"Uma criança é como o cristal e como a cera. Qualquer choque, por mais brando, a abala e comove, e a faz vibrar de molécula em molécula, de átomo em átomo; e qualquer impressão, boa ou má, nela se grava de modo profundo e indelével." (Olavo Bilac)

"Un bambino è come il cristallo e come la cera. Qualsiasi shock, per quanto morbido sia
lo scuote e lo smuove, vibra di molecola in molecola, di atomo in atomo, e qualsiasi impressione,
buona o cattiva, si registra in lui in modo profondo e indelebile." (Olavo Bilac, giornalista e poeta brasiliano)

terça-feira, 29 de maio de 2012

A orfandade silenciosa

Coluna Atitude Adotiva
Publicado em 22.05.2012, às 15h52

Por Cintia Andrade Moura*

O que entendemos por orfandade? Qual o primeiro pensamento que nos vem à mente quando escutamos essa palavra? Imediatamente, lembramos das crianças desamparadas que perderam os pais. E onde elas estão? Supomos que estão nas instituições de abrigamento ou nas ruas. Ah! Ledo engano. Os órfãos não se encontram apenas nos abrigos ou nas ruas, mas dentro dos incalculáveis lares pelo mundo afora. São os filhos desamparados do afeto, os privados de cuidados, os que perderam o amor daqueles que lhes deveriam ser pai ou mãe.

http://www2.uol.com.br/JC/pai_ausente.jpg
(Foto: Internet)

Muitos filhos não se sentem realmente filhos. Sentem que a televisão, a academia, o trabalho, as viagens são mais importantes que eles. Tudo o mais é sempre mais importante. Desejando manterem-se no controle da situação, esses pais tentam compensar sua ausência afetiva com brinquedos. Dão-lhes presentes em vez de presença.

E o que dizer dos filhos que percebem que não são os mais queridos? Que o irmão ou irmã é mais importante? Se eles pudessem desabafar, diriam certamente que gostariam de serem compreendidos, amados e desejados. São os rejeitados, que tentam de tudo, até mesmo irritar profundamente aqueles a quem querem a todo custo chamar a atenção. Quantos, entre nós, não carregamos lembranças amargas da rejeição, da falta de carinho e do desprezo afetivo?

Já ouvi o amargo desabafo de pais e mães que não conseguem gostar de seus filhos. Alguns deles, ao contrário, chegam a sentir pelas suas crianças uma verdadeira repulsa. Sofrem e frustram-se pelo insucesso na educação da prole. Uma cruel realidade mais comum do que se imagina.

Portanto, a respeito da orfandade, é imperioso que nos perguntemos: Meu filho é um problema para mim ou as minhas limitações e frustrações como pessoa são grandes problemas para ele? Que nível de envolvimento afetivo eu venho construindo com ele? Em que momento e de que forma expresso meu amor e afeto? Quais as prioridades e renúncias eu promovo para estar com ele? Quais os limites que estabeleço para a sua educação? Será que sou capaz de me tornar uma pessoa melhor para ajudá-lo? Percebo as consequências futuras da nossa relação se falhar agora?

Esforça-te pelo amor! Aquele filho que tens maior dificuldade em lidar, adota-o hoje enquanto comungas com ele a mesma jornada. Reconcilia-te para que uma nova história seja vivida. Busca maiores entendimentos com momentos de pacificação e cumplicidade. Afinal, nunca é tarde para aceitar e amar.

Não sejamos nós os futuros órfãos do amor mal resolvido. Hoje nossos filhos nos solicitam a atenção constante. Amanhã poderemos ser nós a desejar-lhes a presença e o afeto.

* Cintia Andrade Moura é mãe adotiva, escritora e integrante do Gead (Grupo de Estudos e Apoio à Adoção do Recife)

Fonte: http://ne10.uol.com.br/coluna/atitude-adotiva/index.php

*************

Sobre o final belo do texto acima, "Orfandade Silenciosa" (Post anterior), da minha xará Cintia, tenho a adicionar, como profissional da mente humana, que nada mais é mais potente que o autoconhecimento.

Para travar uma relação de afeto com nossos filhos devemos nos reconciliar antes de tudo com a figura internalizada dos nossos pais, com a nossa criança ferida, com a imagem interna e regredida que temos das nossas figuras de base. Esse é o único caminho da transformação de nossas relações, afinal nós somos o produto do tipo de relação que tivemos com nossos pais nos primeiros anos de vida, num meio que é foco de neuroses para todos nós seres humanos que é a família, isso já é científico há muito tempo. E que estamos fortemente propensos e repetir os meeeeesmos erros dos nossos genitores também é fato, Bowlby já provou há muito tempo e o único jeito de mudar isso é fazendo um trabalho psicoterapêutico, nada adianta forçar de fora pra dentro, o trabalho é de dentro pra fora.

Acredito que muitos homens e mulheres não conseguem procriar porque têm muito medo do desconhecido que mora dentro deles, do que trazem da relação mal resolvida com seus pais. Como diz Bowlby, é na hora de tornar-se genitor que abrem-se feridas intergeracionais e como dar o que não se teve? Na hora de gerar o CORPO também pode reagir e se perguntar, como posso ser mãe se não "aceito" e não sei lidar com a mãe que tenho? Com a minha mãe internalizada, se tenho conflito com o modelo de mãe que tenho? Muitas mulheres conseguem gerar depois que iniciam suas terapias, algumas também depois de provarem ser mães através da adoção.

Todos nós precisamos de terapia, afinal nenhuma família é perfeita. Vamos lá, coragem, força, por amor aos nossos filhos, por amor a nós mesmos e para descobrirmos um amor maior ainda que podemos sentir pelos nossos pais.

Cintia Liana

Nenhum comentário: