"Uma criança é como o cristal e como a cera. Qualquer choque, por mais brando, a abala e comove, e a faz vibrar de molécula em molécula, de átomo em átomo; e qualquer impressão, boa ou má, nela se grava de modo profundo e indelével." (Olavo Bilac)

"Un bambino è come il cristallo e come la cera. Qualsiasi shock, per quanto morbido sia
lo scuote e lo smuove, vibra di molecola in molecola, di atomo in atomo, e qualsiasi impressione,
buona o cattiva, si registra in lui in modo profondo e indelebile." (Olavo Bilac, giornalista e poeta brasiliano)

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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Entrevista sobre Adoção

Entrevista com a psicóloga Cintia Liana
Cedida a alunos do curso de Jornalismo da UNIVERSO em setembro de 2007
Foto: A Psicóloga Cintia Liana Reis em entrevista

Quais são os motivos que levam uma mãe a abandonar um filho?

Essa resposta é bem complicada, mas vou simplificar ao máximo.
Falta de interesse em ter o filho, gravidez não planejada acompanhada de sérias dificuldades financeiras, falta de apoio do genitor da criança e/ou da família, falta de amor pelo filho, etc.
As pessoas pensam muito pouco neste “personagem” das histórias de adoção. Essas pessoas também devem ser "respeitadas", pois geralmente também são vítimas de pais omissos e de famílias desestruturadas. E fazendo essa colocação, não estou justificando atos de agressão e muito menos desculpando pessoas que colocam em risco a vida de nossas crianças.

Quais são os sentimentos das crianças que vivem em abrigo, sobre famílias?

Se sentem abandonadas, rejeitadas, carentes, menos favorecidas e diferentes (às vezes falam que são “crianças de creche”).

Quais são os sonhos e esperanças dessas crianças?

Se tiverem boas lembranças, voltar par a família de origem, para a mãe. Quem não se lembra da família ou não tem boas lembranças, sonha em ser adotada e ter uma família feliz, como qualquer outra criança.

E quais as expectativas, medos e desejos?

Expectativas de saírem do abrigo, voltarem para a família ou serem adotadas, como exposto acima. Medo de crescerem e não terem uma família, de não serem amadas e queridas. Desejam ter segurança na vida, nas pessoas.

Filhos adotivos tem o mesmo rendimento escolar que os filhos naturais?

Sim. Qualquer criança pode apresentar dificuldades escolares, mas quando a criança é adotiva isso nos chama a atenção, pois queremos culpar algo e encontrar respostas fáceis, objetivas e simplistas, então dizemos que todos os problemas moram e se resumem na adoção.

Crianças que vivem em abrigos tem o mesmo rendimento e aprendizado que as crianças adotivas?

Sim. Isso depende do interesse da criança e não somente da condição ou onde vive, apesar disto também contar muito

Filhos adotados por homossexuais tem os mesmos rendimentos escolares que os filhos adotados por heterossexuais? Os primeiros podem vir a ter maiores dificuldades que os segundos?

Tem o mesmo rendimento e os primeiros podem aprender a se defender, a colocar limites e a terem uma postura que demande respeito às diferenças. Se os pais educarem a criança de uma forma madura e consciente esta pode ser uma pessoa que tenha um senso de auto respeito ainda maior e mais apurado que outras crianças criadas em famílias tradicionais.

Nós sabemos que o preconceito prejudica e muito a adoção no Brasil. Quais são os mitos e preconceitos enfrentados?

São muitos. Alguns deles são:
preconceito sobre caráter (índole), se é hereditário; medo do filho sofrer se tiver uma cor de pele diferente dos pais, de se sentir diferente da família; filhos de pais homossexuais também terão inclinação para ser homossexual; preconceito com crianças maiores, de virem com vícios do abrigos e não aceitarem ou absorverem a nova educação, de ter hábitos que não serão retirados; medo de sofrer futuramente com o preconceito dos outras; medo de não ser amado pelo filho adotivo assim como poderia com um filho biológico; achar que sentirá mais o amor pela criança se ela chegar na família ainda bebê, etc.

Quais são os sentimentos de pais e filhos, e o que desejam com a adoção?

Desejam EXATAMENTE a mesma coisa que qualquer outra pessoa que busca um filho, formar uma família, ser pai, mãe e filho.

Qual o perfil da criança mais solicitado para adoção?

Hoje o perfil está mais aberto, mas ainda a preferência maior é por bebê, branco e do sexo feminino. Mas tem gente que quer crianças de 2 a 6 anos e até maiores e não têm preferência por sexo ou etnia.
Há pessoas muito bem preparadas e que têm em mente um perfil mais flexível, já há outras que ainda alimentam muitos medos. Os candidatos a adoção precisam ter um comprometimento antes de tudo com sua preparação emocional.

