

Caros leitores, o texto abaixo também se aplica muito acertivamente a adoção.
As marcações em rosa são minhas, para chamar a atenção para pontos chaves que podem se aplicar a crianças adotadas que sofreram maus tratos, que por algum motivo apresentam problemas de comportamento, que têm dificuldade em lidar com sua história ou com sua condicão de adotado.

Acima de tudo pais adotivos devem entender a importância da verdade sobre a adoção e sobre a história inicial da criança. A necessidade de criar um canal de diálogo aberto sobre a história dela, sobre possíveis dores vividas e a "permissão" na família para falar sobre isso até se esgotar as todas as possibilidades é fundamental.
Deve ser reconhecida a importância de uma possível busca de informações sobre as origens e também um confronto com os pais biológicos, caso esse seja o desejo do adotado.

"Todo ser humano precisa da verdade sobre a sua existência para apropriar-se desta e organizar-se dentro de sua própria vida." (Cintia Liana)

_______________________________________________


Foto: Lubs Mary (Flickir)

DIZER A VERDADE ÀS CRIANÇAS
Alice Miller
Tradução para o francês de Pierre Vandevoorde (janeiro 2007)
Tradução em português Mirian Giannella (maio 2010)

Tento às vezes imaginar como alguém, que teria crescido em um planeta onde não vem à ideia de ninguém de bater numa criança, como poderia sentir as coisas. Um dia talvez, graças aos progressos da investigação espacial, poderemos viajar de planeta em planeta, e saber como seres com costumes completamente diferentes abordarão a nossa terra. O que passará na cabeça e coração de um deles quando vir humanos adultos e vigorosos lançar-se sobre pequenas crianças sem defesa e golpea-las num impulso de fúria?

É ainda corrente hoje crer que as crianças não têm sentimentos, e estar persuadido que o que se pode fazer-lhes sofrer não tem consequências, ou a rigor de menor importância que nos adultos, precisamente porque são “ainda crianças”. É assim que até recentemente, cirurgias em crianças sem anestesia ainda eram autorizadas. Mais ainda, circuncisão e excisão são consideradas em muitos países como costumes tradicionais legítimos, da mesma maneira que os ritos de iniciação sádicos.

Golpear adultos é tortura, golpear crianças é educação. Isto não seria suficiente para evidenciar claramente uma anomalia que perturba o cérebro da maior parte das pessoas, “uma lesão”, um buraco enorme no lugar onde deveria se encontrar a empatia, em especial PARA COM as CRIANÇAS? Esta observação é suficiente para provar a precisão da tese na qual o cérebro das crianças espancadas guarda sequelas, porque quase todos os adultos são insensíveis à violência que sofrem as crianças!

Já que as torturas que sofrem as crianças são rejeitadas e negadas por todo mundo, pode-se supor que este mecanismo (de proteção) é constitutivo da natureza humana, que poupa sofrimentos ao ser humano e teria, consequentemente, um papel positivo. Mas há pelo menos dois fatos que contradizem esta afirmação. Primeiro, é precisamente quando os maus tratos são negados que são transmitidos à geração seguinte, impedindo assim a interrupção da cadeia de violência, e em segundo lugar, é a recordação do que foi sofrido que permite o desaparecimento dos sintomas de doença.

Já foi estabelecido que colocar em palavras as agressões sofridas pela criança na presença de um testemunho que se compadece conduz ao desaparecimento dos sintomas físicos e psíquicos (como a depressão); este fato nos obriga a procurar outra forma de terapêutica, pois não é se fazendo de aliado da recusa que se encontra a via da liberação, mas confrontando-se à sua própria verdade com tudo que possa ter de doloroso.

No meu entender, as mesmas conclusões aplicam-se à terapia das crianças. Como a maior parte das pessoas, eu também, durante muito tempo estava convencida de que as crianças têm absolutamente necessidade de ilusão e de recalcamento para poder sobreviver, porque seria demasiado doloroso para elas se encontrar face à verdade. Mas, hoje, estou convencida de que o que vale para os adultos, vale para elas, também: aquele que conhece a verdade da sua história está protegido de doenças e perturbações de todas as ordens. Mas para isto, a ajuda de seus pais lhe é indispensável.

