Cedida a alunos do curso de Jornalismo da UNIVERSO em setembro de 2007
Quais são os motivos que levam uma mãe a abandonar um filho?
Essa resposta é bem complicada, mas vou simplificar ao máximo.
Falta de interesse em ter o filho, gravidez não planejada acompanhada de sérias dificuldades financeiras, falta de apoio do genitor da criança e/ou da família, falta de amor pelo filho, etc.
As pessoas pensam muito pouco neste “personagem” das histórias de adoção. Essas pessoas também devem ser "respeitadas", pois geralmente também são vítimas de pais omissos e de famílias desestruturadas. E fazendo essa colocação, não estou justificando atos de agressão e muito menos desculpando pessoas que colocam em risco a vida de nossas crianças.
Quais são os sentimentos das crianças que vivem em abrigo, sobre famílias?
Se sentem abandonadas, rejeitadas, carentes, menos favorecidas e diferentes (às vezes falam que são “crianças de creche”).
Quais são os sonhos e esperanças dessas crianças?
Se tiverem boas lembranças, voltar par a família de origem, para a mãe. Quem não se lembra da família ou não tem boas lembranças, sonha em ser adotada e ter uma família feliz, como qualquer outra criança.
E quais as expectativas, medos e desejos?
Expectativas de saírem do abrigo, voltarem para a família ou serem adotadas, como exposto acima. Medo de crescerem e não terem uma família, de não serem amadas e queridas. Desejam ter segurança na vida, nas pessoas.
Filhos adotivos tem o mesmo rendimento escolar que os filhos naturais?
Sim. Qualquer criança pode apresentar dificuldades escolares, mas quando a criança é adotiva isso nos chama a atenção, pois queremos culpar algo e encontrar respostas fáceis, objetivas e simplistas, então dizemos que todos os problemas moram e se resumem na adoção.
Crianças que vivem em abrigos tem o mesmo rendimento e aprendizado que as crianças adotivas?
Sim. Isso depende do interesse da criança e não somente da condição ou onde vive, apesar disto também contar muito
Filhos adotados por homossexuais tem os mesmos rendimentos escolares que os filhos adotados por heterossexuais? Os primeiros podem vir a ter maiores dificuldades que os segundos?
Tem o mesmo rendimento e os primeiros podem aprender a se defender, a colocar limites e a terem uma postura que demande respeito às diferenças. Se os pais educarem a criança de uma forma madura e consciente esta pode ser uma pessoa que tenha um senso de auto respeito ainda maior e mais apurado que outras crianças criadas em famílias tradicionais.
Nós sabemos que o preconceito prejudica e muito a adoção no Brasil. Quais são os mitos e preconceitos enfrentados?
São muitos. Alguns deles são:
preconceito sobre caráter (índole), se é hereditário; medo do filho sofrer se tiver uma cor de pele diferente dos pais, de se sentir diferente da família; filhos de pais homossexuais também terão inclinação para ser homossexual; preconceito com crianças maiores, de virem com vícios do abrigos e não aceitarem ou absorverem a nova educação, de ter hábitos que não serão retirados; medo de sofrer futuramente com o preconceito dos outras; medo de não ser amado pelo filho adotivo assim como poderia com um filho biológico; achar que sentirá mais o amor pela criança se ela chegar na família ainda bebê, etc.
Quais são os sentimentos de pais e filhos, e o que desejam com a adoção?
Desejam EXATAMENTE a mesma coisa que qualquer outra pessoa que busca um filho, formar uma família, ser pai, mãe e filho.
Qual o perfil da criança mais solicitado para adoção?
Hoje o perfil está mais aberto, mas ainda a preferência maior é por bebê, branco e do sexo feminino. Mas tem gente que quer crianças de 2 a 6 anos e até maiores e não têm preferência por sexo ou etnia.
Há pessoas muito bem preparadas e que têm em mente um perfil mais flexível, já há outras que ainda alimentam muitos medos. Os candidatos a adoção precisam ter um comprometimento antes de tudo com sua preparação emocional.
Em uma pesquisa feita em 1999 mostra que 55% das adoções são ilegais. O que seriam essas adoções? Esse índice mudou?
Não tenho números que comprovem, mas por experiência acredito que esse índice vem mudando, pois as leis também estão mudando, em paralelo a isso há um grande número de informações que está sendo veiculado na mídia. A adoção ilegal é aquela onde alguém registra o filho de outrem como se fosse seu filho biológico.
Qual é a análise de stress e otimismo em crianças que vivem em abrigos?
Stress? Esse termo pode dizer muitas coisas. Nos abrigos há crianças diferentes entre elas e iguais a qualquer outra fora dele, crianças com vários tipos de ritmo, sentimentos, reações, frustrações, memórias, desejos, mas todas elas sonham em ter uma vida em uma família, como propõe nossa cultura, sonham em ter uma mãe e/ou um pais, seja como for.
O que é feito dos adolescentes quando saem do abrigo? Quais os sentimentos deles?
Alguns abrigos têm propostas e parcerias que fazem com que os adolescentes, antes de completarem 18 anos, façam acompanhamento psicológico e que sejam encaminhados para cursos profissionalizantes com chances de emprego.
Há casos de adolescentes que são reinseridos em suas famílias de origem ou encaminhados para os cuidados e educação algum parente, mesmo que distante, que se interesse por ele. Tudo irá depender do trabalho que a instituição tem e da situação e do histórico do jovem.
