"Uma criança é como o cristal e como a cera. Qualquer choque, por mais brando, a abala e comove, e a faz vibrar de molécula em molécula, de átomo em átomo; e qualquer impressão, boa ou má, nela se grava de modo profundo e indelével." (Olavo Bilac)

"Un bambino è come il cristallo e come la cera. Qualsiasi shock, per quanto morbido sia
lo scuote e lo smuove, vibra di molecola in molecola, di atomo in atomo, e qualsiasi impressione,
buona o cattiva, si registra in lui in modo profondo e indelebile." (Olavo Bilac, giornalista e poeta brasiliano)

domingo, 14 de novembro de 2010

Adoção Internacional, palavra de urgência para muitas crianças

Foto: Google Imagens

Por Cintia Liana Reis de Silva

Para adotar no Brasil basta se dirigir a VIJ (Vara da Infância e Juventude) da cidade onde reside, não é necessário pagar nada e se pode escolher o perfil da criança que se deseja ter como filho, passar por todos os tramites legais para a habilitação e aguardar a indicação de uma criança. O lado negativo pode-se dizer que é a espera e não saber quanto tempo ela durará, o que causa muita ansiedade e medo por parte dos adotantes, pois não fazem idéia de quando receberão seus filhos e, posteriormente, quando terão a guarda definitiva destes.

Aqui na Itália somente casais podem adotar. Solteiros e homossexuais não podem adotar. O casal deve primeiro formular o pedido de habilitação à adoção perante a Autoridade Central em matéria de adoção internacional no país onde habita. Se considerados aptos a adotar a Autoridade Central emitirá um relatório que contenha informações sobre a identidade, a capacidade jurídica e adequação dos solicitantes para adotar, sua situação pessoal, familiar e médica, seu meio social, os motivos que os animam e sua aptidão para assumir uma adoção internacional, tudo isso de acordo com determina o ECA - Estatuto de Criança e do Adolescente e como também ocorre numa VIJ do Brasil com os brasileiros. Depois disso escolhe uma entidade que realiza adoções internacionais, entidade esta que mais se adequar ao seu desejo e que trabalhe com um perfil de criança dentro de suas expectativas. Aqui na Itália há mais de trinta delas.

A entidade em que eu trabalho (http://www.adozionisenzafrontiere.org/), por exemplo, tem autorização para atuar em todo o Brasil e Colômbia e para realizar este trabalho teve que se cadastrar na Presidência da República e seguir todas as exigências para atuar. Tudo acontece dentro de um procedimento legal e muito cuidadoso, para que se preserve 100% a segurança de todos, sobretudo das crianças.

O fato do Judiciário nunca ter realizado um concurso Público para profissionais de Psicologia, por exemplo, profissional tão necessário, mostra um pouco do tipo de mentalidade que ainda existente em sua filosofia. Não é a toa que ocorre algo de pior, não se dá mais prioridade a vida de seres tão inocentes, que dependem de outros seres humanos adultos com outras prioridades, para lhes dar o que é de mais primordial, o direito urgente de ter o amor de uma mãe e de um pai, o que lhe dará um lastro firme e o capacitará para uma vida emocional segura.

Já acompanhei centenas de casos de adoção, principalmente nacionais, quando trabalhava como psicóloga contratada numa Vara da Infância e Juventude no Brasil, onde o Juiz titular era muito atuante e preocupado com os menores. Ali também tive a oportunidade de acompanhar dezenas de adoções internacionais, a grandessíssima maioria de casais italianos, que adotavam crianças maiores de 9 anos. Posso dizer que a abertura para formar vínculos, o desejo de ter um filho e o desejo de ter pais, em se constituir a “família possível” muda destinos e une verdadeiramente pessoas que passam a se amar em menos de 1 mês de convivência, como se já se conhecessem de uma vida toda.

Nas adoções internacionais o casal conta com despesas com os profissionais da entidade, traduções de documentos e as despesas com a viagem, como passagens, hotel e honorários do advogado que está companhando o seu processo no País de origem da criança, dentre outras.

Os casais passam o tempo necessário para serem devidamente preparados, devem conhecer um pouco da língua e cultura do futuro filho e permanecem também esperando por uma criança e esse processo todo pode durar até mais de 4 anos. Quando enfim, a criança é indicada, viajam e passam mais ou menos 30 dias pelo período de convivência no País do adotando e mais 15 dias para a emissão da sentença e tramitação de papéis para voltar ao seu País de origem, mas esse prazo pode variar, depende do processo de vinculação da nova família e da deliberação do juiz responsável.

Nas adoções internacionais normalmente se adota a criança possível, a que lhe é oferecida, corriqueiramente crianças maiores de 8 anos, de etnia e língua diferentes da sua e, às vezes, grupos de irmãos, depende da entidade que se escolhe para mediar a adoção junto a uma das CEJA's no Brasil.

Após a adoção a entidade passa dois anos acompanhado a família obrigatoriamente e emite relatórios periódicos à CEJA que a acompanhou durante o processo de adoção. Às vezes acompanha a família até a adolescência do filho, pois os laços de amizades se estreitam.