Hoje, muitas crianças apresentam problemas de comportamento, e as propostas terapêuticas são também numerosas. Infelizmente, repousam, em geral, sobre concepções pedagógicas nas quais seria possível e necessário inculcar adaptação e submissão à criança “difícil”. Trata-se da terapia comportamental mais ou menos bem sucedida, que consiste numa espécie de “reparação” da criança. Todas as alternativas tentam calar ou ignorar o fato de que cada criança com problemas exprime a história das violações a sua integridade, que começa muito cedo na sua vida, como mostra o meu trabalho de investigação (ver meu artigo de 2006 “a impotência das estatísticas”), (ainda não publicado em francês), entre zero e quatro anos, enquanto o cérebro está em formação. A maior parte do tempo, esta sua história fica recalcada. No entanto, não se pode realmente ajudar um ser mortificado a tratar suas feridas se se recusa a olhá-las de frente. Felizmente, as perspectivas de cura são melhores para um organismo jovem, o que é também verdade para o psiquismo. O primeiro passo a fazer seria, então, preparar-se para olhar as suas feridas, para leva-las a sério e deixar de negá-las. Isso não tem nada a ver com “reparar os problemas” da criança, trata-se pelo contrário de tratar das suas feridas pela empatia e informações justas e verdadeiras.

Para que a criança alcance seu pleno desenvolvimento emocional (sua maturidade verdadeira), ela precisa mais do que apenas a aprendizagem do comportamento adaptado à norma.
Para que não ganhe mais atraso, depressão, nem distúrbios de alimentação, de modo que não caia também na droga, tem necessidade de ter acesso à sua história. 

Penso que com crianças maltratadas, os esforços educativos e terapêuticos bem intencionados estão condenados ao fracasso se a humilhação vivida nunca for evocada, em outros termos se a criança permanecer sozinha com o seu vivido.

Para levantar o véu que pesa sobre este isolamento (a solidão face ao seu segredo), os pais deveriam ter a coragem de confessar o seu erro à criança. Isso alteraria completamente a situação. Durante uma discussão tranquila, poderiam, por exemplo, dizer-lhe: “Nós te batemos quando era ainda pequeno, porque nós também fomos educados assim e pensávamos que era necessário. Mas agora, sabemos que nunca deveríamos ter nos autorizado a isso e pedimos desculpas pela humilhação que te fizemos sofrer e as dores que isto te causou, nunca mais o faremos. Lembre-nos esta promessa caso a esqueçamos”.

Há 17 países nos quais esta prática já caiu sob o golpe da lei, onde é simplesmente proibida. Durante as últimas décadas, cada vez mais pessoas de fato compreenderam que uma criança espancada vive no medo, cresce no temor permanente da próxima violência. Isto altera muitas de suas funções normais. Entre outras coisas, ela não será capaz de se defender se for atacada ou então o medo provocará uma reação violenta em retorno, fora de proporção.

Uma criança que vive no medo pode dificilmente se concentrar nos seus deveres, tanto em casa como na escola. A sua atenção fica menos focada no que deveria saber e mais no comportamento dos professores ou pais, porque não sabe nunca quando a mão deles vai reagir. O comportamento dos adultos parece-lhe totalmente imprevisível, deve então estar constantemente em alerta. Perde a confiança nos pais que deveriam, como é o caso em todos os mamíferos, proteg-la das agressões externas, e em nenhum caso atacá-la. Mas sem a confiança nos pais, a criança se sente muito desprotegida e isolada porque toda a sociedade está ao lado dos pais e não ao lado das crianças.

Estas informações não são para a criança revelações, pois seu corpo sabe tudo aquilo. Mas a coragem dos pais e a decisão de não mais fugir aos fatos terá, sem dúvida, um efeito benéfico, liberador e duradouro. E é um modelo de grande importância que é apresentado, não somente em palavras, mas numa atitude de coragem de ir fundo no que pensa, e também de respeito à verdade e à dignidade da criança, e não mais violência e falta de controle de si.

Como a criança aprende com a atitude dos pais e não com as suas palavras, há apenas efeitos positivos a esperar de tal confissão. O segredo o qual a criança era a única portadora doravante foi nomeado e integrado na relação, que pode agora estabelecer- se com base no respeito mútuo e não no exercício autoritário do poder. As feridas caladas até então podem se curar porque não permanecem mais armazenadas no inconsciente. Quando crianças informadas tornam-se por sua vez pais, não correm mais o risco de reproduzir de maneira compulsiva o comportamento, às vezes, muito brutal ou perverso dos pais, não são empurrados para isso pelas suas feridas recalcadas.

