"Uma criança é como o cristal e como a cera. Qualquer choque, por mais brando, a abala e comove, e a faz vibrar de molécula em molécula, de átomo em átomo; e qualquer impressão, boa ou má, nela se grava de modo profundo e indelével." (Olavo Bilac)

"Un bambino è come il cristallo e come la cera. Qualsiasi shock, per quanto morbido sia
lo scuote e lo smuove, vibra di molecola in molecola, di atomo in atomo, e qualsiasi impressione,
buona o cattiva, si registra in lui in modo profondo e indelebile." (Olavo Bilac, giornalista e poeta brasiliano)

terça-feira, 24 de maio de 2011

Mãe do Coração

Achados de Decoração

A comovente história de mulheres que enfrentaram seus medos e angústias e abriram seus lares para receber filhos adotivos.

Por Daniela Costa
Fotos: Paulo Márcio, Geraldo Goulart e Cláudio Cunha

Domingo, 22 de maio de 2011

Mulheres diferentes, histórias diferentes. Mas todas dispostas a falar sobre as dificuldades que enfrentaram e as alegrias que vivem ao lado de seus filhos – ainda que não biológicos. Para elas, não importa como eles chegaram e nem de onde vieram, mas sim que sejam seus filhos de coração.

A psicopedagoga Níblia Soares Moreira Leite que o diga. Ela passou por angustiantes processos de inseminação artificial. “Cada dia para mim era uma tormenta. Minha vida era chorar”. Após um ano de tentativas, ela e o marido, o professor Marcus Vinícius Leite, chegaram a uma conclusão: “Queríamos uma criança independentemente da maneira como ela viesse”. Cadastraram-se no programa de adoção solicitando um bebê. Depois ampliaram a faixa etária para crianças de até 4 anos. Hoje com 10 anos, Larissa já não é mais filha única. Quando estava com 4 anos e os pais tentavam uma nova adoção veio a surpresa: “Descobri que estava grávida do Nicolas, que hoje tem 5 anos”. Três anos depois, outra novidade. “Engravidei novamente, desta vez do Henrique, que está com 3 anos e meio. Agora a família está completa, não falta mais ninguém”, diz Níblia.

Segundo o Cadastro Nacional de Adoção, há 252 meninas e 298 meninos a espera de uma família em Minas Gerais – até abril. Metade dessas crianças (274) têm de 13 a 18 anos e se enquadram na chamada adoção tardia, que tem início a partir dos 2 anos. Para Marcos Flávio Lucas Padula, juiz de Direito da Vara Cível da Infância e da Juventude de Belo Horizonte, a preferência por crianças menores ainda é predominante no Brasil. “Apesar de ter havido mudanças na lei de adoção, ainda é necessário mudar a questão cultural. Os candidatos a pais adotivos devem se conscientizar sobre a necessidade de também procurarem crianças mais velhas”, afirma.

Esforço compensado
Foi de forma inesperada e não programada que a professora Luciana Haas Leivas Laboissière, 35 anos, adotou sua filha Raiane, hoje com 8 anos. Até que uma amiga indicou a menina – Miguel, filho biológico, tinha na época 3 anos e meio. Raiane, por sua vez, tinha 2 anos e meio e havia passado por experiências difíceis, como ter sofrido maus tratos quando bebê. A guarda provisória demorou sete meses para sair, mas o esforço valeu a pena, garante a professora. “É gratificante perceber melhoras em uma criança com histórico de problemas”, diz Luciana.

Contrariando as estatísticas, a engenheira Júnia Elaine Martins Guerra Turra, 53 anos, e seu marido, o empresário Ivan Cabral Turra, venceram preconceitos e optaram pela adoção de uma criança de 7 anos. Na época, eles já tinham dois filhos biológicos. “Comecei a fazer trabalhos voluntários em abrigos e foi lá que conheci minha filha, Taynara, que hoje está com 12 anos”. Negra e vinda de uma família humilde com 12 irmãos, a criança apresentava traumas. A adaptação ao novo lar foi difícil. “A convivência inicial foi complicada, porque você adota a criança, mas ela também tem que adotá-lo”. Para Júnia, a dificuldade maior é lidar com o preconceito. Leonardo, seu filho mais velho, afirma: “Nem me lembro de que a Taynara é adotada. Para mim, ela é minha irmã de sangue, como o Felipe também é”.

Perante a lei, essa diferença realmente não existe. A advogada especialista em direito de família, Fabiana Coelho Simões, esclarece que algumas pessoas ainda confundem filhos de criação com filhos adotivos e explica: “Os filhos adotivos adquirem um novo registro de nascimento e possuem os mesmos direitos legais de um filho biológico. Já os filhos de criação não são registrados pelas famílias e não possuem direitos legítimos”.

Foi na porta de um ferro velho no centro de Belo Horizonte que a secretária Sandra Regina da Silva Andrade Machado, 45 anos, conheceu sua filha. “Quando completei 6 anos de casada comecei a tentar ter filhos biológicos, mas não conseguia engravidar”. Após três anos de tentativas por meio de inseminação artificial, Sandra começou a pensar na adoção. Pouco tempo depois, uma amiga lhe telefonou dizendo que sabia de uma moça que queria doar uma menina, filha de um morador de rua. Ligou para o marido, o psicólogo Rogério Alves Machado, e informou que estava indo para o local. “Quando me viu, a mãe nem esperou eu me apresentar e foi logo dizendo: ‘Toma, a menina é essa aqui’”.

