"Uma criança é como o cristal e como a cera. Qualquer choque, por mais brando, a abala e comove, e a faz vibrar de molécula em molécula, de átomo em átomo; e qualquer impressão, boa ou má, nela se grava de modo profundo e indelével." (Olavo Bilac)

"Un bambino è come il cristallo e come la cera. Qualsiasi shock, per quanto morbido sia
lo scuote e lo smuove, vibra di molecola in molecola, di atomo in atomo, e qualsiasi impressione,
buona o cattiva, si registra in lui in modo profondo e indelebile." (Olavo Bilac, giornalista e poeta brasiliano)

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Continuação - "Adoção de crianças brasileiras por estrangeiros"

Foto: Elena Kalis

A linguagem do amor e do olhar

Alguém já teve a oportunidade de acompanhar um nascimento quádruplo? Pois eu, repórter, tive essa alegria. E o local do belo acontecimento que testemunhei numa cinza manhã de quarta-feira, em plena e atípica primavera paulistana, não era habitado por médicos nem enfermeiras. Tampouco tinha salas de parto e berçários. Um hotel na zona sul de São Paulo hospedava Marco*, Bruna*, Cecília* e Carolina*. Marco e Bruna, os pais. Cecília e Carolina, as filhas. Um casal de italianos na faixa dos 50 anos, juntos há 18, visivelmente felizes e unidos. Elas, duas meninas brasileiras de 6 e 7 anos, abandonadas pela mãe em um abrigo. Eles, cheios de amor para dar aos filhos que não conseguiram ter de forma natural, e elas precisando do afeto e dos cuidados paternais que a vida nunca lhes proporcionou. Naquela manhã nublada de novembro, Marco, Bruna, Cecília e Carolina estavam se reconhecendo no estágio de convivência. De um total de cerca de 50 dias que dura esse período, aquele era o 17º. O apartamento já tinha ganhado vida e estava tomado por brinquedos espalhados pelo chão e pelas vozinhas das meninas. Entre expressões por vezes assustadas com a constatação de que o sonho estava se concretizando, Marco e Bruna contaram a bela história desde o início. Há cerca de cinco anos, o casal partiu para a adoção depois de algumas tentativas malsucedidas de gravidez. Na Itália, o pedido é dirigido simultaneamente para adoção nacional e internacional. Eles não especificaram gênero, características físicas, nacionalidade, raça, mas se dispuseram a adotar uma ou duas crianças. Foram dois anos de preparação psicossocial até o telefone tocar, no dia 9 de agosto, com a notícia. “Estávamos no início das férias e a sede da entidade, a Amici dei Bambini, ligou informando que tinha encontrado as duas crianças no Brasil”, lembra Bruna. A nova tanto esperada causou um susto. Na hora, o impacto para mim não foi tão positivo”, confessa Marco. “Depois de algum tempo, fui me acalmando. Algo acendeu em mim e veio a emoção.” No final de outubro, os italianos desembarcaram em São Paulo – primeira vez no Brasil – para conhecer as meninas, cujos rostinhos tinham visto por fotos. “No caminho até a instituição, não conseguia parar de imaginar o que iria acontecer em alguns minutos”, lembra o pai. A mais velha e extrovertida, Cecília, foi logo abraçando a mãe. “Quando a vi de pertinho, achei que ela parecia menor do que na foto. Impossível descrever o primeiro abraço. Foi como um nascimento”, conta Bruna, emocionada. Emoção que só se intensifica a cada dia de convivência com as filhas. “Não é fácil, viu?”, diz Marco. Claro que não. Tudo é novidade, para eles e para elas. Afinal, eles estão se conhecendo, cada qual com sua personalidade, seus medos, suas dúvidas e desconfianças. Motivos não faltam para Cecília e Carolina: elas já haviam sido adotadas por um casal brasileiro e foram devolvidas depois de terem presenciado muitas brigas. A figura masculina, rara nos abrigos, ainda causava estranheza. “Elas ficam com vergonha”, diz Marco. No início, elas disputavam quem se aproximaria dele primeiro, até que o conflito virou briga. Peguei as mãozinhas delas, juntei às minhas e às da Bruna e disse: ‘Esta é uma família, e aqui não se deve brigar’. Foi uma surpresa, porque elas não foram castigadas.” Crianças que são, as meninas pintam e bordam. Sujam a camiseta, desarrumam o banheiro, derramam suco... O casal vai se acostumando com a rotina de dividir o espaço com as pequenas. O trabalho é longo, eles sabem. A mãe, mais paciente; o pai, mais rígido. Equilíbrio fundamental para quem educa. “Um dia, para nos agradar, elas lavaram todo o banheiro com o detergente da louça”, contam os dois, orgulhosos. Nesta fase de reconhecimento, a língua é ainda a maior barreira para o convívio. Eles falam pouco o português, mas elas já não se apertam tanto com o italiano dos pais. “É a linguagem do amor”, garante Bruna. “E do olhar, que é internacional”, emenda Marco.


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Aguardem a continuação da matéria nos próximos dois posts.


Postado Por Cintia Liana

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