O arrependimento dos pais apaga as histórias trágicas e priva-as de seu potencial perigoso. A criança espancada por seus pais aprende deles a reagir pela violência, isto é incontestável, e qualquer professor de maternal poderia confirmar se se autorizasse a ver o que lhe é dado a ver: A criança espancada em casa bate na mais fraca na escola assim como na família. E recebe uma punição quando bate no seu irmãozinho(a) , e assim não compreende nada na marcha do mundo. Não foi o que aprendeu dos pais? É assim que nasce bem cedo uma desordem que se manifesta na forma de “perturbação”, e que leva a criança à terapia.

Mas ninguém se arrisca a atacar as raízes deste mal, que, no entanto, é tão evidente. A terapia pelo jogo com terapeutas dotados de forte sensibilidade pode certamente ajudar a criança a exprimir-se e ganhar confiança em si mesma num enquadre protegido e sempre o mesmo. Mas como o terapeuta faz silêncio sobre as primeiras feridas abertas no passado, a criança permanece, em geral, sozinha com o que viveu. Mesmo o mais dotado dos terapeutas não pode levantar este véu se a preocupação de proteger os pais o faz hesitar a levar plenamente em conta as feridas dos primeiros anos. Mas não cabe a ele falar com a criança, pois suscitaria imediatamente o medo de ser punida pelos pais. O terapeuta deve trabalhar com os pais sozinhos e deve lhes explicar em que o fato de falar poderia ser liberador para eles e para a criança. Certamente, nem todos os pais vão aceitar esta proposta, ainda que lhes seja feita por terapeutas, o que seria evidentemente desejável. Alguns rirão sem dúvida desta ideia e dirão que o terapeuta é ingênuo e não sabe a que ponto as crianças são dissimuladas e procuram certamente explorar a bondade dos pais. Não é de surpreender tais reações, porque a maior parte dos pais vê nos filhos os seus próprios pais e têm medo de confessar um erro, pois antes pesadas punições o ameaçavam após os erros. Agarram-se à máscara da sua perfeição e é bem provável que sejam incapazes de se corrigir.

Quero contudo crer que todos os pais não são incorrigíveis torturadores. Penso que apesar deste medo, há muitos pais que gostariam de renunciar à esta relação de poder, que tinham há muito tempo vontade de ajudar seus filhos mas que até então não sabiam como fazer, porque sentiam medo da ideia de se abrir sinceramente à eles.

É muito provável alguns pais chegarão mais facilmente a uma discussão honesta sobre “o segredo” e que é pela reação de seu filho que farão a experiência dos efeitos positivos da revelação da verdade. Constatarão, então, por si mesmos como os valores que pregam autoritariamente são inúteis se comparados à confissão sincera dos seus erros, condição indispensável para que o adulto se veja conferir a verdadeira autoridade, por ser credível.

É evidente que qualquer criança tem necessidade de tal autoridade para encontrar o seu caminho no mundo. Uma criança a quem foi dita a verdade, que não foi educada para se acomodar com mentiras e atrocidades, pode desenvolver todas as potencialidades, como uma planta em boa terra cujas raízes não são presas de animais peçonhentos (as mentiras).

Tentei testar esta ideia com amigos, perguntei aos pais, mas também às crianças, o que pensavam. Constatei então que era mal compreendida, que os meus interlocutores interpretavam o meu propósito como se se tratasse de desculpar os pais. As crianças respondiam que era necessário ser capaz de perdoar os pais, etc.

…Mas a minha ideia está longe disso. Se os pais se desculpam, as crianças podem ter o sentimento que se espera delas o perdão para descarregar os pais e liberá-los de seus sentimentos de culpa. Seria pedir demais à criança. Em contrapartida, o que tenho em mente, é uma informação que confirma o que a criança sabe na sua carne e confira um lugar central ao que viveu. É a criança que está em foco, com os seus sentimentos e as suas necessidades. Quando a criança observa que os pais se interessam pelo que ela sentiu nos momentos de exagero, ela vive um grande alívio ligado a uma sensação confusa de justiça… Não se trata aqui de perdão, mas da evacuação de segredos que separam. Trata-se de construir uma relação nova, fundada na confiança mútua, e de levantar o véu que isolava a criança espancada, até então.
Uma vez que do lado dos pais o reconhecimento da ferida tem lugar, muitas vias obstruídas liberam-se, num processo de cura espontâneo. É dos terapeutas que se espera tal resultado, mas sem o concurso dos pais não pode acontecer.