Em uma pesquisa feita em 1999 mostra que 55% das adoções são ilegais. O que seriam essas adoções? Esse índice mudou?

Não tenho números que comprovem, mas por experiência acredito que esse índice vem mudando, pois as leis também estão mudando, em paralelo a isso há um grande número de informações que está sendo veiculado na mídia. A adoção ilegal é aquela onde alguém registra o filho de outrem como se fosse seu filho biológico.

Qual é a análise de stress e otimismo em crianças que vivem em abrigos?

Stress? Esse termo pode dizer muitas coisas. Nos abrigos há crianças diferentes entre elas e iguais a qualquer outra fora dele, crianças com vários tipos de ritmo, sentimentos, reações, frustrações, memórias, desejos, mas todas elas sonham em ter uma vida em uma família, como propõe nossa cultura, sonham em ter uma mãe e/ou um pais, seja como for.

O que é feito dos adolescentes quando saem do abrigo? Quais os sentimentos deles?

Alguns abrigos têm propostas e parcerias que fazem com que os adolescentes, antes de completarem 18 anos, façam acompanhamento psicológico e que sejam encaminhados para cursos profissionalizantes com chances de emprego.
Há casos de adolescentes que são reinseridos em suas famílias de origem ou encaminhados para os cuidados e educação algum parente, mesmo que distante, que se interesse por ele. Tudo irá depender do trabalho que a instituição tem e da situação e do histórico do jovem.
Eles sentem medo e insegurança da nova vida, alguns nem se permitem enxergar o que sentem, principalmente quando não têm o apoio da família ou quando são muito revoltados, mas muitas vezes encontram no abrigo um apoio muito grande e continuam com os vínculos de amizade, afinal muitos cresceram ali, e para eles aquele lugar e aquelas pessoas são seu ponto de referência.

Quais são as principais marcas de quem passa muitos anos da vida num abrigo?

“Marcas?” Antes de tudo é importante observar que todos nós temos “marcas”. Esses jovens falam muito sobre o desejo de ter uma figura parental e sobre essa falta, fala sobre o sentimento de rejeição, desamparo e insegurança, mas outros se acostumam com a visão de que as pessoas do abrigo são sua família e estabelecem com elas relações muito estreitas e familiares.
Não há marcas que não possam ser reelaboradas, trabalhadas e faltas que possam ser supridas. Ninguém pode estar fadada a não ter uma família só por que alguém acredita que essas crianças tenham traumas. Esses “traumas” não fazem delas seres não dignos de amor, ou pessoas mais difíceis de lidar, só comprovam o quanto são humanas, se ferem, mas têm a chance de se reerguer, como todos os outros seres humanos da Terra.

Quais são as realidades por trás dos muros dos orfanatos?

Essa resposta é bem ampla mas, no geral, os orfanatos são instituições que lutam para se manterem e para dar uma vida digna as crianças. Como qualquer instituição, passam por dificuldades financeiras, tentam passar bons valores para essas crianças viverem bem em comunidade e têm regras estabelecidas para atuarem, dentro deles há empregados que se dedicam mais ao trabalho com as crianças de forma mais humana e outros que não têm essa preocupação e consciência.

Li em uma entrevista da desembargadora Maria Berenice Dias (RS) que não existe registro de abuso sexual de crianças por casais homoafetivos. Em compensação, entre os pais heterossexuais o índice é assustador, chegando a 23%. Esses abusos acontecem mais com pais biológicos ou adotivos? Tem algum estudo que demonstre estatísticas desses abusos?

Nunca vi um estudo desses, mas dentre todos os casos que já atendi (uma boa amostra no caso de um de estudo) eram com pais biológicos ou padrastos, mas sempre com pais heterossexuais, nunca com um homossexual.

Li em um artigo seu que uma criança foi adotada por um casal, e por medo de ser rejeitada novamente, iniciou um processo de agressividade intensa, só que o casal soube ter paciência e passar confiança para que ela não tivesse medo de ser abandonada outra vez. Qual o efeito no psicológico da criança que vai e volta de um lar?

Para cada criança pode ser um pouco diferente, mas geralmente e resumindo bastante, o medo intenso de ser de abandono mais uma vez, a fantasia de que não é tão boa o bastante para ser digna de amor. Mas nada que não possa ser recuperado com dedicação e paciência.

Como prevenir adoções traumáticas e evitar a devolução de crianças e adolescentes adotivos?

A séria preparação dos candidatos a adoção, fazendo com que entendam que pode ser uma experiência maravilhosa, mas toda experiência pode ser difícil e toda dificuldade pode servir para amadurecer, só basta estar aberto para isso.

Qual a diferença de auto-estima dos abrigados e os que têm família?

