"Uma criança é como o cristal e como a cera. Qualquer choque, por mais brando, a abala e comove, e a faz vibrar de molécula em molécula, de átomo em átomo; e qualquer impressão, boa ou má, nela se grava de modo profundo e indelével." (Olavo Bilac)

"Un bambino è come il cristallo e come la cera. Qualsiasi shock, per quanto morbido sia
lo scuote e lo smuove, vibra di molecola in molecola, di atomo in atomo, e qualsiasi impressione,
buona o cattiva, si registra in lui in modo profondo e indelebile." (Olavo Bilac, giornalista e poeta brasiliano)

domingo, 15 de abril de 2012

O que as crianças que moram em internatos sentem

Cintia Liana e Lídia Weber em Roma,
no Congresso Internacional da INFAD.
Abril de 2011

Por Lídia Weber

MAGNO E MONTENEGRO (2002), em uma matéria jornalística, enfatizaram que as crianças que vivem em abrigo são sedentas por alguém que as escute. “A maioria das crianças gosta de conversar com visitantes, tocá-los ou ficar quietinho por perto, pois o que há de mais precioso na vida delas é o fato de serem objeto de afeição de alguém, mesmo que seja por alguns minutos” (WEBER, 1997, p. 45).

Uma pesquisa (WEBER, MOREIRA, TERRA & MESSIAS, 1999), cujo objetivo era identificar os sentimentos em relação aos pais biológicos e às expectativas sobre o futuro de crianças institucionalizadas entre 7 a 18 anos e sem vínculo familiar, revelou que 61% das crianças estão na instituição de 3 anos a 18 anos. A maioria absoluta nunca recebeu visitas de seus pais (67%), atribui valoração negativa aos pais genéticos (66%). As respostas relativas às expectativas de futuro são estereotipadas e inconsistentes;  apenas 50% dos internos desejam casar ou ter filhos, sendo que 53% preferem morar na instituição que com sua família biológica, mas o maior desejo de todos é ser adotado (80%). Os dados também apontam que: 1) o afastamento da família biológica e o caráter negativo da experiência familiar pregressa determinaram a valoração negativa atribuída por essas crianças e adolescentes a seus pais biológicos; 2) a dificuldade em planejar e refletir sobre o futuro e o pessimismo sobre o plano afetivo está intimamente ligado ao abandono e à impossibilidade de criar novos vínculos; 3) a necessidade de apego seguro, sob a forma de adoção, revelou-se premente nestas crianças institucionalizadas que desejam ser amadas na condição de filhas.

A maioria das crianças entrevistadas sentiu muita tristeza no momento em que foi deixada na instituição: “Eu fiquei triste; minha mãe disse que vinha me buscar no sábado e não veio” (João, 10 anos); “Eu chorei, tava com medo de dormir, aí eu fui me acostumando; agora não estou mais reclamando” (Marcos, 8 anos); “Senti assim: não vou ser feliz, minha mãe não me quer” (LUIZA, 13 anos).

Ao verificar se as crianças passam a amar alguém no internato, as respostas revelaram que após a separação de sua família, estas crianças tentam encontrar outras figuras de apego, mas a criação e, ou, manutenção de vínculos afetivos nas instituições é bastante restrita principalmente por transferências dos internos para diferentes instituições: 56% dos entrevistados já moraram em dois ou mais internatos diferentes. A maioria absoluta dos entrevistados respondeu que havia encontrado uma figura de apego (geralmente um colega de internato ou um funcionário), mas em 98% dos casos o contato com essa pessoa foi perdido.

Os internos tentam encontrar novamente outras vinculações afetivas e, novamente, correm o risco de perdê-las, num processo doloroso em que revivem inúmeras vezes o abandono.

Verificamos que, às vezes, não existem sequer documentos sobre a criança, quanto mais dados específicos sobre a sua história de vida. O discurso dos internos deixa transparecer total desconhecimento de sua situação legal, pessoal, familiar e, conseqüentemente, eles tecem fantasias sobre suas perspectivas futuras (WEBER et al., 1999) e querem uma família, mas às vezes a esperança já não existe mais:

“Acho eu não vou ser adotado porque já passei da idade; só adotam até 14 anos” (Fernando, 15 anos; “Acho que não vou ser adotada, acho que desisti, eles eram pra ter arrumado família pra mim faz tempo. (Maria, 9 anos; “Ainda não fui adotada porque sou nova aqui; tem que ficar bastante tempo” (Ana, 12 anos); “Não fui adotada ainda porque meu caso ainda não foi visto pelas pessoas que arrumam pais pra gente” (Olivia, 12 anos).

Certas vezes a realidade e a fantasiam misturam-se na esperança de ser filho de alguém:

“Eu acho que vou ser adotada, porque sim, porque eu tenho certeza, porque nunca se deve perder a esperança” (Karina, 12 anos); “Eu sei que vou ser adotada, mas não sei o dia que o Juiz vai me chamar. Acho que vai demorar um pouco. (Silvia, 10 anos); “Acho que vou ser adotada porque eu já tirei três fotos pra mostrar pro Juiz” (Camila, 13 anos); “Eu vou ser adotada porque a gente tem fé em Deus e pode conseguir” (Tatiana, 15 anos); “Eu acho que vou ser adotada porque é a terceira vez que a minha foto vai pra Itália e para os Estados Unidos” (Cintia, 12 anos); “Eu acho que vou ser adotada porque já está na hora de ir embora, meus pais já vão chegar...”. (Denise, 10 anos).

Alguns depoimentos mostram o pensamento mais freqüente das crianças, uma infância repleta de sofrimento:

“Tenho 13 anos e cheguei aos nove anos. Nunca recebi visita de ninguém. Vim pra cá porque minha mãe me batia. Se tivesse com minha mãe estaria apanhando, então eu estou mais feliz aqui. Meu maior desejo é ter uma família nova. Queria ser adotado, daí eu ia para uma casa que ninguém me batesse e teria alguém para me fazer carinho” (Roberto, 13 anos). “Eu tinha 8 anos quando vim para cá. Foi o carro do Juizado que me trouxe aqui. Já morei em três internatos diferentes. Meu pai é alcoólatra e minha mãe morreu e eu nunca recebi visitas de ninguém. Meus três maiores desejos? Eu queria ser adotada e ganhar um pai na Itália, uma mãe e uma bicicleta! Eu seria mais feliz” (Mariana, 11 anos, institucionalizada desde os 8 anos).

Um dos capítulos de um artigo de Lídia Weber
Weber, L.N.D. (2005). Abandono, institucionalização e adoção no Brasil: problemas e soluções.
O Social em Questão, 14, 53-70.

AbandonoinstitucionalizacaoeadocaonoBrasilproblemasesolucoes.pdf


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