Quando os pais se dirigem à criança com carinho e respeito, e reconhecem sinceramente a sua falta, sem dizer: “foi você que me levou a fazer aquilo pelo teu comportamento“ , muitas coisas se alteram. A criança recebe modelos que lhe permitem encontrar o seu caminho, não tenta mais evitar as realidades, o objetivo não é mais o de “reparar” de modo que agrade mais aos pais, mostra-se que se pode colocar a verdade em palavras e sentir a sua potência curativa. E, sobretudo: que ela não precisa mais se sentir culpada pelos erros dos pais já que eles reconhecem a sua culpa.

Nos adultos, tais sentimentos de culpa estão geralmente na base de muitas depressões.

Autor: Alice Miller
Embora, este texto trate das violências físicas como espancamentos, são muitos os casos em que a verdade dos abusos não é revelada, como se o pai tivesse todos os direitos sobre os filhos. Sem a nomeação do agressor a criança só pode ficar perdida. Pedir desculpas pelos exageros faz bem!
Mirian Giannella

Tradução para o português: Mirian Giannella
giannell@uol. com.br
Observatório da Clínica
http://giannell. sites.uol. com.br/EGCdoB. htm
Blog Apoio às Vítimas http://apoioasvitim as.blogspot. com

@@@@@@@@@@@@@@

Indicação de filme:
Hoje assisti um filme lindo na GNT. "Pelo amor de uma criança".

Pelo Amor de uma Criança
Filme / Drama
Nome Original: For the Love of a Child
Direção: Douglas Barr
Elenco: Peri Gilpin, Teri Polo, Maria del Mar, John Pyper-Ferguson, Matthew Knight, Emily Hirst, Jake D. Smith, David McNally, Rod Heatheringston, Marty Antonini
País: Canadá/EUA
Ano: 2006
Duração: 80 min
Cor: Colorido
Classificação: Programa para jovens e adultos


Sinopse:
Baseado no romance "Silence Broken", de Sara O'Meara e Yvone Fedderson, o filme conta a história de duas mulheres - interpretadas por Peri Gilpin e Teri Polo - , na luta para denunciar os maus tratos que as crianças sofrem dos adultos. Elas recolhem e tratam de crianças abusadas, órfãs, depois que encontraram Jacob, um menino que estava amarrado a uma cama. Apesar da terapia, ele não esquece dos terríveis pesadelos. Os pais saem da prisão e querem a criança de volta. Os pesadelos continuam até a descoberta de que ele foi testemunha de um assassinato cruel.

Fonte:
http://www.hagah.com.br/programacao-tv/jsp/default.jsp?uf=1&local=1®ionId=1&action=programa&canal=GNT&operadora=13&programa=0000156700&evento=000000007529866canal=GNT&operadora=13&programa=0000156700&evento=000000007529866


Por Cintia Liana

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

A Procura das Origens

Apresento-lhes outro texto, o qual gosto muito. Acredito ser fundamental para quem vai adotar e para quem já adotou. Foto: Blog Scienze

Título: A Procura das Origens
Autor:
Mirta Videla

Data: 26/03/1998
Fonte: Boletim "Uma família para uma criança" – Fernando Freire (org) - ano I nº 2