Geralmente (não todas) as crianças abrigadas se sentem desvalorizadas por não estarem em família, mas isso não as afeta num grau a comprometer totalmente sua interação com o mundo, mas afeta sim sua auto-estima.
Algumas crianças sofrem mais, outras menos, vai depender de como cada uma lida com o mundo e com seus sentimentos. Contudo, sabemos que uma criança que cresce ouvindo da mãe que ela é linda, que é amada e cresce meio a abraços e cercada do calor parental se sente mais forte que outra eu nunca teve isso.

Qual é o futuro das crianças que vivem em abrigos e o futuro das crianças que tem famílias? E quem morou em um orfanato e hoje tem família, sofre alguma influência?

Também somos feitos de influências, referências... Todos nós levamos para a vida o que passamos, mas tudo pode ser trabalhado e resignificado, o importante é estarmos atentos às nossas emoções e percepções e termos pessoas ao nosso redor para nos fortalecermos.

O privilégio é que a criança viva num meio familiar, o abrigamento é uma exceção. Por que o Estado ainda dificulta o que deveria priorizar?

Pelo que vejo não é uma questão de dificultar simplesmente, acho que têm que ser contratados mais profissionais para o trabalho crescer. O número de processos é alto e o número de pessoas que lidam com eles não. Tem que ser feita uma verdadeira reforma no Estado, no Judiciário, mas têm pessoas trabalhando para essa melhora e humanização.

O que mais faz falta para uma criança ou adolescente que passa anos da vida num abrigo?

Família, pai e/ou mãe e o que eles podem lhe proporcionar de bom, como amor, proteção, amparo e apoio emocional.

Quanto tempo dura um processo de adoção, depois de já iniciado?

Do início até conclusão, depende de uma série de coisas, da idade da criança (pois o estágio de convivência com uma criança maior é um pouco mais longo), do perfil pretendido (um bebê dura mais tempo para encontrar)...
Depende do tipo de adoção, pois têm aquelas em que a criança já vive com a família e os “pais afetivos” só vão regularizar a situação.
Num caso onde começa com habilitação e a criança pretendida, por exemplo, é de dois anos de idade, dura mais ou menos 1 ano e meio, mais vai depender muito do tamanho da fila de espera e da disponibilidade de crianças com essa faixa etária. É muito relativo esse tempo.

Por Cintia Liana

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

A Procura das Origens

Apresento-lhes outro texto, o qual gosto muito. Acredito ser fundamental para quem vai adotar e para quem já adotou. Foto: Blog Scienze

Título: A Procura das Origens
Autor:
Mirta Videla

Data: 26/03/1998
Fonte: Boletim "Uma família para uma criança" – Fernando Freire (org) - ano I nº 2

