"Uma criança é como o cristal e como a cera. Qualquer choque, por mais brando, a abala e comove, e a faz vibrar de molécula em molécula, de átomo em átomo; e qualquer impressão, boa ou má, nela se grava de modo profundo e indelével." (Olavo Bilac)

"Un bambino è come il cristallo e come la cera. Qualsiasi shock, per quanto morbido sia
lo scuote e lo smuove, vibra di molecola in molecola, di atomo in atomo, e qualsiasi impressione,
buona o cattiva, si registra in lui in modo profondo e indelebile." (Olavo Bilac, giornalista e poeta brasiliano)

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

História 5

Foto: Google Imagens

Revista Veja São Paulo

"Esse lugar é tão grande, deve ter uma chaminé." - Jaqueline

No quarto das meninas do Lar de Infância Nice, encharcado da luz do sol que entra pelas janelas altas e sem cortinas, a cena é dominada por bonecas e bichos de pelúcia. São muitos, espalhados sobre as dezoito camas tubulares cor-de-rosa arrumadas com colchas de estampa delicada.

Logo na entrada fica a de Jaqueline Nucci de Souza, de 9 anos. Desde os 3 ela vive na instituição fundada pelo Centro Espírita Irmã Nice na década de 60 — uma época em que não se falava em abrigo, mas em orfanato, e as crianças cumpriam uma espécie de sentença de prisão dentro das casas assistenciais. Ela garante que esses tempos não têm nada a ver com sua rotina. Vai à escola, nada em um clube municipal nos finais de semana e, de vez em quando, recebe amiguinhas em seu quarto. Suas roupas, compartilhadas com as outras internas, estão sempre limpas e passadas.

Jaqueline tem dois sonhos. Um é o de tornar-se salva-vidas. O outro é de um dia ser adotada por uma família argentina, só para ter mais chance de conhecer as Chiquititas. "Se não der, tudo bem, sou muito feliz aqui", diz a menina, abandonada ao nascer.

Sua única referência familiar é a avó materna, que a visita uma vez por ano. Nem a ela Jaqueline pergunta dos pais que nunca conheceu. "Tenho um monte de mães, tias e irmãos. A gente se adora." Com eles, montou o presépio com mais de trinta peças e a árvore de Natal colocada na entrada dos visitantes. Nesta semana todos se reunirão na festa natalina oferecida por benfeitores da entidade. "É o dia mais feliz do ano", ela garante, mexendo nos brinquedos que recebeu nos últimos dias. Tem uma Barbie, um bambolê, sapatos e vestidos. "A bicicleta eu acho que é o Papai Noel quem vai trazer." Preocupada com a chegada do velhinho, ela pensa por onde ele poderia entrar. Logo se acalma. "Esse lugar é tão grande, deve ter uma chaminé em algum canto."

Publicação - Revista Veja São Paulo
Circulação - São Paulo – SP
Data - 23/12/98
Edição – 1578
Assunto - Abandono – Institucionalização
Título - Sete Histórias de Natal de Meninos e Meninas Carentes
Autora - Mirian Scavone


Postado Por Cintia Liana

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