Por Eva Carnero
15 de dezembro de 2014
A expressão “criação com apego” (attachment parenting), cunhada pelo pediatra norte-americano especializado em paternidade William Sears, inspira-se nos princípios da teoria do apego formulada pelo psiquiatra John Bowlby em 1969, que sustentava que a criação de um forte laço emocional com os pais durante a infância é condição prévia e imprescindível para o desenvolvimento emocional correto e o estabelecimento de relações pessoais saudáveis na idade adulta.
Há alguns anos, observa-se na sociedade uma clara tendência para a adoção dos preceitos que acompanham esse tipo de criação, como demonstram discursos públicos de mães famosas, como as atrizes Elsa Pataky e Mayim Bialik (das séries Blossom e The Big Bang Theory). Entretanto, há quem questione algumas de suas recomendações. O respeitado pediatra Carlos González, autor de numerosos livros relacionados com esse tema, entre eles Bésame Mucho – Como Criar os Seus Filhos com Amor, é uma das vozes que esclarecem: “A teoria do apego não é a mesma coisa que a criação com apego, uma expressão popular de significado incerto que parece ter se resumido em pegar a criança nos braços, amamentá-la e dormir com ela. Entretanto, a teoria do apego, a verdadeira, que se apoia nos oito princípios publicados no website da Attachment Parenting International (API), não diz isso”.
“A criança estabelece um enlace emocional com os pais quando vê que, habitualmente, suas necessidades são atendidas e seu pranto é consolado. Ou seja, quando vê que lhe fazem caso”, assinala González. Nessa mesma linha, a psicóloga clínica Laura Rojas-Marcos afirma que a chave para estabelecer um vínculo forte é que a criança se sinta “protegida, querida e segura”. Ela compartilha com Bowlby a importância do apego firme para “criar e desenvolver os pilares de que uma pessoa necessita para ter uma vida adulta com menos medo”.
Até aqui, todos de acordo. O fato de uma criança se sentir protegida terá um bom reflexo em sua vida adulta. Mas quais são os limites desse abrigo ou apego? E sua relevância? Será que o carinho é uma necessidade mais básica que o próprio alimento? O certo é que os resultados obtidos em numerosos estudos indicam que isso não está longe da verdade. Muitos dos trabalhos do psicólogo Harry Harlow concluem que o ser humano tem uma necessidade universal de contato físico, independentemente da cultura em que viva.
Para chegar a essa afirmação, o especialista se apoia em um de seus numerosos experimentos com macacos rhesus, que resultaram em sua teoria da “mãe macia”. Basicamente, nesse trabalho o psicólogo separou vários bebês de suas mães logo após o nascimento. Depois, fez dois bonecos – um de pelúcia com a mesma aparência das mães e o outro, de arame e segurando uma mamadeira. Diante das duas “mães”, o macaco bebê se aproximava da que segurava o alimento só quando queria comer, e no resto do tempo ficava junto do boneco de pelúcia, suave e quente. Havia até mesmo ocasiões em que, enquanto ele comia, uma parte de seu corpo estava em contato com a “mãe macia”.
“Obviamente, a alimentação é importante na hora de criar um vínculo, mas o que se estabelece através da sensação de carinho e proteção é a base do apego seguro”, destaca Laura Rojas-Marcos. Para isso, não é preciso dormir com seu filho, nem se estressar se ele chorar por mais de cinco minutos seguidos, nem o amamentar até os 6 anos, como defendem hoje em dia muitas associações de criação com apego.
Nessa linha se situa o chamado “leito compartilhado” – quando pais e filhos dividem a cama até que estes últimos decidam ir para seu próprio quarto. O pediatra Carlos González, embora não se oponha a essa prática, nega que exista uma relação entre dormir com seu filho e criar com ele um maior vínculo.
“E a prova é que na época em que era proibido dormir com os filhos pequenos na mesma cama [na Idade Média, por determinação da Igreja, filhos e pais não podiam dormir juntos por causa da proliferação de casos em que os lactantes morriam esmagados], a maior parte deles desenvolveu um apego firme. A única diferença que vejo é que suas mães tinham de se levantar várias vezes durante a noite para ir consolá-los. Colocar a criança em outro quarto me parece simplesmente incômodo”, afirma o especialista. Ele defende a mudança da criança para outro quarto quando ela expressar seu desejo, por comodidade para a família. Também se considera leito compartilhado encostar o berço à cama dos pais.
Já Laura Rojas-Marcos tem uma posição mais próxima à rejeição dessa prática, insistindo que é importante que as crianças durmam sozinhas. “Em minha opinião, não é bom nem para a criança nem para o casal, já que favorece o desenvolvimento de personalidades dependentes”, diz a psicóloga. Mas ela reconhece haver crianças que precisam de mais tempo para deixar o quarto de seus pais, por isso é partidária de que haja flexibilidade e perseverança. Um recente estudo da Academia Americana de Medicina do Sono conclui que compartilhar a cama com os filhos acaba fazendo com que estes tenham maior dificuldade para conciliar o sono, já que dependem mais dos mimos dos pais e não são capazes de fazer isso por conta própria.
Criação sem rótulos
Embora todos concordem quanto à importância do vínculo seguro na criação do filho, as divergências surgem na hora de escolher o caminho para chegar até ele. Aqui entra outro dos pontos fortes e mais polêmicos da criação com apego: o aleitamento materno e o tempo que ele deve durar. Os defensores dessa corrente apoiam a necessidade de que a mãe dê de mamar a seu filho até os dois ou três anos de idade, com o objetivo de criar, estreitar e afiançar sua relação. No entanto, nem Laura Rojas-Marcos nem Carlos González apoiam totalmente dessa teoria.
“Nos anos 1950, quando se propôs a teoria do apego, quase nenhuma criança ocidental mamava durante mais do que algumas poucas semanas e costumava-se aconselhar os pais a não pegar muito o filho nos braços e não o colocar nunca na cama. Apesar de tudo isso, a maioria das crianças tinha um firme apego”, explica González. “As mães carinhosas e aquelas que tratam seus filhos com ternura e respeito também lhes dão a mamadeira. Da mesma forma, as mães irritadas, bêbadas ou cruéis também dão o peito”, acrescenta.
Por outro lado, a psicóloga acredita que o tempo de aleitamento é, em grande parte, uma questão de moda. “Atualmente a tendência é estender o tempo de amamentação para mais de dois anos. Mas eu me pergunto se isso é realmente é necessário – e, além disso, fico imaginando o que ocorre com a dependência, ou até mesmo a escravidão, que significa para a mãe tomar essa decisão. É obvio que, se a mãe quiser e puder, tudo bem, mas não acredito que seja o mais saudável.” A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda amamentar o filho de forma exclusiva até os seis meses de vida e seguir com o aleitamento, juntamente com outros alimentos, até os dois anos ou mais.
“Todas as crianças têm apego”, afirma González. “Ele pode ser seguro ou inseguro, mas sempre existe. O primeiro é o mais desejável, mas o inseguro [quando o bebê chora muito, mesmo nos braços de seus pais, como definiu a psicóloga Mary Ainsworth] não é nenhuma doença mental”, acrescenta. Trata-se de que os pais ou as pessoas responsáveis pela criação de uma criança se esforcem para que a balança se incline para o lado da certeza. “Basta criá-la como sempre se fez, com muito carinho e da melhor forma que soubermos”, aconselha González.
Fonte: http://brasil.elpais.com/brasil/2014/11/24/estilo/1416825746_259981.html
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