"Algumas verdades sobre o Novo CNA"
Gostei muito da matéria que levanta pontos importantes a serem refletidos e mudados, mas discordo de dois pontos quando o Conselho Nacional de Justiça fala dos benefícios do novo CNA.
Como já expliquei em meu texto para a Revista do SESC São Paulo, "Encontrar 'crianças para os pais' fere diretamente os interesses da criança e vai de encontro ao que preconiza o ECA, pois a lei é inversa, devemos encontrar 'pais para uma criança', consequentemente, esse sistema contraria o princípio da absoluta prioridade dos direitos da criança e do adolescente. Então o Conselho Nacional de Justiça ainda não percebeu que está cometendo um grave equívoco em seu objetivo neste sentido.
Outro ponto é que é colocado na matéria como algo positivo se enviar diariamente indicações. Seria positivo se essas indicações não fossem muitas delas equivocadas e falsas, já que existem muitos erros na criação do novo sistema, segundo pessoas que trabalham com o cadastro.
O principal problema do novo CNA foi a inversão de paradigmas, que é o de buscar filhos para habilitados ao invés de buscar uma família para uma criança. Esperamos que esse terceiro CNA seja melhor que o segundo, porque o segundo é pior que o primeiro.
É uma grande mentira quando se fala que o CNA melhorou. Além do primeiro equívoco de procurar crianças para pais, alguns outros são negativos, como a inexistência da localização dos habilitados pelo CFP; habilitados e crianças estão vinculados ao sistema pelo número do processo, o que gera um burocratização desnecessária; grupos de irmãos não são considerados como um todo, mas devem ser já que são adotados juntos; falta de inserção dos habilitados estrangeiros no CNA; não existe mais o campo anotações; se mantêm a falta de possibilidade dos habilitados e a sociedade civil de ter acesso aos dados básicos contidos no CNA; o novo CNA não informa nem o nome nem o telefone dos habilitados, dificultando desnecessariamente o trabalho das equipes tecnicas, entre outros problemas, tornando o novo CNA ineficaz, burocrático e trabalhoso.
Essa é a realidade do novo CNA, segundo quem trabalha diariamente com ele.
Por Cintia Liana
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Cibele e sua filha Rafaela
Foto: "Fato On Line"
Por Joelma Pereira
Com 33.375 mil famílias habilitadas e 5.502 crianças
disponíveis, a conta ainda não fecha. Desse total de famílias, cerca de 70% têm
preferência por crianças entre 0 e 3 anos e 26% só aceitam crianças brancas.
Fosse levada em conta apenas a frieza dos números, o Brasil
tinha tudo para se tornar um paraíso, no qual não haveria crianças abandonadas,
dormindo e esmolando nas ruas. Nesse paraíso, todos os meninos e meninas
brasileiras teriam uma família que os acolhesse. Criado para agilizar e
auxiliar os juízes das Varas da Infância e da Juventude, na condução dos
processos de adoção em todo o país, o Cadastro Nacional de Adoção (CNA),
atualmente, conta uma lista de 5.502 crianças que esperam por uma família, contra
33.375 mil famílias que aguardam pela adoção. Se a demanda das famílias é assim
tão maior que o número de crianças esperando adoção, por que, então o
problema persiste? Infelizmente, o que se constata é que as famílias idealizam
um perfil para as crianças que querem adotar que não corresponde à realidade.
Para a psicóloga e mãe adotiva Cibele Pacheco da Silva, 38
anos, esses dados são resultados dessa idealização que as famílias criam sobre
a criança sonhada. “Na fase do curso de preparação é que a gente vai
determinando o perfil da criança desejada. É quase que um check-list com
perguntas como idade pretendida, preferência de sexo, preferência de cor de
pele e uma infinidade de detalhes que devemos manifestar sobre nossas
preferências, até que se feche o perfil”.
Desse número geral
das famílias do cadastro, 26% preferem crianças de cor branca, contra 1,72% que
só aceitam crianças negras. Cerca de 79% das famílias querem apenas uma
criança, ou seja, caso a criança tenha irmãos, essas famílias não estão
disponíveis a receber mais de uma criança. É aí que surge outra dificuldade,
porque, segundo o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), os grupos de
irmãos não podem ser separados. Para a supervisora substituta da área de adoção
da Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal, Niva Campos, as restrições
impostas pelas famílias é o maior dificultador do processo.
“Restrições como idade e crianças com irmãos são algumas das
dificuldades. Além das crianças com algum problema de saúde. A maior parte do
nosso cadastro tem disponibilidade para adotar apenas uma criança e algumas têm
irmãos que prezamos pela não separação”, explicou Niva. De acordo com ela, uma
família com disponibilidade para receber, por exemplo, três crianças, é rara no
cadastro. “Esses descompassos é que acabam dificultando a adoção”.
Após sete anos da criação do CNA (Cadastro Nacional de
Adoção), os avanços foram muitos, mas as disparidades ainda mostram o quanto a
maioria das famílias que deseja adotar uma criança idealiza uma criança dos
sonhos, deixando de lado a realidade dos meninos e meninas que aguardam por uma
família.