Até há pouco tempo existiam muitas dúvidas sobre este tema, para muitos era um verdadeiro dilema. Atualmente em nosso país, por aquilo que foi vivido, já ninguém duvida do direito de toda criança a conhecer a verdade acerca de sua origem, visto que ela lhe pertence tanto quanto a sua própria vida.
Quando se adota uma criança começa uma outra história, a partir de sua chegada. Mas, antes disso, a criança teve uma pré-história, de sangue, de recém-nascido em outros braços, de cultura, de parentesco. As razões pelas quais ela perdeu tudo isso podem ser de diferentes ordens, mas ninguém pode negar-lhe o direito a estar informada a respeito.
Se a informação sobre essa história prévia não lhe é dada, ela perde parte de sua biografia, de sua trajetória anterior, que se encontra registrada em seu inconsciente, é parte da carne de seu corpo e esse corpo jamais poderá ser reduzido ao silêncio.
As belas palavras de Françoise Dolto ficaram marcadas entre os psicólogos dedicados ao tema. Ela manifestava sua preocupação de "que deve ficar muito clara a importância de dizer a verdade ", essa verdade que os adultos comunicam às crianças, que a desejam não apenas de forma inconsciente, mas que a necessitam e têm direito a conhecê-la. Deve ser questionado o "silêncio enganador que gera angústia". A verdade pode ser freqüentemente dolorosa, mas, se ela é dita, permite que a pessoa possa reconstruir-se, e humanizar-se.
Dolto dizia com muita firmeza que ente a criança e seus pais existe um permanente intercâmbio de mensagens. A criança tem a necessidade da verdade para desenvolver suas potencialidades humanas.
As histórias cheias de silêncio pertencem a vidas sem sentido. A criança adotada é um verdadeiro "aprendiz de historiador", que deve travar verdadeiras batalhas e organizar estratégias para buscar os pedaços de sua vida, que desapareceram no ocultamento dos adotantes. Ela deverá transformar as informações fragmentárias em uma construção histórica, uma construção que lhe permita ter a sensação de "continuidade temporal ". Se trata de um processo que reconstrói o passado em função do presente, com o olhar voltado para o futuro.
A criança não pode conhecer uma primeira etapa de sua vida, a não ser por meio de uma versão discursiva que lhe conta a história de sua chegada. A experiência neste tema, e tudo o que nos trouxeram os novos desenvolvimentos teóricos, já não nos permitem condutas tíbias ante aqueles que continuam duvidando a respeito da necessidade de que a criança adotada tenha acesso à sua verdade.
O ocultamento da verdade sobre as origens é tão grave como o de seqüestrar uma criança, é um verdadeiro delito afetivo, porque, de maneira premeditada, a criança está sendo privada de algo que é seu, produzindo assim um vazio em seu processo histórico, impossibilitando sua função de historiador de si mesma.
O acesso à verdade sobre suas origens não é o mesmo que a busca de um processo judicial, nem que a procura de uma aproximação com os familiares de sangue. Os juizes e técnicos coincidem atualmente no reconhecimento da importância de que a criança seja informada sobre a origem de sua vida. Mas não todos estão suficientemente informados sobre o alcance e as conseqüências da transmissão de acontecimentos vergonhosos, humilhantes, hostis e sinistros para a criança, tais como o incesto, a violação de sua mãe, a tentativa de assassinato, ou o fato de ter sido deixada em um terreno baldio.
Quando se fala "revelar" a verdade, devemos ter muito cuidado com a informação excessiva, com um estilo quase exibicionista, que oferece dados intoleráveis para a sensibilidade infantil. Nesses casos, a criança será obrigada a "tornar a velar", a ocultar, reprimir, desconhecer essa realidade atroz, da qual, lhe disseram, ela veio.
O respeito à criança não apenas significa reconhecer-lhe o direito a saber quem é e de onde veio, mas também o de entender essa realidade na sua dimensão de criança, de frágil estrutura, em crescimento e em formação de sua identidade. Uma boa comparação é a de que a criança deve ser informada como se estivesse sendo alimentada, não se poderá dar carne e batatas fritas a um lactante, nem tampouco mamadeira àquela que começa a sua escolaridade.
Sem necessidade de ser ultra-informado em todos os detalhes, a criança descobrirá por si mesma, a realidade do seu existir, isso se lhe foram dadas as bases favorecedoras de sua investigação, com informações iniciais, sem que a tenham intoxicado.
Juan era um rapaz de 17 anos ao qual os adotantes disseram que era filho de uma prostituta que tinha muitos outros filhos de muitos pais. Quando teve acesso aos dados de sua história, ele mesmo realizou a construção de sua história, e me disse bastante emocionado: "minha mãe na realidade era uma pobre mulher deficiente (é surda-muda), da qual abusaram, mas que me deixou viver, e isso é, muito importante para mim."
Muitos pais solicitam que lhes seja revelada a verdade acerca da procedência das crianças que estão para ser adotadas. Outras se negam a saber e afirmam que "a história do seu filho começa com eles."
