Conheça a história de Tatiana, que há dois anos e meio perdeu o direito de viver com suas filhas e agora luta para recuperá-las.
Foto: David Santos Jr / Foto Arena
Tatiana abraça suas filhas em visita ao abrigo em São Paulo
Carina Martins, iG São Paulo | 08/04/2010 17:04
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Usando vestidos cor-de-rosa novinhos e sem conseguir parar quietas junto à mãe, as duas filhas mais jovens da bilheteira de cinema Tatiana Aguiar, 33, não disfarçavam a expectativa para uma sessão de fotos em família. A animação das meninas só tornou mais difícil a tarefa de revelar que elas teriam que esconder o rostinho em algumas das poses – as filhas de Tatiana não podem aparecer na reportagem porque há dois anos e meio vivem em um abrigo na zona oeste de São Paulo.
No abrigo, todo mundo tem festa de aniversário, e não tem isso de comemoração coletiva: cada um tem direito a “Parabéns a Você” individual e no dia certo. Mas não há comemoração de Dia das Mães nem Dia dos Pais. Não que os pais não existam, já que a grande maioria das 60 crianças que vivem divididas nas três unidades do Lar Escola Cairbar Schutel tem família. “É que eles não vêm”, explica uma das funcionárias, que prefere não se identificar. Por isso o comportamento de Tatiana chama a atenção da equipe da instituição. Desde que perdeu a guarda das filhas, há dois anos e meio, ela só deixou de aparecer em três dias de visita, e porque estava doente. “Os poucos pais que vêm em geral ficam aqui das 15h às 17h de domingo, e olhando no relógio. Ela chega cedo e leva as meninas para passar o dia em casa toda semana. Nos feriados e nas férias, o juiz autoriza que elas fiquem direto com ela, em casa”, conta.
“Ela está lutando”
Tatiana perdeu a guarda das meninas após ter sido diagnosticada com depressão e síndrome do pânico. O próprio irmão foi ao fórum depor recomendando que as crianças fossem para a tutela do Estado, e ela admite sem hesitar que, na época, realmente não tinha condição de cuidar das meninas – Tatiana tem ainda uma filha de 12 anos que já voltou a viver com ela depois de ficar um ano sob a guarda de parentes. Agora, já com alta do INSS, ela luta para levar as filhas de volta para casa.
Quando uma mãe perde a guarda dos filhos, a história que leva a esse desfecho nunca é bonita. O caso de Tatiana não é diferente. Ela diz que vivia há quatro anos com o pai da filha caçula quando a mais velha, que sempre tinha sido apegada ao padrasto, começou a entrar em pânico diante da ideia de ficar sozinha com ele quando a mãe saía para trabalhar. “Ela estava muito estranha e eu apertava ela, tentava descobrir o que estava acontecendo”, diz. Depois de muita insistência, a menina teria dito para a avó, e depois para a mãe, que vinha sofrendo avanços sexuais do padrasto.
“Perguntei por que ela não me avisou, disse que a mãe ia proteger ela”.
A menina, na época com 8 anos, atribuiu seu silêncio ao medo de que o padrasto matasse a mãe. “Ela me falou isso, e eu imediatamente coloquei as coisas dele numa mala e deixei na casa das irmãs”, relata. “Já estava querendo me separar, depois disso acabou de vez, na hora.”
Tatiana livrou-se do agressor e passou a ter que cuidar sozinha das três filhas. “Arrumei uma pessoa para olhar as meninas enquanto eu estava trabalhando, mas não tinha condições. Eu ganhava 400 e poucos reais para pagar aluguel, pagar gente para cuidar delas, fazer as despesas de casa. Eu não estava aguentando”, diz. “O juiz estipulou que meu ex-marido tinha que dar cerca de 100 reais por mês, com base no salário que ele disse ganhar na época. Mesmo assim, pagou só três meses e depois não pagou mais.” As meninas são fruto de três relacionamentos diferentes e, segundo Tatiana, apenas um dos pais paga pensão. Sem dinheiro, ela não tinha mais como garantir alguém para cuidar das meninas enquanto trabalhava.