A idealização das crianças é
um problemas, mas os responsáveis pelo sistema de adoção reconhecem que há
muita burocracia e falta de agilidade no processo. Um problema que, segundo a
corregedora do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), Nancy Andrighi, vem sendo
enfrentado. Ela informou ao Fato Online que um novo sistema do
Cadastro Nacional começou a ser implantado no último mês, com o objetivo de
facilitar e agilizar o trabalho dos magistrados da Infância e da Juventude. “O
novo CNA tem agora um sistema de cruzamento de dados mais efetivo e proativo, localizando
perfis afins de crianças e pretendentes, inclusive fora da comarca onde estão
cadastrados”, o que poderá facilitar esse encontro entre a criança com o perfil
traçado pelas famílias habilitadas.
Sistema de alertas
No último mês foi criado um “sistema de alertas” que permite
que o juiz seja automaticamente informado, assim que uma criança é
cadastrada, sobre a existência de pretendentes interessados naquele perfil.
“Simultaneamente, o juiz que cadastrou aquele pretendente é informado, via
e-mail, que uma criança com aquele perfil desejado ingressou no sistema.
Assim, os magistrados podem iniciar os procedimentos relativos à adoção
imediatamente”, explicou a corregedora.
De acordo com Nancy, as últimas inovações no cadastro
diminuem o trâmite burocrático, já que a automação do sistema permite que tanto
os magistrados que cadastraram as crianças quanto aqueles que cadastraram os
pretendentes sejam informados simultaneamente sobre a existências de perfis
afins, podendo, assim, dar mais rapidamente início ao processo de adoção.
Entre 2008 e 2015, foram 4.032 registros de adoções
realizadas no âmbito do CNA - com crianças e pretendentes cadastrados, sendo
que alguns dos registros contemplam mais de uma criança quando se trata da
adoção de irmãos. Além destes, foram efetivados mais 4.359 registros de adoções
de crianças cadastradas no CNA, mas com pretendentes de fora do cadastro. Neste
último caso, geralmente são crianças que não estão no perfil das famílias
cadastradas.
A maior parte dos habilitados
que compõe os números do cadastro, 14.976, está na região Sudeste. Dessas
pessoas, cerca de 24% só querem crianças brancas, contra 2,48% que optaram pela
exigência de criança negra. A região Sul é a segunda maior composição dos
números, com 11.751 pessoas na lista, que anseiam pela adoção de uma criança.
No entanto, entre os sulistas, a preferência por crianças de cor branca é
maior: cerca de 38% desse número. E é o menor percentual entre os que aceitam
somente crianças negras: 0,98%.
Das crianças
Das 5.502 crianças e adolescentes que compõe o cadastro,
1.773 são da cor branca, 981 de cor negra, 19 amarela, 2.704 pardas e 30
indígenas. Desse número, 77% possuem irmãos. Além de 1.257 crianças que têm
algum problema de saúde, outra realidade dura realidade rejeitada pela maioria
do cadastro. Destas crianças com problema de saúde, 438 são portadoras de
doenças tratáveis e 159 de doenças não-tratáveis, 211 possuem alguma
deficiência física, 465 têm deficiência mental e 89 são portadores de HIV.
Dos atuais 33.375 pretendentes à adoção no CNA,
somente 2.617 não fazem nenhuma restrição em relação à criança ser portadora de
alguma doença ou deficiência, no entanto, outras restrições são realizadas
inviabilizando o fechamento da conta entre famílias e crianças que esperam por
adoção.
Entre o total de crianças e adolescentes, 2.407 são do sexo
feminino e 3.095 do sexo masculino. Entre a preferência da lista dos que
aguardam uma menina estão 10.275, contra 3.213 que preferem menino. Apesar
disso, é importante lembrar que, ainda que pareça uma conta fácil de fechar, a
maioria das crianças não se enquadram em alguma parte do perfil traçado pelas
famílias.
Realidade
Há cerca de seis meses, a psicóloga Cibele conseguiu a guarda
de Rafaela, 5 anos. No entanto, não foi pela Vara da Infância de Brasília, onde
mora, mas por Goiânia. A história da Cibele é longa. Por conta de uma menopausa
precoce, ela não pôde ter filhos biológicos. Desde o início de 2012 que deu
entrada no processo, mas só conseguiu entrar na fila há cerca de um ano.
De acordo com ela, a conciliação do seu trabalho com o curso
de preparação não estava dando certo. “Na minha época, eram poucas turmas, com
quatro encontros em horários estabelecidos pela própria Vara. Isso já é
uma coisa que dificulta um pouco, porque muitas vezes não dá para conciliar com
trabalho, estudo”.
Sua posição inicial, na fila de habilitados, era a de 375,
logo caiu para 350 e deu uma estagnada. Apesar de já estar com a Rafaela, ela
ainda aguarda por mais uma criança. “Eles nos explicaram que se quiséssemos
adolescentes era quase que imediato, porque não era o perfil solicitado pelas
famílias”, disse. Isso porque, hoje, em Brasília, existem cerca de 88 crianças
cadastradas no processo de adoção e dessas, 32 são menores de 12 anos e 56
adolescentes (acima de 12 anos). No cadastro da capital, nenhuma família
habilitada está disponível para adotar adolescentes.
