"Uma criança é como o cristal e como a cera. Qualquer choque, por mais brando, a abala e comove, e a faz vibrar de molécula em molécula, de átomo em átomo; e qualquer impressão, boa ou má, nela se grava de modo profundo e indelével." (Olavo Bilac)

"Un bambino è come il cristallo e come la cera. Qualsiasi shock, per quanto morbido sia
lo scuote e lo smuove, vibra di molecola in molecola, di atomo in atomo, e qualsiasi impressione,
buona o cattiva, si registra in lui in modo profondo e indelebile." (Olavo Bilac, giornalista e poeta brasiliano)

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Abrigos: As crianças fora da lista de adoção

Beneath this Burning Shoreline

22/07
Por Ane Veiga – Jornalista e psicóloga

Faço trabalho voluntário em um abrigo com crianças e adolescentes em situação de risco, e conforme os vínculos vão se formando, novas oportunidades se abrem. Hoje saí pela primeira vez com as crianças, para um passeio. Levei apenas 3, dois meninos de 5 anos e uma menina de 7 anos, cinema, McDonalds e passeio no shopping. Semana que vem irei levar os que não foram dessa vez, um menino de 12 anos, uma menina de 9, e a pequena de 3 anos.

Tudo correu bem e se comportaram dentro do esperado. Mas o que ainda me choca é ver como essas crianças tem a infância roubada.... como o abandono fica marcado nesses coraçõezinhos... me sinto impotente, qualquer coisa que eu fizer será pouco, e nunca o suficiente para reparar o mal feito a esses pequenos.

Foram algumas situações, mas que um olhar treinado já consegue perceber a insegurança, o medo de abandono e a falta de “traquejo” social dessas crianças.

Eles não largaram a minha mão, ficavam penduradas no meu braço 100% do tempo, com medo de serem largadas ou esquecidas. Depois de ensiná-los a andar de escada rolante, dois já estavam mais confiantes e conseguiam “entrar” sozinhos, acabei me esquecendo de auxiliar o terceiro e entrei na escada... O desespero desse menino ao perceber que ficou para trás me cortou o coração, ele gritava e chorava, eu tentando voltar e tentando acalmá-lo, explicando que eu não iria deixá-lo, para ele dar um passo e vir até a escada...até que ele conseguiu, grudou em mim chorando desesperado. Eles olhavam assustados para tudo e todos. No cinema uma das crianças sentou-se ao lado de um menino com a mãe. Ele observava a outra criança, e até antes de rir olhava para mim buscando aprovação. Correr, experimentar, gargalhar como as outras crianças, até aconteceu... mas demorou um pouco.

É muito triste você depender da caridade alheia para ter lazer... Crescer sem alguém te amando e se importando com você, sem alguém para te proteger do mundo, para te embalar quando você está assustado ou machucado, é muito triste.

Lembrei da Lídia Weber, e resolvi compartilhar esse texto, que reflete bem como me senti hoje. Retirado de http://promonaci.blogspot.com/search/label/principal

“Eu imagino o que vocês devem ver e ouvir por aí. Eu aqui no meu canto de pesquisadora também me deparo - constante e sistematicamente - com relatos impressionantes. Ando cansada dessa nova história de que existem "somente" 4416 crianças para adoção no país e mais de 20 mil pretendentes. Onde estão as 80 mil crianças citadas pela pesquisa oficial do IPEA em 2008 (e que pesquisou somente em Abrigos que recebiam fundos federais!)? Em menos de 3 anos elas desapareceram? Ou foram novamente colocadas em outro limbo, o "caixa-dois" do abrigamento. Somente aquelas crianças cujos pais foram destituídos do Poder Familiar é que entram no cadastro (não alimentado pela maioria absoluta dos Juizados do país, segundo relatos oficiais) e já cansei de ouvir que a maioria dos operadores da adoção não faz a destituição de milhares porque não "tem perfil"..., embora muitos tenham um lindo discurso público.... Visitei um abrigo recentemente que, das 24 crianças e adolescentes, apenas 2 estavam no cadastro; das outras, muitas adolescentes não tinham sequer processo! Cada abrigo que tenho visitado ou ouvido dados, tem cerca de 5 a 10% de crianças "disponíveis para adoção". O mesmo percentual de 20 anos quando fizemos a pesquisa que gerou o livro "Filhos da Solidão". Mas, antes se falavam de todas as crianças, agora fica esse discurso irritante de que existem apenas 4 mil e os adotantes é que são muito exigentes, só querem crianças brancas etc. e tal. E canso de ouvir relatos de pretendentes à adoção que querem adotar crianças especiais, crianças maiores, crianças com HIV e ficam esperando tanto e com tantas dificuldades: "não pode visitar abrigos", "não pode adotar quando perdeu um filho", "não pode adotar crianças menores de 12 anos se for homossexual", "não pode trabalhar em um abrigo e querer adotar", "não pode adotar criança especial porque deve querer alguma coisa com isso", " não pode...". E as crianças continuam esperando... e envelhecendo nos abrigos. Quando ficam bemmm grandes, algumas entram para o cadastro e novamente são os adotantes tachados de exigentes.... Parece aquela frase de Tomasi di Lampedusa: tudo deve mudar para que tudo fique como está. Relatos deste feito pela Camila são de tirar o fôlego de raiva. Quando é que vamos de fato fazer alguma coisa para mudar essa situação? Quem sabe seguir a sugestão do Dr. Sávio e fazer com que os operadores da adoção (muitos deles) passem algum tempo em abrigos....”

Lidia Weber, Professora Títular da UFPR - Em comentário feito no site da Angaad - Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção. Autora dos livros Filhos da Solidão: Institucionalização, Abandono e Adoção; Aspectos Psicológicos da Adoção, Laços de Ternura: Pesquisas e histórias de adoção, entre outros títulos. Coordena, ainda, o Laboratório do Comportamento Humano da UFPR e o Projeto Criança: Desenvolvimento, Educação e Cidadania.



Postado Por Cintia Liana

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