Orientada sobre os procedimentos legais, Sandra sabia que teria de conseguir uma declaração da mãe de próprio punho, dizendo que abria mão da criança, juntamente com a cópia de seus documentos e assinatura de duas testemunhas. Só havia um problema: a moça não sabia escrever. No desespero, a secretária pensou rápido. Escreveu o texto em um papel e pacientemente aguardou que a mãe da criança copiasse palavra por palavra. Aos 40 anos, outra reviravolta em sua vida: milagrosamente ela estava grávida de seu primeiro filho, Felipe. Com cinco meses de gestação recebeu mais uma surpreendente notícia: “Haviam encontrado Kathleen. Ela já estava com 6 anos”. Kathleen era irmã de Karine e, anos antes, havia sido procurada por Sandra. Com tantos acontecimentos inesperados, o resultado foi um parto prematuro e a chegada de dois novos filhos. “Digo que em dois anos eu pari três”, brinca.

Por que não?
Suzana Gouvêa Simões, 57 anos, tem dois filhos adotivos: Carolina, hoje com 27 anos, e Bernardo, 20. “Quando eu e o Rui (Simões de Almeida, industriário, marido de Suzana) compramos uma casa em Ipatinga, sentimos que lá era o local ideal para termos filhos”, afirma Suzana. Mas um problema que os médicos não conseguiam identificar não permitia que ela engravidasse. “Fizemos todos os exames possíveis e todos davam ‘normal’.” Somente mais tarde descobriram incompatibilidade genética no casal. “Nunca havíamos pensado na hipótese de adoção, mas pela primeira vez pensei na possibilidade”, relembra a professora. Ela e o marido foram informados de que havia uma gestante que iria doar seu bebê assim que nascesse. Suzana parou para pensar e disse: “Por que não?”. O casal de meninos não reclama, pelo contrário. “Tenho uma família como qualquer outra”, diz Carolina. Bernardo concorda: “Não trocaria meus pais por outros”.
Não são somente famílias tradicionais compostas por pai e mãe como a de Sandra que podem adotar uma criança. Segundo a advogada Fabiana Coelho Simões, a família pós-moderna aceita vários estereótipos de candidatos, desde que sejam maiores de 18 anos e 16 anos mais velhos que o adotando. “Em geral, é feita uma análise no contexto econômico e principalmente moral do candidato a pai ou mãe, não importando se ele é solteiro ou casado”, explica.

Aproveitando a oportunidade, a pediatra Cláudia Valadares Meireles Martins da Costa, 50 anos, solteira, há cinco meses virou mãe. “A Ana Vitória chegou em novembro de 2010, com 3 anos e meio”. A médica assume a solteirice, diz que nunca pensou em casamento e muito menos em ter filhos. “Sempre viajei muito, curti, namorei e, com isso, o tempo foi passando. Até que, aos 47 anos, começou a bater aquela vontade de ser mãe, mas eu já estava na menopausa”. “A Ana foi o melhor presente de 50 anos que eu poderia ter”.

A turismóloga Liliane Rosa Gomes Afonso passou por situação diferente. Em seu caso, desde o início ela e o marido, o fotógrafo Oswaldo Afonso, tinham consciência de que não poderiam ter filhos biológicos. “A princípio, a única chance era fazermos inseminação artificial, mas não queríamos. E também nem cogitávamos adotar.” Liliane acabou mudando de ideia. “Começamos a nos preparar psicologicamente para ter um filho. Mudamos nossa rotina, nos transferimos para uma casa maior com muitas árvores no quintal e espalhamos a notícia para os familiares e amigos”. Liliane ainda não sabia, mas seu filho Aquiles, que hoje está com 7 anos, viria de longe, do interior de Minas. Na ocasião, tinha apenas 36 horas de vida. “Quando ele chegou, já tínhamos toda a infrainstrutura preparada para recebê-lo. Foi maravilhoso”. O filho, que ao contrário de sua família é negro, foi extremamente bem acolhido. “Sempre contamos a verdade. Temos muito respeito por sua história”.

Adotar não é um ato simples. A psicóloga judicial Mônica Gonçalves Fonseca Pinheiro explica: “O processo leva em média seis meses, desde a data em que o adotante se cadastra no Juizado da Infância e Juventude até o deferimento da adoção pelo juiz”, afirma. “E pode ser ainda mais demorado.” O tempo é usado na análise da documentação dos candidatados, na participação de palestras que orientam os candidatos a pais sobre o assunto, e na avaliação dos aspectos socioeconômicos e psicossociais dos pretendentes. Em seguida, o relatório é encaminhado à promotoria, que emite um parecer favorável ou não. A decisão final fica por conta do juiz. Todos esses procedimentos visam evitar traumas como a devolução infantil.

A professora Luciana Haas Leivas Laboissière, 35 anos, e seu marido, o eletricista Lúcio Laboissière, foram, de certo modo, surpreendidos com a chegada de Raiane. “Nós sempre cogitávamos a possibilidade de ter filhos adotivos, mas nunca levamos a ideia a sério”, lembra Luciana. Até que uma amiga indicou Raiane ao casal – Miguel, filho biológico deles, tinha na época 3 anos e meio. A menina, por sua vez, tinha 2 anos e meio e havia passado por experiências difíceis, como ter sofrido maus tratos quando bebê. A guarda provisória demorou sete meses para sair, mas o esforço valeu a pena, garante o casal. “É muito gratificante perceber melhoras em uma criança com histórico de problemas”, diz Luciana.


Postado Por Cintia Liana

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