O caso da adoção da Rafaela foi paralelo ao processo de
Brasília. Rafaela tinha um irmão que, em caso raro, foi separado para outra
família. “Ela acabou chegando para a gente porque conhecemos as pessoas que
trabalhavam com eles (os irmãos), que conheceram nossa história e nos
apresentaram à juíza. Nós já estávamos no cadastro, fizemos tudo de forma legal
e dentro de todo o processo ganhamos a guarda com vias de adoção”.
Para Cibele, após a decisão de adotar uma criança foram em
busca de histórias e se apaixonaram pelo que ouviram. “Não tem como não se
encantar e se apaixonar, porque são filhos que nascem do amor. A adoção é um
ato de amor. Muitas pessoas pensam que é um ato de caridade, mas não é. Você
não está fazendo pelo outro uma coisa que é boa só para ele. Adotar alguém é
dizer para o outro: ‘Olha eu não consigo mais viver sem você’.
Ela explicou que o sentimento na adoção é inverso. “A diferença
é que na gestação biológica a situação acontece dentro do corpo. Para uma mãe
adotiva, acontece fora. Não é um filho que vai sair de você. Ao contrário, é um
filho que está entrando. A cada dia ele entra e vai ocupando o espaço dele.
Entender esse processo de adoção é importante.
Instituições de acolhimento
De acordo com ela, um problema que deve ser sanado é o tempo
em que as crianças vivem nas instituições de acolhimento, até que estejam
disponíveis para adoção. A burocracia com a nova lei dificultou esse trâmite.
De acordo com a supervisora da Vara da Infância do DF, entre as crianças que
vivem nas instituições, apenas cerca de 10% estão disponíveis para adoção. As
outras estão em situações temporárias de conflitos familiares e outras estão em
processo de busca por um parente que as queiram.
“Na parte de lei, a gente teria que conseguir uma forma de
fazer esse processo bastante efetivo, claro que cuidadoso, responsável, mas de
uma forma mais rápida. Às vezes você pega história de crianças que ficam lá
três, quatro e até cinco anos no abrigo, quando na verdade ela já podia estar
em uma família”, explicou Cibele, referindo-se a Lei de Adoção, que, para ela,
coloca a família adotiva na última opção do estado e justifica a lotação nos
abrigos, que estão cheios, mas muitas crianças não estão disponíveis à adoção.
O preconceito
Para a psicóloga, algumas pessoas têm receio de falar que o
filho é adotado. “Existe um preconceito ainda. Quando eu disse às pessoas que
eu ia adotar, ouvi comentários do tipo: ‘Cuidado hein, porque filho adotado
mata os pais’. Não é assim. A gente vê na mídia notícias de filhos biológicos
também, como a própria Suzane”.
Para ela, a coisa piora quando se trata de adoção de
adolescentes. “Logo, as pessoas dizem: ‘Você vai pegar uma criança maior? E
como fica a história dela?’. A história dela, todo mundo tem a sua. Eu acho que
você trabalhar a ideia de que o convívio, de que o afeto realmente é capaz de
produzir vínculo, é a coisa mais importante”.
Como psicóloga,
Cibele diz que a questão da hereditariedade precisa ser enfrentada pelas
famílias. “É preciso desmistificar essa história de que o hereditário é mais
importante do que o convívio, do que o afeto, do que a coisa chamada família.
Família não é um título. É uma convivência, é uma vontade de estar junto, de
fazer bem ao outro”.
A expectativa da fila
Para Adriana de Oliveira Assis, 45 anos, que aguarda na fila
de habilitados da Vara da Infância e Juventude do Distrito Federal, essa
realidade do perfil escolhido pelas famílias existe e é justificada pela
questão da aceitação dessa criança no novo lar. “A família precisa estar
preparada para receber a criança. Não adianta colocar uma criança fora do
perfil desejado, pois essa criança pode não ser aceita, assim como a família
pode não ser bem recebida pela criança. São relações delicadas”, disse Adriana.
Na fila há dois anos e oito meses, Adriana acredita que a
justiça é ágil, mas o perfil pretendido dificulta. Em um consenso entre ela e o
marido, eles decidiram que a criança pretendida teria que ter no máximo três
anos. “Eu gostaria de ter uma criança acima de três anos, pois já convivi com
essa realidade dos abrigos, mas meu marido acredita que é mais fácil estreitar
os vínculos familiares com uma criança menor, além da questão de ter de lidar
com as histórias difíceis e de dor que elas carregam”, justifica.
De acordo com o Cadastro Nacional de Adoção, cerca de 70% das
famílias habilitadas tem preferência por crianças entre 0 e 3 anos. Entre as
crianças, apenas 216 estão nessa faixa etária.
Fonte: http://fatoonline.com.br/conteudo/4336/cadastro-nacional-muda-para-tornar-adocao-menos-burocratica