Até há pouco tempo existiam muitas dúvidas sobre este tema, para muitos era um verdadeiro dilema. Atualmente em nosso país, por aquilo que foi vivido, já ninguém duvida do direito de toda criança a conhecer a verdade acerca de sua origem, visto que ela lhe pertence tanto quanto a sua própria vida.
Quando se adota uma criança começa uma outra história, a partir de sua chegada. Mas, antes disso, a criança teve uma pré-história, de sangue, de recém-nascido em outros braços, de cultura, de parentesco. As razões pelas quais ela perdeu tudo isso podem ser de diferentes ordens, mas ninguém pode negar-lhe o direito a estar informada a respeito.
Se a informação sobre essa história prévia não lhe é dada, ela perde parte de sua biografia, de sua trajetória anterior, que se encontra registrada em seu inconsciente, é parte da carne de seu corpo e esse corpo jamais poderá ser reduzido ao silêncio.
As belas palavras de Françoise Dolto ficaram marcadas entre os psicólogos dedicados ao tema. Ela manifestava sua preocupação de "que deve ficar muito clara a importância de dizer a verdade ", essa verdade que os adultos comunicam às crianças, que a desejam não apenas de forma inconsciente, mas que a necessitam e têm direito a conhecê-la. Deve ser questionado o "silêncio enganador que gera angústia". A verdade pode ser freqüentemente dolorosa, mas, se ela é dita, permite que a pessoa possa reconstruir-se, e humanizar-se.
Dolto dizia com muita firmeza que ente a criança e seus pais existe um permanente intercâmbio de mensagens. A criança tem a necessidade da verdade para desenvolver suas potencialidades humanas.
As histórias cheias de silêncio pertencem a vidas sem sentido. A criança adotada é um verdadeiro "aprendiz de historiador", que deve travar verdadeiras batalhas e organizar estratégias para buscar os pedaços de sua vida, que desapareceram no ocultamento dos adotantes. Ela deverá transformar as informações fragmentárias em uma construção histórica, uma construção que lhe permita ter a sensação de "continuidade temporal ". Se trata de um processo que reconstrói o passado em função do presente, com o olhar voltado para o futuro.
A criança não pode conhecer uma primeira etapa de sua vida, a não ser por meio de uma versão discursiva que lhe conta a história de sua chegada. A experiência neste tema, e tudo o que nos trouxeram os novos desenvolvimentos teóricos, já não nos permitem condutas tíbias ante aqueles que continuam duvidando a respeito da necessidade de que a criança adotada tenha acesso à sua verdade.
O ocultamento da verdade sobre as origens é tão grave como o de seqüestrar uma criança, é um verdadeiro delito afetivo, porque, de maneira premeditada, a criança está sendo privada de algo que é seu, produzindo assim um vazio em seu processo histórico, impossibilitando sua função de historiador de si mesma.
O acesso à verdade sobre suas origens não é o mesmo que a busca de um processo judicial, nem que a procura de uma aproximação com os familiares de sangue. Os juizes e técnicos coincidem atualmente no reconhecimento da importância de que a criança seja informada sobre a origem de sua vida. Mas não todos estão suficientemente informados sobre o alcance e as conseqüências da transmissão de acontecimentos vergonhosos, humilhantes, hostis e sinistros para a criança, tais como o incesto, a violação de sua mãe, a tentativa de assassinato, ou o fato de ter sido deixada em um terreno baldio.
Quando se fala "revelar" a verdade, devemos ter muito cuidado com a informação excessiva, com um estilo quase exibicionista, que oferece dados intoleráveis para a sensibilidade infantil. Nesses casos, a criança será obrigada a "tornar a velar", a ocultar, reprimir, desconhecer essa realidade atroz, da qual, lhe disseram, ela veio.
O respeito à criança não apenas significa reconhecer-lhe o direito a saber quem é e de onde veio, mas também o de entender essa realidade na sua dimensão de criança, de frágil estrutura, em crescimento e em formação de sua identidade. Uma boa comparação é a de que a criança deve ser informada como se estivesse sendo alimentada, não se poderá dar carne e batatas fritas a um lactante, nem tampouco mamadeira àquela que começa a sua escolaridade.
Sem necessidade de ser ultra-informado em todos os detalhes, a criança descobrirá por si mesma, a realidade do seu existir, isso se lhe foram dadas as bases favorecedoras de sua investigação, com informações iniciais, sem que a tenham intoxicado.
Juan era um rapaz de 17 anos ao qual os adotantes disseram que era filho de uma prostituta que tinha muitos outros filhos de muitos pais. Quando teve acesso aos dados de sua história, ele mesmo realizou a construção de sua história, e me disse bastante emocionado: "minha mãe na realidade era uma pobre mulher deficiente (é surda-muda), da qual abusaram, mas que me deixou viver, e isso é, muito importante para mim."
Muitos pais solicitam que lhes seja revelada a verdade acerca da procedência das crianças que estão para ser adotadas. Outras se negam a saber e afirmam que "a história do seu filho começa com eles."
Somos um país de profundas diferenças sociais. A maioria das crianças em estado de adotabilidade vem de setores sociais que vivem em condições de extrema pobreza, com suas necessidades básicas insatisfeitas. As crianças abandonadas levam o registro corporal da sua origem, da promiscuidade, da violência e do sofrimento vivido. Por isso, não é necessária muita criatividade para saber de onde vêm as crianças cujas famílias as abandonaram. Existe um grupo reduzido de crianças de mães adolescentes de razoável condição econômica que não puderam recorrer ao aborto no tempo oportuno.
O tema da informação necessária a ser transmitida à criança não deve ser confundido com uma atitude de "compulsão informativa". Ela necessita saber os dados de sua origem biológica, de sua procedência, mas também, e isso é de fundamental importância, deve ser informada sobre a expectativa do casal que a adotou, sobre o tempo de espera vivido, deve saber que ela foi desejada como filho e foi investida dessa condição, no momento de sua adoção.
Ainda que a criança possua um registro dos acontecimentos anteriores à adoção, ela também experimenta uma profunda necessidade de pertencer ao grupo familiar no qual foi criada, ainda que no fundo de si mesma os dados de sua origem tenham um papel psicológico secreto. As crianças aprendem aos poucos, algumas compreendem que em seu passado pode ter existido algo obscuro, do qual preferem não falar, pela necessidade de pertencer e não correr o risco de perder ainda mais.
É muito importante, em todas as circunstâncias e etapas do desenvolvimento de um filho adotivo, que não se confunda o direito à informação com a compulsão informativa, a qual funciona como engolir na alimentação, produz náuseas, e até vômitos por aquilo que foi recebido "em excesso".
A falta de informação homogênea e ampla relacionada a estes temas deve estimular a organização de cursos de especialização em matéria de adoção, destinado à capacitação de todos os técnicos responsáveis. Unificar critérios e ampliar o acesso à informação acerca do tema, é um dos requisitos necessários para evitar abusos, omissões e erros de funcionários e profissionais.
O dilema da verdade se coloca na adoção de recém-nascidos, e diferentemente, na adoção de crianças e adolescentes, que já possuem um registro consciente, recordações e vivências acerca de sua vida anterior Quando do primeiro filho adotado se ocultou a realidade sobre a sua origem, é bastante difícil a adoção do segundo filho. Se ocorreu o contrário, ele viverá a chegada do irmão como uma reafirmação de sua própria história. compartilhará o tempo de espera e os preparativos para a chegada.
O ocultamento da adoção transforma esse fato no que se denomina "segredo familiar, onde uns sabem, e outros não, e a família se transforma em uma rede de ocultamentos e desmentidos, absolutamente prejudiciais ao desenvolvimento da criança.
Os segredos familiares geram um clima de tensão permanente que sutilmente é transmitido à criança, que percebe algo oculto, misterioso e proibido, que não deve se atrever a indagar. As crianças dizem, em seus tratamentos, que se sentem como protagonistas de um quebra-cabeças que nunca conseguem montar, porque faltam peças que estão "nas mãos de outros ", seus professores, seus pais adotivos.
Quando se conta uma mentira para uma criança, ou se oculta urna realidade tão importante acerca de sua vida, é como se a sua identidade (comparável a um edifício) fosse construída com bases frágeis. Cresce, mas, frente à menor "ventania" é completamente demolida.
É necessário que os pais não convertam o relato sobre a origem em um momento solene. O tema deveria fazer parte do diálogo natural e cotidiano na família. Entendemos por diálogo não o dar informações, mas sim o estado de abertura e predisposição permanente às palavras, ao ouvir, ao responder aos questionamentos. Este diálogo entre pais e filhos é o que permite em ambos a elaboração da adoção como opção de constituição familiar. Talvez pudéssemos compará-lo, ainda que não seja equivalente, ao processo de esclarecimento acerca da sexualidade, onde a informação não é apenas aquela das respostas às perguntas, mas também a transmitida pelas atitudes que temos frente ao sexo da criança, ao seu corpo, aos seus desejos.
Nos grupos, os pais costumam me perguntar: " e se o menino pergunta coisas que não conhecemos?", "e se fica zangado com o que dizemos?", "e se não pergunta nunca nada? ", "e posso esperar que pergunte o quê? ", "e se quando pergunta já é tarde? ", "e se são os outros a falar? ", "se não pergunta, significa inevitavelmente que algo grave se passa? ", "como podemos dizer que não temos nenhum dado?"
Na realidade, no processo de comunicação acerca da adoção, como em qualquer outro processo relacionado com os fatos da vida, não é necessário propor de antemão um tempo especial para a conversa, nem tampouco nos tomar em obsessivos informantes, basta que tenhamos uma autêntica disponibilidade e abertura ao diálogo sobre os acontecimentos da vida familiar. Dentro deles, a historia da criança e a adoção serão apenas um fato a mais.
Recordemos finalmente que só quem pode crescer rodeado de realidades não ocultadas, e verdades que não ferem nem amedrontam, poderá ir construindo sua própria biografia, ser seu historiador. Dessa forma, sua estrutura ética será o sustentáculo de sua saúde mental.

