Foto: Cintia Liana com crianças que foram adotadas por um casal italiano.
Publicação da foto devidamente autorizada pelos pais.
Por Cintia Liana Reis de Silva
Lembro de muitas histórias dentre as mais de 50 adoções internacionais que participei quando trabalhava no Brasil, quase todas com casais italianos, uma delas a de um menino de 8 anos quase 9, que estava para ser inserido em uma família brasiliera, mas sentíamos que os adotantes estavam muito receosos com a idade da criança ou quando manifestava um pouco de agressividade ou mal humor (coisas natutais de quem está se adaptando ou de qualquer outra pessoa) e, por isso, não se "entregavam" ao sentimento do menino, não aproveitavam os momentos, estavam sempre querendo analisar, controlar, estavam com muito desejo de serem pais, mas com muito medo, chegando a ameçar a criança de ser devolvida o que lhe trazia muita insegurança, por conta disso a criança foi retirada e o estágio de convivência (que precede a adoção) chegou ao fim. Foi muito sofrimento para todos, inclusive para o menino.
Ele foi indicado para adoção internacional, eu fiquei encarregada de fazer o acompanhamento psicológico dele e a preparação para a adoção internacional. Ele havia sofrido muito com a “quase adoção” que não foi finalizada, houve uma grande regressão em seu comportamento, estava muito triste, revoltado e chegava ao atendimento quase carregado, ao terminar a sessão no Juizado se recusava a andar e passava quase todo o atendimento embaixo de minha mesa, sem querer falar. No atendimento eu tentava motivá-lo a falar, a brincar com os brinquedos e depois de algum tempo comecei a falar sobre a possibilidade de um futuro diferente, com novos pais e um novo País, isso o interessou. Depois de alguns meses, com a chegada do casal, a criança ainda não havia progredido muito em seu estágio regressivo, ou seja, parecia ter menos idade que do que de fato tinha, mas de algum modo desejava a adoção, seu remédio seria a segurança e o amor incondicional dos novos pais.
Lembro que no início foi complicado porque a criança estava desconfiada se daria certo aquela nova tentativa de inserção em família substituta e continuei os atendimentos, desta vez com todo a família, avaliando todos os passos. Preparei bastante o casal para conseguir dar apoio ao menino, - nesses casos é o mais importante para o vínculo acontecer, os adotantes se fortalecerem e passarem força para a criança - este se mostrou muito receptivo e disposto a motivá-lo e a fortalecê-lo, sem pestanejar tiveram muita paciência e com 10 dias de estágio de convivência começamos a ver excelentes resultados, a criança começou a confiar nos adotantes e a lhes dar atenção de filho, então a criança os adotou.
Lembro que um dia ele apareceu para a sessão com os pais caminhando como um rapazinho, de óculos escuros, se sentou na cadeira na frente da minha e ainda cruzou as pernas como faz normalmente um adulto. Fiquei muito emocionada porque vi semanas antes um menino dilacerado pela dor da rejeição, por não entender as coisas, por não ser grande o suficiente para poder gerir sua própria vida e sim depender de todos os outros adultos para tomarem as decisões que julgavam ser as mais sábias e saudáveis para ele e semanas depois vi um pequeno rapaz caminhando de cabeça erguida, feliz, exibindo seus novos óculos escuros e dizendo que era meu namorado. Muito engraçado é passar de uma criança regredida, que se nega a andar à namorado de psicóloga de 30 anos na época, é uma grande escalada ou não é? Simbolicamente é claro, é uma grande transição num curtíssimo espaço de tempo e isso é o que o amor faz, faz o que muitos chamam de milagre.
Há pouco tempo recebi fotos dele na neve brincando com os pais, em outra foto estava feliz brincando com os primos.
Uma criança que não tinha chances de ser adotada no Brasil hoje vive como cidadão italiano de direito, com pais italianos amorosos e orgulhosos deste filho trazido de tão longe, o filho esperado e desejado por tanto tempo, que hoje cresce tranquilo, saudável e feliz na Itália.
Cintia Liana Reis de Silva
É Psicóloga formada em 2000 pela PUC-Campinas, é especialista em Psicologia Conjugal e Familiar pela Faculdade Ruy Barbosa, trabalha com adoção desde 2002, foi perita contratada do Tribunal de Justiça para uma Vara da Infância e Juventude do Brasil por 4 anos quando coordenou o serviço de psicologia, onde também trabalhou antes por 4 anos como voluntária e agora atua na Itália como coordenadora das adoções de criança brasileiras de uma entidade de adoção internacional, http://www.adozionisenzafrontiere.org. Seu blog é o www.psicologiaeadocao.blogspot.com e seu e-mail para contato é cintialrdesilva@yahoo.com.
Por Cintia Liana
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