O papel do psicólogo, no momento da adaptação, também é de extrema importância. Durante o período de convivência a nova família (adotantes e crianças) é acompanhada em alguns atendimentos psicológicos para se checar a adaptação de todos à nova realidade. Conversa-se com os adotantes, com a criança e se faz as devidas observações do vínculo que vai se estabelecendo. O psicólogo faz perguntas e os adotantes podem tirar dúvidas, é um momento de acolhimento de tudo o que diz respeito àquela nova realidade.

O momento da adaptação é fundamental para o sucesso do vínculo porque acontece a integração de elementos de sentido e de significação que caracteriza a organização subjetiva de um âmbito da experiência dos sujeitos, ação, construção, história, transações, trocas sociais e culturais como configurações subjetivas da personalidade. É um complexo de articulações e possibilidades contraditórias, processos de ruptura e renascimento, tudo deve ser visto com sensibilidade e não com um olhar determinista, universalista, as coisas acontecem e tudo é bem vindo para que a relação tome sua própria forma e não uma forma mágica aprendida em livros de contos de fadas.

Hoje temos uma fila imensa de casais estrangeiros querendo adotar crianças brasileiras, grandes, que consideram ser alegres e lindas. Aí vocês me perguntam, então porque existe uma fila de casais italianos esperando se temos crianças grandes crescendo em abrigos? Ótima pergunta! Simplesmente porque demoram muito para disponibilizá-las para adoção. Elas ainda não estão inscritas no cadastro de crianças disponíveis, não são destituídas e existe uma burocracia grande para que as disponibilizem. A verdade é que me parece que existem pessoas que ainda não exergaram a existência dessas crianças que estão sofrendo. Devemos nos colocar no lugar da criança abrigada que sofre com a falta do amor de uma figura parental que lhe dê cuidados individualizados. Devemos conhecer a subjetividades dos estragos que essa falta acarreta, a dor, o desespero do desamparo, do vazio, do medo de ficar sozinho e de não sentir o calor de uma mãe ou um pai.

Como cidadã brasileira, psicóloga da área de família e adoção e pessoa preocupada com nossas crianças, a única coisa que acredito ser necessário é mais responsabilidade, empenho e agilidade com a causa da criança abandonada. Se no Brasil todos trabalhassem com empenho, vendo o rosto de seus filhos nos rostos das crianças institucionalizadas com certeza teríamos abrigos quase vazios e teríamos que fazer mais campanhas para a adoção de adolescentes e de crianças com deficiência mental e física. Muita gente trabalha com amor à causa, conheço gente envolvida 100%, profissionais, pais e mães adotivos, mas precisamos do empenho real de todos os envolvidos, até daquele que dá o processo para o Juiz assinar. São vidas esperando, temos que desenvolver esta consciência para que as coisas aconteçam.

Aconselho que os adotantes procurem se informar sobre seus direitos e os direitos da criança, conheçam o ECA, estudem, busquem na internet informações, conversem com um advogado e não tenham, em hipótese alguma, receio de procurar auxílio psicológico nessas horas, o que pode ser uma experiência maravilhosa em todos os sentidos para toda a vida.

É preciso que a sociedade civil se una e trabalhe em conjunto temas importantes e realize iniciativas que desmistifiquem os preconceitos que ainda insistem em fazer parte do discurso e da mentalidade das pessoas na hora de adotar. É um tema que envolve muitos mitos não só imaginados pelos adotantes, mas também pela família extensa, amigos e companhias que estão em volta daqueles que desejam adotar e que muitas vezes dão conselhos respaldados numa mentalidade baseada nos dogmas ocidentais, numa visão reducionista e determinista do ser humano.

Precisamos investir na ciência, pesquisa, cultura e informação, assim como fortalecer a “cultura da adoção”, usar mais a mídia para fazer o bem e unir os seres humanos em seu próprio benefício, pois as pessoas ainda estão alienadas aos processos sociais, econômicos, culturais, políticos e ideológicos. As pessoas insistem em encaixar as relações numa visão monolítica, elementar, cartesiana, construto-individualista, onde a irregularidade e o singular são marginalizados. Ou seja, o pensamento científico tem sido dominado pelo paradigma da simplicidade. Como diz o sábio Morin (2000), ainda estamos na pré-história da mente humana e, para ele, essa é uma perspectiva muito otimista.

Em relação à nova lei, sobre o tempo máximo de 2 anos no abrigo, afirmo que é uma eternidade para uma criança, sem o amor e o amparo de uma família com quem possa contar. Não tem pessoal suficiente? Contratem! A burocracia é grande? Renovem as leis! Queremos ver todas as crianças felizes no seio de uma família responsável e amorosa, é isso o que importa, o resto temos que conseguir agora, pois elas não podem esperar mais.


Cintia Liana Reis de Silva
É Psicóloga formada em 2000 pela PUC-Campinas, é especialista em Psicologia Conjugal e Familiar pela Faculdade Ruy Barbosa, trabalha com adoção desde 2002, foi perita contratada do Tribunal de Justiça para uma Vara da Infância e Juventude do Brasil por 4 anos, onde também trabalhou antes por 4 anos como voluntária  e agora atua na Itália como colaboradora de uma entidade de adoção internacional, http://www.adozionisenzafrontiere.org/. Seu blog é o http://www.psicologiaeadocao.blogspot.com/ e seu e-mail para contato é cintialrdesilva@yahoo.com.


Por Cintia Liana

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