Trechos extraídos de "Saber Acerca de Su Origen", Mirta Videla. Revista da Escuela de Psicopedagogia de Buenos Aires, nº1 - Abril/95.
Para receber o boletim "Uma família para uma criança" escrever para:
Caixa Postal - 18092
Curitiba/PR
Cep: 80811-970

Referência:
VIDELA, Mirta. A Procura das Origens. Boletim "Uma família para uma criança" – Fernando Freire (org.) - ano I nº 2. [online] Disponível em: http://cecif.org.br/tt_busca.htm. Acesso em: 20 de janeiro de 2007.


Postado Por Cintia Liana

Descobrindo que é adotado

Foto: Google Imagens

"Descobri que sou adotado"
(Matéria da revista enfoque - Por Nilza Valéria)


Berenice Silveira viu seu mundo desmontar quando tinha 12 anos. Sentada junto com primos e colegas na porta de casa, em Porto Velho, a conversa girava em torno das semelhanças que cada um tinha com seus pais. “Tenho o cabelo da minha mãe”, disse uma. Meu pé é igual ao do meu pai”, afirmou outro. Na vez de Berenice, depois de um silêncio, ela disse que seu jeito de andar era igual ao da mãe. Aí alguém retrucou: “Você pode ter aprendido a andar como ela, mas você não é filha dela.”