“Eu ficava com minha cabeça atordoada, com meu pensamento no serviço e nas meninas. Elas estavam com 2, 3 e 8 anos, eram pequenininhas. Uma vez, fui obrigada a deixá-las três dias sozinhas em casa”, afirma. “Aí que minha cabeça ficou mesmo a mil. Pensei: 'Meu Deus, o que é que eu vou fazer agora? Eu não posso deixar de trabalhar e não posso deixar-las sozinhas’.”
“Foi quando me deu um surto lá no serviço”
O “surto” foi a crise que culminou em seu diagnóstico de depressão e síndrome do pânico. Depois do episódio, ela foi afastada do emprego e chegou a ficar dois meses internada em uma clínica. As filhas ainda ficaram um ano com ela, mas Tatiana estava longe da recuperação. “Não conseguia sair de casa, parei de levá-las à escola, à creche.” Chamado pela Justiça, o irmão de Tatiana não mentiu. “Ele contou toda minha vida, disse que eu não estava tomando conta das crianças direito. Eu estava doente, não estava conseguindo tomar conta nem de mim mesma.” Mesmo sabendo que realmente estava com dificuldades para cuidar da família, foi duro para Tatiana ver o irmão ter um papel tão central na separação das filhas. "Por um tempo fiquei com mágoa dele, mas depois resolvi entregar nas mãos de Deus. Não adianta ter mágoa nem ressentimento, quem deve cobrar as coisas dele, se ele foi certo ou errado, é Deus e não eu."
“Então pegaram elas de mim”
Até hoje, o pior dia para Tatiana ainda é o da separação. “Quando as deixei no fórum e fui embora, achei que nunca iam me devolver, que nunca mais ia ficar com elas.” Assim que as meninas foram colocadas no abrigo, ela se preparou para a primeira visita. “Foi uma emoção muito grande, mas quando eu vi que só iam me deixar passar duas horinhas, que ia ter que deixá-las de volta ali, bateu o desespero.” Tem sido assim desde então. “É uma dor muito grande, porque eu tenho que deixar dois pedaços de mim. Eu sei que elas estão bem, são bem cuidadas, mas são dois pedaços de mim aqui.”
"Aí que eu decaí, fiquei mal mesmo"
O baque da separação, ela diz, afetou sua recuperação. "Fiquei sem as três, desabou tudo. A recuperação foi bem difícil, tive que arrancar forças de onde não tinha. Pensava: tenho que lutar pelas minhas filhas, não posso deixá-las longe de mim, tenho que fazer alguma coisa.” Tatiana começou a fazer terapia, ter acompanhamento psicológico, tomar remédios e se ocupar com, por exemplo, aulas de artesanato no educandário Dom Duarte. Aos poucos, foi se recuperando.
Ter as meninas longe de seus olhos causa mais que saudade. Mesmo satisfeita com o tratamento que as filhas têm recebido, não estar presente em seu dia a dia provoca preocupações. Tatiana fala, por exemplo, da angústia que sente quando as meninas aparecem com algum machucado, que ela nunca tem como saber com certeza o que provocou. “Na outra casa que elas viviam, tinha muito mais crianças. Já cheguei lá e vi as meninas com pontos no rosto, no queixo, com roxo no braço. Elas diziam que tinham caído da cama ou apanhado de uma criança mais velha. Fico superchateada.”
Atualmente, com a recente alta do INSS e construindo uma casa em cima da casa da avó, Tatiana está prestes a passar por uma perícia para confirmar se ela está apta para voltar ao trabalho, o primeiro passo para recuperar a guarda das meninas. A boa notícia, no entanto, é agridoce, já que antes de poder começar a procurar um novo emprego, ela terá que voltar ao antigo. “Não quero mais ficar num ambiente daquele, porque ali não é um cinema familiar. É um cinema pornográfico. Não gosto desse tipo de ambiente. E ao mesmo tempo eu preciso de um trabalho”, conta, sem esconder a aflição.
“Agora estou bem. Depois da perícia, vou começar a trabalhar, e eles vão vendo como eu estou. Tendo uma moradia, já consigo trazê-las. Só falta arrumar outro trabalho. Eu espero que elas voltem ainda neste ano para ficar comigo. É o que eu mais quero. Do fim do ano não passa.”
Fonte: iG São Paulo
Postado Por Cintia Liana
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