Eles sentem medo e insegurança da nova vida, alguns nem se permitem enxergar o que sentem, principalmente quando não têm o apoio da família ou quando são muito revoltados, mas muitas vezes encontram no abrigo um apoio muito grande e continuam com os vínculos de amizade, afinal muitos cresceram ali, e para eles aquele lugar e aquelas pessoas são seu ponto de referência.
Quais são as principais marcas de quem passa muitos anos da vida num abrigo?
“Marcas?” Antes de tudo é importante observar que todos nós temos “marcas”. Esses jovens falam muito sobre o desejo de ter uma figura parental e sobre essa falta, fala sobre o sentimento de rejeição, desamparo e insegurança, mas outros se acostumam com a visão de que as pessoas do abrigo são sua família e estabelecem com elas relações muito estreitas e familiares.
Não há marcas que não possam ser reelaboradas, trabalhadas e faltas que possam ser supridas. Ninguém pode estar fadada a não ter uma família só por que alguém acredita que essas crianças tenham traumas. Esses “traumas” não fazem delas seres não dignos de amor, ou pessoas mais difíceis de lidar, só comprovam o quanto são humanas, se ferem, mas têm a chance de se reerguer, como todos os outros seres humanos da Terra.
Quais são as realidades por trás dos muros dos orfanatos?
Essa resposta é bem ampla mas, no geral, os orfanatos são instituições que lutam para se manterem e para dar uma vida digna as crianças. Como qualquer instituição, passam por dificuldades financeiras, tentam passar bons valores para essas crianças viverem bem em comunidade e têm regras estabelecidas para atuarem, dentro deles há empregados que se dedicam mais ao trabalho com as crianças de forma mais humana e outros que não têm essa preocupação e consciência.
Li em uma entrevista da desembargadora Maria Berenice Dias (RS) que não existe registro de abuso sexual de crianças por casais homoafetivos. Em compensação, entre os pais heterossexuais o índice é assustador, chegando a 23%. Esses abusos acontecem mais com pais biológicos ou adotivos? Tem algum estudo que demonstre estatísticas desses abusos?
Nunca vi um estudo desses, mas dentre todos os casos que já atendi (uma boa amostra no caso de um de estudo) eram com pais biológicos ou padrastos, mas sempre com pais heterossexuais, nunca com um homossexual.
Li em um artigo seu que uma criança foi adotada por um casal, e por medo de ser rejeitada novamente, iniciou um processo de agressividade intensa, só que o casal soube ter paciência e passar confiança para que ela não tivesse medo de ser abandonada outra vez. Qual o efeito no psicológico da criança que vai e volta de um lar?
Para cada criança pode ser um pouco diferente, mas geralmente e resumindo bastante, o medo intenso de ser de abandono mais uma vez, a fantasia de que não é tão boa o bastante para ser digna de amor. Mas nada que não possa ser recuperado com dedicação e paciência.
Como prevenir adoções traumáticas e evitar a devolução de crianças e adolescentes adotivos?
A séria preparação dos candidatos a adoção, fazendo com que entendam que pode ser uma experiência maravilhosa, mas toda experiência pode ser difícil e toda dificuldade pode servir para amadurecer, só basta estar aberto para isso.
Qual a diferença de auto-estima dos abrigados e os que têm família?
Geralmente (não todas) as crianças abrigadas se sentem desvalorizadas por não estarem em família, mas isso não as afeta num grau a comprometer totalmente sua interação com o mundo, mas afeta sim sua auto-estima.
Algumas crianças sofrem mais, outras menos, vai depender de como cada uma lida com o mundo e com seus sentimentos. Contudo, sabemos que uma criança que cresce ouvindo da mãe que ela é linda, que é amada e cresce meio a abraços e cercada do calor parental se sente mais forte que outra eu nunca teve isso.
Qual é o futuro das crianças que vivem em abrigos e o futuro das crianças que tem famílias? E quem morou em um orfanato e hoje tem família, sofre alguma influência?
Também somos feitos de influências, referências... Todos nós levamos para a vida o que passamos, mas tudo pode ser trabalhado e resignificado, o importante é estarmos atentos às nossas emoções e percepções e termos pessoas ao nosso redor para nos fortalecermos.
O privilégio é que a criança viva num meio familiar, o abrigamento é uma exceção. Por que o Estado ainda dificulta o que deveria priorizar?
Pelo que vejo não é uma questão de dificultar simplesmente, acho que têm que ser contratados mais profissionais para o trabalho crescer. O número de processos é alto e o número de pessoas que lidam com eles não. Tem que ser feita uma verdadeira reforma no Estado, no Judiciário, mas têm pessoas trabalhando para essa melhora e humanização.
O que mais faz falta para uma criança ou adolescente que passa anos da vida num abrigo?
Família, pai e/ou mãe e o que eles podem lhe proporcionar de bom, como amor, proteção, amparo e apoio emocional.
Quanto tempo dura um processo de adoção, depois de já iniciado?
Do início até conclusão, depende de uma série de coisas, da idade da criança (pois o estágio de convivência com uma criança maior é um pouco mais longo), do perfil pretendido (um bebê dura mais tempo para encontrar)...
Depende do tipo de adoção, pois têm aquelas em que a criança já vive com a família e os “pais afetivos” só vão regularizar a situação.
Num caso onde começa com habilitação e a criança pretendida, por exemplo, é de dois anos de idade, dura mais ou menos 1 ano e meio, mais vai depender muito do tamanho da fila de espera e da disponibilidade de crianças com essa faixa etária. É muito relativo esse tempo.
Por Cintia Liana
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