Somos um país de profundas diferenças sociais. A maioria das crianças em estado de adotabilidade vem de setores sociais que vivem em condições de extrema pobreza, com suas necessidades básicas insatisfeitas. As crianças abandonadas levam o registro corporal da sua origem, da promiscuidade, da violência e do sofrimento vivido. Por isso, não é necessária muita criatividade para saber de onde vêm as crianças cujas famílias as abandonaram. Existe um grupo reduzido de crianças de mães adolescentes de razoável condição econômica que não puderam recorrer ao aborto no tempo oportuno.
O tema da informação necessária a ser transmitida à criança não deve ser confundido com uma atitude de "compulsão informativa". Ela necessita saber os dados de sua origem biológica, de sua procedência, mas também, e isso é de fundamental importância, deve ser informada sobre a expectativa do casal que a adotou, sobre o tempo de espera vivido, deve saber que ela foi desejada como filho e foi investida dessa condição, no momento de sua adoção.
Ainda que a criança possua um registro dos acontecimentos anteriores à adoção, ela também experimenta uma profunda necessidade de pertencer ao grupo familiar no qual foi criada, ainda que no fundo de si mesma os dados de sua origem tenham um papel psicológico secreto. As crianças aprendem aos poucos, algumas compreendem que em seu passado pode ter existido algo obscuro, do qual preferem não falar, pela necessidade de pertencer e não correr o risco de perder ainda mais.
É muito importante, em todas as circunstâncias e etapas do desenvolvimento de um filho adotivo, que não se confunda o direito à informação com a compulsão informativa, a qual funciona como engolir na alimentação, produz náuseas, e até vômitos por aquilo que foi recebido "em excesso".
A falta de informação homogênea e ampla relacionada a estes temas deve estimular a organização de cursos de especialização em matéria de adoção, destinado à capacitação de todos os técnicos responsáveis. Unificar critérios e ampliar o acesso à informação acerca do tema, é um dos requisitos necessários para evitar abusos, omissões e erros de funcionários e profissionais.
O dilema da verdade se coloca na adoção de recém-nascidos, e diferentemente, na adoção de crianças e adolescentes, que já possuem um registro consciente, recordações e vivências acerca de sua vida anterior Quando do primeiro filho adotado se ocultou a realidade sobre a sua origem, é bastante difícil a adoção do segundo filho. Se ocorreu o contrário, ele viverá a chegada do irmão como uma reafirmação de sua própria história. compartilhará o tempo de espera e os preparativos para a chegada.
O ocultamento da adoção transforma esse fato no que se denomina "segredo familiar, onde uns sabem, e outros não, e a família se transforma em uma rede de ocultamentos e desmentidos, absolutamente prejudiciais ao desenvolvimento da criança.
Os segredos familiares geram um clima de tensão permanente que sutilmente é transmitido à criança, que percebe algo oculto, misterioso e proibido, que não deve se atrever a indagar. As crianças dizem, em seus tratamentos, que se sentem como protagonistas de um quebra-cabeças que nunca conseguem montar, porque faltam peças que estão "nas mãos de outros ", seus professores, seus pais adotivos.
Quando se conta uma mentira para uma criança, ou se oculta urna realidade tão importante acerca de sua vida, é como se a sua identidade (comparável a um edifício) fosse construída com bases frágeis. Cresce, mas, frente à menor "ventania" é completamente demolida.
É necessário que os pais não convertam o relato sobre a origem em um momento solene. O tema deveria fazer parte do diálogo natural e cotidiano na família. Entendemos por diálogo não o dar informações, mas sim o estado de abertura e predisposição permanente às palavras, ao ouvir, ao responder aos questionamentos. Este diálogo entre pais e filhos é o que permite em ambos a elaboração da adoção como opção de constituição familiar. Talvez pudéssemos compará-lo, ainda que não seja equivalente, ao processo de esclarecimento acerca da sexualidade, onde a informação não é apenas aquela das respostas às perguntas, mas também a transmitida pelas atitudes que temos frente ao sexo da criança, ao seu corpo, aos seus desejos.
Nos grupos, os pais costumam me perguntar: " e se o menino pergunta coisas que não conhecemos?", "e se fica zangado com o que dizemos?", "e se não pergunta nunca nada? ", "e posso esperar que pergunte o quê? ", "e se quando pergunta já é tarde? ", "e se são os outros a falar? ", "se não pergunta, significa inevitavelmente que algo grave se passa? ", "como podemos dizer que não temos nenhum dado?"
Na realidade, no processo de comunicação acerca da adoção, como em qualquer outro processo relacionado com os fatos da vida, não é necessário propor de antemão um tempo especial para a conversa, nem tampouco nos tomar em obsessivos informantes, basta que tenhamos uma autêntica disponibilidade e abertura ao diálogo sobre os acontecimentos da vida familiar. Dentro deles, a historia da criança e a adoção serão apenas um fato a mais.
Recordemos finalmente que só quem pode crescer rodeado de realidades não ocultadas, e verdades que não ferem nem amedrontam, poderá ir construindo sua própria biografia, ser seu historiador. Dessa forma, sua estrutura ética será o sustentáculo de sua saúde mental.

Trechos extraídos de "Saber Acerca de Su Origen", Mirta Videla. Revista da Escuela de Psicopedagogia de Buenos Aires, nº1 - Abril/95.
Para receber o boletim "Uma família para uma criança" escrever para:
Caixa Postal - 18092
Curitiba/PR
Cep: 80811-970

Referência:
VIDELA, Mirta. A Procura das Origens. Boletim "Uma família para uma criança" – Fernando Freire (org.) - ano I nº 2. [online] Disponível em: http://cecif.org.br/tt_busca.htm. Acesso em: 20 de janeiro de 2007.


Postado Por Cintia Liana

Descobrindo que é adotado

Foto: Google Imagens

"Descobri que sou adotado"
(Matéria da revista enfoque - Por Nilza Valéria)


Berenice Silveira viu seu mundo desmontar quando tinha 12 anos. Sentada junto com primos e colegas na porta de casa, em Porto Velho, a conversa girava em torno das semelhanças que cada um tinha com seus pais. “Tenho o cabelo da minha mãe”, disse uma. Meu pé é igual ao do meu pai”, afirmou outro. Na vez de Berenice, depois de um silêncio, ela disse que seu jeito de andar era igual ao da mãe. Aí alguém retrucou: “Você pode ter aprendido a andar como ela, mas você não é filha dela.”

Até hoje, mais de 15 anos depois, Berenice não sabe quem falou aquilo. Possivelmente, uma prima mais velha. Mas foi como se abrisse um grande buraco e ela caísse dentro. “Aquela frase respondia tudo. Era a resposta perfeita para tudo o que eu sentia. Eu sabia que havia alguma coisa diferente comigo, mas não sabia o que era”, lembra. Hoje, com 28 anos, a advogada Berenice superou o trauma de ter descoberto ser filha adotiva numa brincadeira. “Não foi fácil. Dos 12 aos 16 anos, exigi dos meus pais uma explicação, queria saber de onde tinha vindo, por que eles tinham me escolhido e por que me esconderam a minha história.” A mãe de Berenice afirmou, e ainda afirma, que jamais contaria a verdade se a filha não tivesse descoberto: “Ela é minha filha e isso é tudo o que importa. Que diferença faz se sou loura e ela morena? Eu a amo e ponto final.” Berenice sabe que é amada. “Eles, meus pais, são a coisa mais importante da minha vida. Nunca duvidei de que era amada. Fui uma criança com uma infância feliz. Apenas notava que as diferenças físicas eram grandes e isso gerava uma inquietação. Quando parentes vinham nos visitar havia muito sussurro em casa, olhavam para mim e falavam baixo, como se houvesse segredos.”

ACERTANDO AS CONTAS COM O PASSADO

De acordo com a psicopedagoga Mirta Videla, é direito de toda criança conhecer a verdade acerca de sua origem. “Esta verdade pertence à criança tanto quanto a sua própria vida. Quando se adota uma criança, começa uma outra história, a partir de sua chegada. Mas, antes disso, a criança teve uma pré-história, de sangue, de recém-nascida em outros braços, de cultura, de parentesco. As razões pelas quais ela perdeu tudo isso podem ser de diferentes ordens, mas ninguém pode negar-lhe o direito de estar informada a respeito.”

Analisando o caso de Berenice e de tantos outros que sua vivência profissional já a fez ter contato, Mirta afirma que o sentimento de vazio, de diferença até os 12 anos de Berenice foi gerado pelos segredos familiares, que provocam um clima de tensão permanente. “A criança que percebe algo oculto, misterioso e proibido, não se atreve a perguntar. E ela fica se sentindo como protagonista de um quebra-cabeça que nunca consegue montar, porque faltam peças que estão ‘nas mãos dos outros’, os pais adotivos.”

POR QUE NÃO NASCI DE SUA BARRIGA?

Salvador de Rossi Anhaia, 23 anos, também foi adotado. E sempre soube disso. “Mesmo antes de eu entender, minha mãe falava que eu era adotado. Nunca fui tratado diferentemente e não entrei em crise por isso.” Quando chegou, recém-nascido, o casal já tinha três filhas naturais. “Meus pais desejavam um menino e não queriam tentar mais. Falo para todo mundo com muito orgulho da minha família.”

