"Uma criança é como o cristal e como a cera. Qualquer choque, por mais brando, a abala e comove, e a faz vibrar de molécula em molécula, de átomo em átomo; e qualquer impressão, boa ou má, nela se grava de modo profundo e indelével." (Olavo Bilac)

"Un bambino è come il cristallo e come la cera. Qualsiasi shock, per quanto morbido sia
lo scuote e lo smuove, vibra di molecola in molecola, di atomo in atomo, e qualsiasi impressione,
buona o cattiva, si registra in lui in modo profondo e indelebile." (Olavo Bilac, giornalista e poeta brasiliano)

sábado, 10 de julho de 2010

A Felicidade da Infelicidade

E-mail de uma linda mãe, que tem um filho adotivo e uma filha biológica dois anos mais nova.

Foto: Google Imagens

Ontem eu estava deitada na cama com Bebel. Ela está aprendendo a virar de bruço (imagine a luta dela com os bracinhos!). E ela ria muito pra mim. Leozinho a esta altura já estava no milésimo sono, dormindo no quarto dele. Quando eu estava olhando pra Bebel, com pena da posição em que ela se colocou, e quase ajudando a tirar o braço debaixo da barriga, lembrei que Leozinho chegou com a idade dela pra mim, com 4 meses e 10 dias. Então, foi aí que eu comecei a entender o motivo da revolta de alguns filhos adotivos.

Imagine comigo. Eu sou Bebel. Eu conheço minha mãe, minha casa, meu pai e meu irmão. Sem contar as avós. Aí, eu vou dormir no meu bercinho e de repente acordo com uma outra pessoa me carregando. Eu sorrio, porque sou muito risonha, e brinco com essa pessoa o dia todo. E nada de minha mãe aparecer. Eu começo a ficar enjoadinha, porque quero a minha casa, a minha família. É assim que ela fica quando eu saio o dia todo. É assim que Leozinho fica quando preciso deixar ele na casa de minha mãe e demoro a voltar.

Então comecei a imaginar o arraso que isso seria pra Bebel se eu nunca mais voltasse. Ela iria me procurar, mas não me encontraria. Ela encontraria uma estranha tratando ela com carinho, mas seria uma estranha. Com o tempo, ela iria se acostumar com a minha ausência e com a presença carinhosa da estranha. Como é um bebê, não sabe perguntar, teria algum tipo de reação, como a que Leozinho teve alguns dias depois que veio pra mim: o terror noturno (gritar desesperadamente dormindo e não acordar de forma alguma).

Ela iria crescer, amar a estranha, mas dentro dela o abandono estaria marcado. Porque ela sumiu? Porque eles desapareceram? Ela nunca se faria esta pergunta enquanto bebê, mas quando ela crescesse e soubesse... As perguntas se formulariam automaticamente e se transformariam em: porque me abandonaram com uma estranha? E aí se desencadearia a revolta.

Agora entendo. Enquanto pra mim era um momento de extrema felicidade, pra Leozinho era um momento de grande tristeza. Enquanto eu ficava com um sorriso de um lado a outro do rosto, ele chorava dormindo sentindo a falta da mãe biológica. Eu feliz, e ele infeliz.

O abandono deixou marcas em meu filho, e quando ele tiver plena consciência do que aconteceu com ele, sei que as perguntas virão a tona. Mesmo que ele não expresse, mesmo que ele me compreenda antes de compreender a si mesmo, sei que as perguntas virão. E ele nunca vai ter resposta pra elas.

Criança nenhuma merece passar pelo abandono. Se minha mãe morresse hoje eu ficaria sem rumo. Eu, uma burra-velha de 31 anos de idade. Imagine se ela tivesse “desaparecido” quando eu fosse um bebê. As marcas são profundas demais. Acho que de tão profundas que são as marcas de Leozinho eu não estava conseguindo enxergar.

Ah, o meu amor vai ajudar ele a sarar? Vai, claro! Mas não vai impedir da dor em algum momento vir a tona. Nem impedir que, nem que seja por um milésimo de segundo, ele questione o meu amor.

Bia


Esse texto é maravilhoso para desenvolver várias reflexões.


Por Cintia Liana

Um comentário:

Marli Reis disse...

Parabéns pelo espaço!

Marli Reis