Liberty Biberty
Por Cintia Liana Reis de Silva
Uma breve reflexão sobre as mães que abandonam
O próprio processo biológico de se ter um filho já faz a mulher ser obrigada a conviver mais com a gestação e com esta realidade que o homem. Algumas não têm condições de assumirem sozinhas esta empreitada ou, para outras, para este projeto, elas precisam de apoio, seja do parceiro ou de sua família extensa, o problema é quando se veem completamente sozinhas, sem nenhuma perspectiva, algumas não têm base emocional, psíquica, nem financeira para suportar tamanha responsabilidade.
As leis civis e familiares não são conhecidas nem divulgadas claramente. Educação sexual não chega para todos, ao contrário, a minoria tem acesso e dá atenção à ela. Muitas mulheres não sabem que entregar o filho para adoção não é crime, já outras abandonam às escondidas por sentirem culpa e vergonha, por não conseguirem sentir esse amor materno culturalmente mitificado. As pesquisas apontam que normalmente são mulheres que cresceram sem experimentar esse amor vindo de pais, que não foram maduros e protetores para com estas quando crianças. Quando pequenas sofreram rejeição, violência, abuso físico e moral e total abandono afetivo.
Na sociedade existe uma forte cultura que impulsiona a opinião pública a julgar e condenar, e de fato ocorrem situações hediondas e cruéis que nos mobilizam emocionalmente e revoltam muito, mas é necessário tentar entender todos esses processos humanos e quando somos levados somente pelo julgamento do ponto de vista moral perdemos de vista o essencial, que é o entendimento dos processos psicológicos que levam uma pessoa a abandonar o próprio rebento. Esse entendimento é importante também para que invistamos na cura do ser humano, da sociedade, para que nos aproximemos da compreensão da verdade.
Em meu livro, publicado no Brasil em 2011, "Filhos da Esperança", eu explico, com base na psicologia relacional sistêmica, que esses “progenitores podem ter cumprido um mandato familiar na forma de uma tradição ou de um padrão intergeracional, no qual podem ter passado, como sua mãe, a avó da criança, um padrão de rejeição e falta de acolhimento. Essa genitora pode ter sofrido um processo de projeção familiar transmitido pela imaturidade e baixo nível de diferenciação do self da sua mãe. Diferenciação esta que significa adquirir autonomia com habilidade de pensar, sentir e agir por si mesmo, como um adulto responsivo.” (ANDOLFI apud SILVA, 2011, p. 67)
Estudiosos falam sobre “o mito do amor materno”, "que o apego é inerente à mãe. Tem que existir um contexto positivo, um solo fértil para alimentar a criança e criar uma relação de apego saudável. Ela acredita que para que uma mulher possa ser a “boa mãe”, é preferível que ela tenha experimentado, em sua infância, uma evolução sexual e psicológica satisfatória, junto de uma mãe também relativamente equilibrada. Mas, se uma mulher foi educada por uma mãe perturbada, há grande probabilidade de que sinta dificuldade em assumir a sua feminilidade e maternidade. Quando for mãe, reproduzirá, diz-se, as atitudes inadequadas que foram as da sua própria mãe." (PONTES apud SILVA, 2011, p. 68)
Outras teorias mostram que "quando o indivíduo passa da condição de filho para a condição de genitor usará o mesmo modelo que foi aprendido com os pais. Quando ele desempenha este novo papel, se faz necessário algumas respostas efetivas, abrem-se feridas intergeracionais e vem a tona uma questão de base: “como se pode dar aos filhos aquele afeto verdadeiro e tangível que se pensa nunca ter recebido dos genitores, quando crianças ou adolescentes?”." (ANDOLFI apud SILVA, 2011, p. 68)
Elisabeth Banditer e outros pesquisadores, apontam que "o amor materno não é um sentimento inerente à condição de mulher, não é algo determinante, mas algo que se adquire, e esses sentimentos humanos de mãe pode variar de acordo com suas ambições ou frustrações, com a cultura e as flutuações sócio-econômicas da história. Eles explicam que “o amor materno pode existir ou não, aparecer e desaparecer, ser forte ou ser frágil, ter preferência por determinado filho ou não”. O amor materno acaba por ser “apenas um sentimento humano como outro qualquer e, como tal, incerto, frágil e imperfeito”." (SILVA, 2011)
Isso quer dizer que, não basta se tornar mãe através do parto para sentir o “maior amor do mundo”, esse sentimento não é uma regra, ele varia de uma mulher para a outra, depende da experiência de cada uma, suas particularidades e mais uma série de fatores subjetivos. Gerar um filho não faz de ninguém amoroso ou protetor, o amor materno é um amor construído na convivência, assim como nas outras relações. (SILVA, 2011, p. 69)
Figuras parentais é que proporcionam um lastro firme para o desenvolvimento sadio de um ser humano. Se este não teve exemplos de afeto, não é porque se tornou adulto e pariu um filho é que estará transformado e preparado para assumir esta responsabilidade com empenho de um afeto que desconhece, que não se teve de ninguém. Por isso, e por outras coisas é que deveríamos cuidar dessas outras crianças que estão crescendo nos abrigos sem experimentar afeto, um dia elas poderão ser pais também. Mas se, ao contrário de crescerem sem experimentar amor, tiverem uma família substituta, onde possam crescer em sua totalidade e exercitar o afeto isso poderá ser mudado. Os mandatos familiares podem ser rompidos neste investimento e assim começarmos a construir um futuro melhor para todos.
Outro aspectos importante, é que é melhor que os pais adotivos sintam empatia pela fonte do vida do filho que raiva, e essa compreensão leva a uma relação de mais harmonia com essas figuras que trouxeram essa criança ao mundo e a criança, por sua vez, também sente essa energia de gratidão que os pais adotivos nutrem pelos pais biológicos e tudo entra em ordem.
*Umas das respostas, na íntegra, da entrevista de Cintia Liana cedida ao Diário de São Paulo.
Referência:
SILVA, Cintia Liana Reis de. Filhos da Esperança: Os Caminhos da Adoção e da Família e seus Aspectos Psicológicos. Edição do autor, Salvador, 2011.
Livro: https://www.clubedeautores.com.br/book/43553--Filhos_da_Esperanca?topic=pscicologia#.V5d2UEZ97IU
Por Cintia Liana
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