"Adoção de crianças brasileiras por estrangeiros"
Crianças brasileiras precisando de pais que as acolham e amem. Casais estrangeiros em busca dos filhos que não puderam gerar. Quando essas duas realidades se cruzam, há uma explosão de sentimentos: amores represados, alegrias, conflitos, incompreensão. Superados os obstáculos, nascem novas famílias – e uma esperança para meninos e meninas que tinham perdido a capacidade de sonhar
Foto: Revista Cláudia
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Um encontro escrito nas estrelas
Eles eram o número 146 da lista de adoção. Queriam uma menina, recém-nascida, de olhos azuis. Era o ano de 1997, e os franceses Claude* e Francine*, que viviam no Brasil desde 1989 por causa do trabalho dele, já tinham a cidadania brasileira. Entraram, por isso, na fila nacional. Na planilha de informações que tiveram que preencher, se dispuseram a adotar duas crianças. Pronto, informação preciosa para fazê-los pular da 146ª para a sexta posição. Foram nove meses de espera até o anúncio de que dois meninos gêmeos estavam à espera de novos pais. A resposta tinha que ser dada no mesmo dia. “Liguei na hora para Claude e, se tivesse dito que eram três crianças, ele aceitaria do mesmo jeito”, acredita Francine. Faltava aguardar a aprovação do juiz, o que poderia levar uma semana. “Eu ligava todos os dias para saber se ele havia decidido, até que veio a confirmação oficial.” A história de Claude e Francine destoa de outros pais estrangeiros porque eles adotaram bebês – o que não costuma acontecer na esfera internacional, que recomenda a adoção de crianças maiores de 5 anos. Os meninos tinham 3 meses e se encontravam na extinta Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem). Eram prematuros, estavam doentes, tinham asma e bronquite. “Foi amor à primeira vista.” Chegaram em casa com os dois bebês e encararam uma rotina enlouquecedora. “Ficamos quatro anos sem dormir”, conta Francine. Breno* tinha refluxo e alergia ao gato da casa, o que eles só descobriram depois de muitas noites insones. O menino não ganhava peso e, quando mamava, vomitava em seguida. Alain* crescia normalmente, mas demonstrava uma clara rejeição pela figura feminina: só queria saber do pai. “Para ele, todas as mulheres eram mães que poderiam machucá-lo e abandoná-lo”, explica Francine. Já Breno parecia ter medo de tudo e passou um ano sem esboçar um sorriso. Hoje, aos 13 anos, Breno e Alain preferem não conversar sobre a adoção, mas sempre souberam de suas origens. Claude contava uma história: “Era uma vez em São Paulo dois meninos procurando pais e dois pais em busca de dois filhos... até que nos encontramos.”
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Foto: Revista Cláudia. Catherine e Dayane na festa de 13 anos.
Mãe solteira por adoção
Sempre quis ter filhos, mas até os 40 anos isso não me preocupava. Um dia, despertei para o fato de que ainda poderia estar em tempo. Aquela ideia começou a martelar na minha cabeça, só que nem namorado eu tinha. Optei, então, pela adoção. Tenho absoluta certeza de que os laços de sangue não são fundamentais para sustentar relações fortes.
Aqui na França, trabalho como terapeuta ocupacional na reabilitação de crianças com deficiência motora e sei bem o que representa ser pai ou mãe. Comecei o processo em fevereiro de 2001 e passei nove meses me preparando por meio de encontros com assistentes sociais e psicólogos. É um período muito importante de reflexão que mexe demais com a gente. Com tudo aprovado pela Justiça, encontrei uma entidade que aceitou meu dossiê – não era tão simples assim para uma mulher solteira.
A Edelweiss, associação autorizada pelo governo francês, me colocou em contato com casais que haviam adotado crianças brasileiras. Queria uma criança em idade escolar, em torno dos 7 anos. Meu pedido seguiu para o Brasil em junho de 2002. E ali começou o infindável período de incertezas, inquietudes e esperança. Já haviam me prevenido de que a espera levaria em torno de dois anos.
No dia 15 de julho de 2003, um telefonema mudou minha vida para sempre. Lembro de cada detalhe daquela ligação: “Temos uma menina de 7 anos que se chama Dayane”. E ainda era uma menina. O presente não poderia ser mais completo. Eu poderia pensar e dar a resposta no dia seguinte. Por que esperar mais? Para ver uma foto? Eu já me sentia mãe dela. Quinze dias depois, parti para o Brasil. Não lembro absolutamente nada da viagem, dormi as 12 horas de voo. Cheguei ao Rio de Janeiro e segui para Vitória, no Espírito Santo. Na manhã seguinte, mais três horas de viagem me levariam ao encontro da minha filha em uma cidadezinha do interior. E voilà, a minha menina estava diante de mim, me descobrindo à medida que eu a descobria. A vontade era de abraçá-la, mas fui conversando calmamente até que ela me pegou pela mão e me levou para conhecer o orfanato. Assim, de mãos dadas, pegamos um táxi de volta a Vitória. Dentro do carro, a primeira coisa que me pediu foi que a levasse à Itália para encontrar sua melhor amiga, que havia sido adotada por uma família de lá. Em seguida, adormeceu deitada sobre as minhas pernas. Fiquei completamente seduzida por aquela maneira tão genuína de afeto, de confiança, de me chamar de “mamãe”.