Karina Souza, 25 anos, foi adotada com menos de 1 mês de idade. Apesar da diferença racial – é negra, e os pais brancos –, diz nunca ter ficado em crise por ser adotiva, apesar de os pais só terem conversado com ela quando tinha 11 anos. “Quando me falaram, eu já sabia, e ia ficar mal por quê? Eles me deram tudo.” A mãe adotiva se colocou à disposição para apresentar a mãe biológica, caso Karina quisesse conhecê-la. “Nunca tive curiosidade. Eu amo a minha família.”

Salvador Anhaia diz que em alguns momentos sente curiosidade de conhecer a família biológica, mas não tem motivação para procurá-la “Imagino que eles não deviam ter condições de me criar. Às vezes, queria saber se tenho irmãos, mas nada que me faça virar o mundo para achá-los.” Com a mãe adotiva cristã, Salvador reconhece que Deus sabia que ele tinha de ser filho de quem é. “Havia um casal na fila de adoção antes dos meus pais. Eles ficaram comigo por um dia e depois fui levado para a minha família. Deus já sabia de quem eu devia ser filho.” Nem mesmo a separação dos pais, quando tinha 13 anos, abalou o orgulho de pertencer à família que o adotou. “Nunca me senti rejeitado. Eu sofri como sofre qualquer menino quando o pai sai de casa.”

Eduardo Lemos teve curiosidade. E muita. Apesar de saber da adoção desde os 4 anos de idade, quando completou 17 decidiu que queria encontrar a mãe, saber se tinha irmãos, queria entender sua história. “Meus pais não conseguiam entender por que eu estava fazendo aquilo. Eles achavam que o amor e tudo que me davam deveria ser suficiente para eu ser feliz. Só que pirei em saber que minha mãe de sangue me abandonou. Passei a beber, a me meter em encrenca.” Quando Lemos descobriu que a mãe biológica morreu de cirrose e quase foi enterrada como indigente, decidiu que sua história era outra. “Foi lendo o documento de óbito da minha mãe, onde se registrava que não deixou filhos, que me dei conta de que ser filho do coração foi o caminho que Deus usou para me salvar.” Dona Graça, a mãe adotiva de Eduardo, diz que sempre contou ao filho que o amor é o mais importante. “Eu dizia a ele do grande amor de Deus, que nos tornou Seus filhos, por adoção. Hoje ele entende plenamente isso. Tanto do nosso amor e principalmente do amor de Deus.”

NA REVOLTA

Gustavo foi adotado com 6 anos. E dois anos depois, devolvido à instituição. Os pais adotivos alegaram problemas financeiros. Aos 8 anos, uma nova adoção. “Você acha que é fácil saber que fui abandonado?”, indaga. Com 15 anos, ainda teme que a família adotiva não seja para sempre. “Não dá para saber até quando vão ficar comigo. Há uns parentes que acham que posso ser mau porque imaginam que meu pai biológico pode ser um cara mau. Tem uma irmã da minha mãe que tem medo que eu roube a bolsa dela. É muito esquisito. Até na igreja existe gente que acha que meus pais me fizeram um favor.”

Para Raniere Pontes, presbiteriano, que abandonou o curso de Teologia para se dedicar à promoção de direitos da criança e do adolescente, é latente, no caso de Gustavo, o sentimento de soltura que o impede de criar vínculos profundos. “O adotado também precisa aceitar a família que o adotou. E como na relação com Deus, em que nos tornamos filhos dEle por adoção, por meio de Cristo, temos de aceitar isso”, ensina Raniere, assessor de operações da ONG Visão Mundial.

Karina é jornalista. Quando estava na faculdade levou um grupo de amigas, com quem já convivia há meses, para assistir a um filme em casa. Dentro do carro, a caminho do bairro onde morava, no subúrbio do Rio, fez a revelação: “Preciso dizer para vocês que sou adotada, por isso, não estranhem por eu ser negra e meus pais brancos.” A revelação foi feita como quem conta o que comeu no jantar. “Era tão normal e tão natural para ela ser filha adotiva, ou ser filha, que ela quis evitar nosso constrangimento. Em todo período do curso de Jornalismo, ela fez uma ou duas menções sobre a adoção e muitas sobre a família. O quanto a mãe ‘pegava no pé’, o quanto exigia, o quanto era desconfiada com namorados. Foi legal perceber o quanto a mãe dela era igual à minha mãe”, afirma Ione Souza, casada, dois filhos e na fila de adoção, em São Paulo.





Por Cintia Liana