Até hoje, mais de 15 anos depois, Berenice não sabe quem falou aquilo. Possivelmente, uma prima mais velha. Mas foi como se abrisse um grande buraco e ela caísse dentro. “Aquela frase respondia tudo. Era a resposta perfeita para tudo o que eu sentia. Eu sabia que havia alguma coisa diferente comigo, mas não sabia o que era”, lembra. Hoje, com 28 anos, a advogada Berenice superou o trauma de ter descoberto ser filha adotiva numa brincadeira. “Não foi fácil. Dos 12 aos 16 anos, exigi dos meus pais uma explicação, queria saber de onde tinha vindo, por que eles tinham me escolhido e por que me esconderam a minha história.” A mãe de Berenice afirmou, e ainda afirma, que jamais contaria a verdade se a filha não tivesse descoberto: “Ela é minha filha e isso é tudo o que importa. Que diferença faz se sou loura e ela morena? Eu a amo e ponto final.” Berenice sabe que é amada. “Eles, meus pais, são a coisa mais importante da minha vida. Nunca duvidei de que era amada. Fui uma criança com uma infância feliz. Apenas notava que as diferenças físicas eram grandes e isso gerava uma inquietação. Quando parentes vinham nos visitar havia muito sussurro em casa, olhavam para mim e falavam baixo, como se houvesse segredos.”

ACERTANDO AS CONTAS COM O PASSADO

De acordo com a psicopedagoga Mirta Videla, é direito de toda criança conhecer a verdade acerca de sua origem. “Esta verdade pertence à criança tanto quanto a sua própria vida. Quando se adota uma criança, começa uma outra história, a partir de sua chegada. Mas, antes disso, a criança teve uma pré-história, de sangue, de recém-nascida em outros braços, de cultura, de parentesco. As razões pelas quais ela perdeu tudo isso podem ser de diferentes ordens, mas ninguém pode negar-lhe o direito de estar informada a respeito.”

Analisando o caso de Berenice e de tantos outros que sua vivência profissional já a fez ter contato, Mirta afirma que o sentimento de vazio, de diferença até os 12 anos de Berenice foi gerado pelos segredos familiares, que provocam um clima de tensão permanente. “A criança que percebe algo oculto, misterioso e proibido, não se atreve a perguntar. E ela fica se sentindo como protagonista de um quebra-cabeça que nunca consegue montar, porque faltam peças que estão ‘nas mãos dos outros’, os pais adotivos.”

POR QUE NÃO NASCI DE SUA BARRIGA?

Salvador de Rossi Anhaia, 23 anos, também foi adotado. E sempre soube disso. “Mesmo antes de eu entender, minha mãe falava que eu era adotado. Nunca fui tratado diferentemente e não entrei em crise por isso.” Quando chegou, recém-nascido, o casal já tinha três filhas naturais. “Meus pais desejavam um menino e não queriam tentar mais. Falo para todo mundo com muito orgulho da minha família.”

Karina Souza, 25 anos, foi adotada com menos de 1 mês de idade. Apesar da diferença racial – é negra, e os pais brancos –, diz nunca ter ficado em crise por ser adotiva, apesar de os pais só terem conversado com ela quando tinha 11 anos. “Quando me falaram, eu já sabia, e ia ficar mal por quê? Eles me deram tudo.” A mãe adotiva se colocou à disposição para apresentar a mãe biológica, caso Karina quisesse conhecê-la. “Nunca tive curiosidade. Eu amo a minha família.”

Salvador Anhaia diz que em alguns momentos sente curiosidade de conhecer a família biológica, mas não tem motivação para procurá-la “Imagino que eles não deviam ter condições de me criar. Às vezes, queria saber se tenho irmãos, mas nada que me faça virar o mundo para achá-los.” Com a mãe adotiva cristã, Salvador reconhece que Deus sabia que ele tinha de ser filho de quem é. “Havia um casal na fila de adoção antes dos meus pais. Eles ficaram comigo por um dia e depois fui levado para a minha família. Deus já sabia de quem eu devia ser filho.” Nem mesmo a separação dos pais, quando tinha 13 anos, abalou o orgulho de pertencer à família que o adotou. “Nunca me senti rejeitado. Eu sofri como sofre qualquer menino quando o pai sai de casa.”

