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Considerações Finais do estudo "O ciclo recursivo do abandono" de Juliana Fernandes Pereira e Liana Fortunato Costa
Gostaríamos de ressaltar, para concluir, as três principais conseqüências do processo de fragmentação e abandono da rede de atendimento, identificadas a partir da investigação: a) a ausência de alternativas à institucionalização: “A família se desorganizou e elas se viram em situação de completo abandono, né? (...) Quer dizer, a sociedade, o governo, a Vara da Infância encaminha, né? Não tem outra saída, elas têm que viver em instituição.” (Beloto); b) as dificuldades para trabalhar com a reintegração familiar: “A gente tem muito pouco apoio na rede social, a gente que trabalha na Justiça, pra estar encaixando e melhorando a situação de vida das pessoas pra ter os filhos de volta.” (Luíza); c) e, finalmente, as dificuldades para trabalhar com a colocação de crianças maiores e adolescentes em lares substitutos: “Já teve o abandono dos pais e está tendo o abandono do Estado.” (Luíza).
O efeito mais grave do quadro observado é a continuidade do “abrigo depósito” — a exemplo da Roda dos Expostos — no qual crianças tornam-se adolescentes abandonados pela família, pelo Estado e pela sociedade. Em última instância, sofrendo as tensões do ciclo de abandono vivido nos diferentes níveis do sistema de atendimento, estão, portanto, a criança e o adolescente que, diariamente, enfrentam a ruptura dos laços afetivos construídos na instituição e a ação do tempo, que diminui substancialmente as possibilidades de retorno à família de origem ou encaminhamento para um lar substituto. Dessa maneira, como explica Enriquez (1991, 77), o modelo real pode diferir substancialmente “do arcabouço estrutural criado para lhes dar vida”, ou seja, “Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta” (Art. 19) (ECA) e, ainda, “o abrigo é medida provisória e excepcional” (Art. 101, § único).
A principal contribuição da investigação se refere à necessidade de ultrapassarmos a visão reducionista do abandono — como relacionado apenas à díade família/criança ou adolescente — para se atingir uma visão mais complexa e contextualizada do fenômeno. Desse modo, o mesmo não deve ser visto apenas sob a ótica das relações familiares, mas compreendido como um processo co-construído, do qual participam também o contexto social, institucional, jurídico, econômico, político e cultural brasileiro. É notável a situação de vulnerabilidade das famílias e de crianças e adolescentes abrigados quando a rede de atendimento não consegue responder à demanda que deu origem à intervenção da Justiça.
A ausência de uma política de atendimento profícua, de órgãos e profissionais qualificados que possam atender às prerrogativas do ECA dificulta, assim, a realização de um trabalho eficaz, seja de reintegração familiar ou de encaminhamento para lar substituto. Tais aspectos contribuem substancialmente para que se instale um processo gradativo de um abandono co-construído, que priva crianças e adolescentes institucionalizados do direito à convivência familiar. Desse modo, o próprio modelo de tratamento do abandono em nossa realidade acaba contribuindo para a instalação de um ciclo recursivo do abandono que re-vitimiza crianças e adolescentes, transformando-os nos “Filhos do Abrigo”, como outrora definiu Beloto.
O ciclo recursivo do abandono
Juliana Fernandes Pereira e Liana Fortunato Costa
lianaf@zaz.com.br
"Juliana Pereira é Mestre em Psicologia Clínica e Psicóloga colaboradora do Projeto Aconchego: Grupo de Apoio à Adoção de Brasília e do Programa de Apadrinhamento Afetivo de Crianças e Adolescentes Institucionalizados. Liana Costa é Psicóloga, Terapeuta Familiar.
Trabalho baseado na dissertação de mestrado intitulada “A Adoção Tardia frente aos Desafios na Garantia do Direito à Convivência Familiar” - realizada pela primeira autora sob a orientação da segunda - defendida na Universidade de Brasília, Distrito Federal, Brasil, em Maio de 2003.
Para ler estudo completo:
Postado Por Cintia Liana
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