Ali começava nosso estágio de convivência de cinco semanas, no qual experimentei momentos fantásticos e também difíceis. Ora Dayane se deixava abraçar, paparicar, me pedia para ser sua mãe, ora ela entrava em pânico porque não se fazia compreender e me rejeitava. Felizmente, esse momentos se alternavam num mesmo dia. Findo o estágio de convivência e com os documentos em mãos, era hora de embarcar de volta para a França. Muitas descobertas por vir: a casa nova, a família, os amigos, os animais – temos dois gatos e uma cachorra, a Caipirinha (Caipi), a escola, o novo ritmo de vida.
Vieram os momentos de desânimo. A escola lhe parecia difícil demais, o sol fazia falta, mas sempre conversamos muito sobre tudo. Dayane é bem franco-brasileira, orgulhosa de suas origens, mesmo que as diferenças às vezes pesem um pouco. Nossa vida juntas virou a minha de cabeça para baixo, mas era exatamente o que eu mais desejava. Me preocupo, às vezes fico chateada por ela, sou uma mãe exigente em alguns pontos, liberal em outros. Como a minha vida seria triste sem Dayane! Nossa ligação é tão evidente que fica até mesmo difícil lembrar que ela teve que ser construída. Hoje, com 14 anos, ela me faz lembrar de mim mesma quando reage dessa ou daquela maneira. Ora, claro, ela é minha filha.
Aqui na França, trabalho como terapeuta ocupacional na reabilitação de crianças com deficiência motora e sei bem o que representa ser pai ou mãe. Comecei o processo em fevereiro de 2001 e passei nove meses me preparando por meio de encontros com assistentes sociais e psicólogos. É um período muito importante de reflexão que mexe demais com a gente. Com tudo aprovado pela Justiça, encontrei uma entidade que aceitou meu dossiê – não era tão simples assim para uma mulher solteira.
A Edelweiss, associação autorizada pelo governo francês, me colocou em contato com casais que haviam adotado crianças brasileiras. Queria uma criança em idade escolar, em torno dos 7 anos. Meu pedido seguiu para o Brasil em junho de 2002. E ali começou o infindável período de incertezas, inquietudes e esperança. Já haviam me prevenido de que a espera levaria em torno de dois anos.
No dia 15 de julho de 2003, um telefonema mudou minha vida para sempre. Lembro de cada detalhe daquela ligação: “Temos uma menina de 7 anos que se chama Dayane”. E ainda era uma menina. O presente não poderia ser mais completo. Eu poderia pensar e dar a resposta no dia seguinte. Por que esperar mais? Para ver uma foto? Eu já me sentia mãe dela. Quinze dias depois, parti para o Brasil. Não lembro absolutamente nada da viagem, dormi as 12 horas de voo. Cheguei ao Rio de Janeiro e segui para Vitória, no Espírito Santo. Na manhã seguinte, mais três horas de viagem me levariam ao encontro da minha filha em uma cidadezinha do interior. E voilà, a minha menina estava diante de mim, me descobrindo à medida que eu a descobria. A vontade era de abraçá-la, mas fui conversando calmamente até que ela me pegou pela mão e me levou para conhecer o orfanato. Assim, de mãos dadas, pegamos um táxi de volta a Vitória. Dentro do carro, a primeira coisa que me pediu foi que a levasse à Itália para encontrar sua melhor amiga, que havia sido adotada por uma família de lá. Em seguida, adormeceu deitada sobre as minhas pernas. Fiquei completamente seduzida por aquela maneira tão genuína de afeto, de confiança, de me chamar de “mamãe”.
Ali começava nosso estágio de convivência de cinco semanas, no qual experimentei momentos fantásticos e também difíceis. Ora Dayane se deixava abraçar, paparicar, me pedia para ser sua mãe, ora ela entrava em pânico porque não se fazia compreender e me rejeitava. Felizmente, esse momentos se alternavam num mesmo dia. Findo o estágio de convivência e com os documentos em mãos, era hora de embarcar de volta para a França. Muitas descobertas por vir: a casa nova, a família, os amigos, os animais – temos dois gatos e uma cachorra, a Caipirinha (Caipi), a escola, o novo ritmo de vida.
Vieram os momentos de desânimo. A escola lhe parecia difícil demais, o sol fazia falta, mas sempre conversamos muito sobre tudo. Dayane é bem franco-brasileira, orgulhosa de suas origens, mesmo que as diferenças às vezes pesem um pouco. Nossa vida juntas virou a minha de cabeça para baixo, mas era exatamente o que eu mais desejava. Me preocupo, às vezes fico chateada por ela, sou uma mãe exigente em alguns pontos, liberal em outros. Como a minha vida seria triste sem Dayane! Nossa ligação é tão evidente que fica até mesmo difícil lembrar que ela teve que ser construída. Hoje, com 14 anos, ela me faz lembrar de mim mesma quando reage dessa ou daquela maneira. Ora, claro, ela é minha filha.
Catherine, 50 anos
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Nos próximos posts colocarei todas as outras etapas da matéria.
Adoção internacional
Um encontro escrito nas estrelas
Mãe solteira por adoção
A linguagem do amor e do olhar
Tinha sonhado tanto com ele
Procuram-se pais
Postado Por Cintia Liana
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