Eduardo Lemos teve curiosidade. E muita. Apesar de saber da adoção desde os 4 anos de idade, quando completou 17 decidiu que queria encontrar a mãe, saber se tinha irmãos, queria entender sua história. “Meus pais não conseguiam entender por que eu estava fazendo aquilo. Eles achavam que o amor e tudo que me davam deveria ser suficiente para eu ser feliz. Só que pirei em saber que minha mãe de sangue me abandonou. Passei a beber, a me meter em encrenca.” Quando Lemos descobriu que a mãe biológica morreu de cirrose e quase foi enterrada como indigente, decidiu que sua história era outra. “Foi lendo o documento de óbito da minha mãe, onde se registrava que não deixou filhos, que me dei conta de que ser filho do coração foi o caminho que Deus usou para me salvar.” Dona Graça, a mãe adotiva de Eduardo, diz que sempre contou ao filho que o amor é o mais importante. “Eu dizia a ele do grande amor de Deus, que nos tornou Seus filhos, por adoção. Hoje ele entende plenamente isso. Tanto do nosso amor e principalmente do amor de Deus.”

NA REVOLTA

Gustavo foi adotado com 6 anos. E dois anos depois, devolvido à instituição. Os pais adotivos alegaram problemas financeiros. Aos 8 anos, uma nova adoção. “Você acha que é fácil saber que fui abandonado?”, indaga. Com 15 anos, ainda teme que a família adotiva não seja para sempre. “Não dá para saber até quando vão ficar comigo. Há uns parentes que acham que posso ser mau porque imaginam que meu pai biológico pode ser um cara mau. Tem uma irmã da minha mãe que tem medo que eu roube a bolsa dela. É muito esquisito. Até na igreja existe gente que acha que meus pais me fizeram um favor.”

Para Raniere Pontes, presbiteriano, que abandonou o curso de Teologia para se dedicar à promoção de direitos da criança e do adolescente, é latente, no caso de Gustavo, o sentimento de soltura que o impede de criar vínculos profundos. “O adotado também precisa aceitar a família que o adotou. E como na relação com Deus, em que nos tornamos filhos dEle por adoção, por meio de Cristo, temos de aceitar isso”, ensina Raniere, assessor de operações da ONG Visão Mundial.

Karina é jornalista. Quando estava na faculdade levou um grupo de amigas, com quem já convivia há meses, para assistir a um filme em casa. Dentro do carro, a caminho do bairro onde morava, no subúrbio do Rio, fez a revelação: “Preciso dizer para vocês que sou adotada, por isso, não estranhem por eu ser negra e meus pais brancos.” A revelação foi feita como quem conta o que comeu no jantar. “Era tão normal e tão natural para ela ser filha adotiva, ou ser filha, que ela quis evitar nosso constrangimento. Em todo período do curso de Jornalismo, ela fez uma ou duas menções sobre a adoção e muitas sobre a família. O quanto a mãe ‘pegava no pé’, o quanto exigia, o quanto era desconfiada com namorados. Foi legal perceber o quanto a mãe dela era igual à minha mãe”, afirma Ione Souza, casada, dois filhos e na fila de adoção, em São Paulo.





Por Cintia Liana


sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Falando sobre a adoção com o filho

Foto: Google Imagens

Não existe idade ideal para a criança saber sobre o tipo de vínculo que tem com seus pais adotivos. É muito importante e saudável que os pais já contem historinhas de adoção para a criança desde a sua chegada na família, independente da idade. Assim, ela vai se acostumando com o tema e entendendo os fatos na medida em que for amadurecendo. Mesmo que não faça muito sentido para ela, o importante é que, quando passar a entender as dimensões dos fatos e os verdadeiros significados, ela irá sentir que seus pais adotivos sempre foram muito sinceros sobre sua adoção e que esse é um assunto conhecido e, melhor ainda, "permitido" na família. O fato de alguns pais entenderem a adoção como algo negativo não significa que a criança também entenderá desta forma, mas somente repetirá esse modelo de conduta se os pais insistirem neste erro, tratando a adoção como algo vergonhoso e negativo.
Será que é justo uma criança crescer sentindo que há “algo de errado ou de misterioso” com a sua existência, com seu nascimento, com o seu lugar no mundo e na família? Será que é bom achar que é fruto de algo vergonhoso, que a sua família substituta tem que esconder, ou não falar de sua origem, como um tabu?A criança adotiva tem que crescer num ambiente que a propicie falar sobre seus sentimentos abertamente, sem vergonha ou medo.
Eldridge (2004), explica que a criança adotiva raramente fala de forma aberta sobre sua raiva relacionada ao fato de ser adotada. Porque ela acredita que estará magoando os pais adotivos e por que ela acha que os deixará incomodados, assim ela não fala e poderá expressar isso de uma forma agressiva e anti-social em algum dado momento. Como no caso da adaptação, a criança também pode manifestar tendências anti-sociais por querer mostrar que há algo de errado com ela, por estar sofrendo algum tipo de privação ou sofrendo com algum sentimento que ela não está sabendo lidar.

Afine-se, seja cúmplice do seu filho no processo de descoberta de sua identidade, e o conhecimento e aceitação de suas origens fazem parte disso. Quando ouvir perguntas-afirmações do tipo “eu vim de sua barriga, não foi, mamãe?”, fale tranquilamente que não, mas que para amarmos alguém como filho ele não precisa “sair da barriga”, pois o amor se faz no coração. Quando perguntar sobre a família biológica tente responder o que sabe e o que a criança tem capacidade de ouvir e aceitar, mesmo que não entenda tudo, ela tem o direito de saber.

“Dedicar um tempo para a reflexão a respeito da adoção é revelá-la para nós mesmos, é incorporar uma verdade que está sendo assumida a partir da intenção. A adoção não acontece sem uma decisão. Isto a torna diferente. Por ‘diferente’ temos que ler diferente. Uma outra forma de ser pai, de ser mãe. Só. Só? Não, a adoção é rica por isso mesmo! Encontro de histórias, uma caixinha de surpresas que temos as chances de moldar, de ajeitar com carinho, de ajudá-la a crescer. O que é um casamento afinal? O encontro de duas pessoas diferentes, com histórias diversas que identificam coisas em comum, ou coisas que os atraem, iniciam um relacionamento e percebem que ele poderá durar por toda uma vida. Encontro de histórias, assim como na adoção. Em toda história há riqueza, porque há vida, experiência. São nossas histórias de vida que nos tornam diferentes, especiais. Nelas há sempre um ensinamento, uma lição, merecem respeito. Para haver uma adoção, deve ter havido antes um abandono. Sempre, por menos sofrido que tenha sido. Nisto há uma história. Um filho adotivo sempre terá uma história anterior à adoção, que deve ser respeitada por fazer parte dele, por tê-lo ajudado a se formar. Ao optar pela adoção, os pais adotivos devem levar em conta que estarão sempre ligados aos pais biológicos de seus filhos, porque sem eles, estes não estariam no mundo hoje. E aqui está um dos pontos mais bonitos da adoção, não se pode negar esta realidade, mesmo porque ela reforça a intenção, a ação e o desejo por este filho.Negar e negar-lhe este fato, é não aceitar parte da história de vida do filho, é não aceitá-lo como é, incondicionalmente. É também negar toda a espera, todo o desejo motivador do antes.” (Schreiner, 2000)

“Se a informação sobre essa história prévia não lhe é dada, ela perde parte de sua biografia, de sua trajetória anterior, que se encontra registrada em seu inconsciente, é parte da carne de seu corpo e esse corpo jamais poderá ser reduzido ao silêncio” (Videla, 1998).

“Os filhos adotivos, também passam pela pressão social preconceituosa e aderindo ao modelo transmitido por seus pais, relatam que não têm curiosidade nem interesse em saber sua própria história, ou de seus pais biológicos. Na verdade, existe um acordo tácito e velado de não se falar a respeito da adoção: os pais procuram encobrir sua esterilidade, o medo fantasioso de que o filho volte para sua família de origem e a impossibilidade de ter um filho do 'seu próprio sangue'; os filhos não falam a respeito para não magoar seus pais e para encobrir sua própria mágoa de ter sido rejeitado por sua família de origem e assim perdem um pedaço de sua identidade. Um outro ilustre personagem das histórias infantis, Super-homem, tornou-se 'super' exatamente quando soube com detalhes a sua origem; uma interpretação livre sobre o fato é que o abandono das dúvidas e fantasias sobre sua família biológica criou condições para o fortalecimento e construção de sua personalidade e identidade”. (Nascimento apud Weber, 2005)
Referência:

Eldridge, Sherrie. (2004). Vinte coisas que os filhos adotivos gostariam que seus pais adotivos soubesses.
Nascimento, R. F. L. do, Argimon, I. I. de L., Lopes, R. M. F., Wendt, G. W. e Silva, R. S. da. O processo de Adoção no Ciclo Vital. [online] Disponível na Internet via www. URL:http://www.redepsi.com.br/portal/modules/smartsection/item.php?itemid=293. Arquivo capturado em 17 de fevereiro de 2007.
Schreiner, Gabriela. Vamos Falar-nos de Adoção (A revelação). Apresentado em reunião de pais do grupo NEPPAJ – Jundiaí/SP – 2000. [online] Disponível na internet via www URL: http://cecif.org.br/tt_revelacao.htm. Arquivo capturado em 20 janeiro de 2007.
Videla, Mirta. A Procura das Origens. Boletim “Uma família para uma criança” – Fernando Freire (org) – ano I nº 2. [online] Disponível na internet via www URL: http://cecif.org.br/tt_busca.htm. Arquivo capturado em 20 de janeiro de 2007.



Por Cintia Liana