Falando novamente sobre adoção de crianças maiores, posto aqui uma entrevista cedida a aluna Caroline Folster, para o seu trabalho de conclusão de curso de Graduação em Bacharelado em Direito pela Faculdade Campo Limpo Paulista - FACCAMP.
Tema: A idade da criança como fator que dificulta a adoção: Realidade ou mito?
Foto: Google Imagens
Caroline Folster - Qual a maior causa de abandono de crianças brasileiras hoje?
Cintia Liana Reis de Silva - Quando eu trabalhava na Vara da Infância e Juventude de Salvador via que os motivos para uma mãe entregar o seu filho para adoção eram a falta de estrutura financeira e falta de apoio familiar e do genitor da criança. Geralmente eram mulheres que já tinham uma história familiar mal resolvida, eram emocionalmente desorganizadas, desestruturadas e sem a capacidade de assumir o compromisso de ser mãe, assim como não tinham uma relação estável com o pai da criança.
Caroline Folster - Como fica o psicológico de crianças abandonadas, ou mesmo tiradas de suas casas por maus tratos?
Cintia Liana Reis de Silva - As crianças sentem muita dor, não entendem o que está acontecendo de fato e nem o por quê passam por aquilo, algumas até sentem culpa por se sentirem o motivo pelo qual a mãe provavelmente será punida, elas acreditam que pode existir uma punição. Experimentam a dor do desamparo, medo de ficar sozinhas sem o amor de quem ama e por não entender bem a dimensão dos fatos.
No sething terapêutico muitas vezes não gostam de falar sobre o assunto, muito menos de uma situação delicada em que passou. Algumas conseguem responder a algumas perguntas, mas geralmente se mostram fechadas para tocar em determinados assuntos dolorosos, só após estabelecerem uma relaçao de maior confiança conseguem se abrir e chorar, mas tudo depende do caráter da criança e de sua abertura para falar.
Caroline Folster - Como a criança se comporta em um processo de adoção? O processo de adaptação com a nova família é difícil?
Cintia Liana Reis de Silva - Normalmente as crianças já desejam a adoção e esperam ansiosas por sua nova família, família esta idealizada e verbalizada sempre.
As maiores nem sempre acreditam que possam ser adotadas, pois dizem que as pessoas só querem adotar bebês. Ficam desesperançosos, mas outros já são mais otimistas.
Dentro do abrigo há crianças que demonstram sentir um pouco de revolta e algumas experimentam extrema ansiedade, mas geralmente sempre estão com um sorriso no rosto, dispostas abraçar a quem chegar e der um pouco de atenção e carinho.
Muitas vezes são atendidas pelo psicólogo (perito) da VIJ (Vara da Infância e Juventude) antes ou acompanhada por psicólogo do abrigo em que está, quando poderá ser feita uma avaliação psicológica para ser anexada ao futuro processo de adoção. Acontece tudo tranquilamente na maioria das vezes, pois o desejo existe e é ele quem faz acontecer a relação de amor e a abertura para que tudo dê certo.
Poucas crianças apresentam um comportamento aversivo ao processo de adoção, pois é normal que queiram uma família a ficar numa instituição.
É claro que quando começa a convivência antes de ser dada a sentença pode acontecer alguns desajustes para que ocorram os ajustes, é natural que algumas coisas aconteçam neste momento de adaptação.
Caroline Folster - Algumas pessoas, não generalizando, tem preconceito com crianças que são adotadas “tardiamente” ou seja, com mais de dois anos. Como é desenvolvimento do psicológico de crianças nessa idade? É possível uma adaptação ocorrer mais fácil?
Cintia Liana Reis de Silva - O que pode dificultar o estabelecimento de um vínculo não é exatamente a idade, mas a forma como a criança lida com suas emoções no período de adaptação, um pouco do temperamento pode influenciar, mas o mais importante é a forma em que o casal ou adotante solteiro vai lidar com algumas dificuldades que possam emergir de ambas as partes no período de adaptação, coisa que é normalíssima, pois estão se conhecendo e formando uma família, flexibilizando, se habituando. Quanto mais preparados a acolher as dificuldades e a superá-las desenvolvendo amor, maiores são as chances de sucesso de uma adoção, seja com uma criança pequena, grande ou até mesmo com uma criança que venha a apresentar extrema revolta, todas elas são capazes de mudar neste período, basta sentir que podem contar de verdade com os adultos e com o amor que desejam receber, que não há pré-requisitos para serem amadas e que não serão abandonadas novamente, elas querem crer nesta nova relação parental, querem não sentir medo de se entregar.
Casais italianos vão para o Brasil adotar crianças maiores, que já esgotaram todas as possibilidades de inserção em família brasileiras. Essas adoções têm sucesso mesmo com crianças acima de 10 anos, porque os casais chegam desejosos e fazem tudo para que a relação dê certo em um mês de convivência e conhecimento em um hotel para o estabelecimento de vínculos antes da audiência final, depois são mais 15 dias, aproximadamente, para a saídas dos documentos e voltam para a Itália . Já ouvi algumas vezes de casais chorando: “não teria filho melhor para nós do que esse”, “é como se ele já fosse nosso a vida toda”.
Devemos desmistificas preconceitos e preparam bem os adotantes, assim nada será dificuldade.
Caroline Folster - Como é realizado o trabalho de psicólogos, perante a nova família e a criança?
Cintia Liana Reis de Silva - Durante o período de convivência a nova família (adotantes e crianças) é acompanhada em alguns atendimentos psicológicos para checar a adaptação de todos à nova realidade. Se conversa com os adotantes, com a criança e se faz as devidas observações do vínculo que vai se estabelecendo. O psicólogo faz perguntas e os adotantes podem tirar dúvidas, é um momento de acolhimento de tudo o que diz respeito àquela nova realidade.
Este momento é muito importante porque acontece a integração de elementos de sentido e de significação que caracteriza a organização subjetiva de um âmbito da experiência dos sujeitos, ação, construção, história, transações e trocas sociais e cultura como configurações subjetivas da personalidade. É um complexo de articulações e possibilidades contraditórias e processos de ruptura e renascimento, tudo deve ser visto com sensibilidade e não com um olhar determinista, universalista, as coisas acontecem e tudo é bem vindo para que a relação tome sua própria forma e não uma forma mágica aprendida em livros de contos de fadas. (SILVA, 2008)
Caroline Folster - Qual sua opinião referente ao tema da monografia?
Cintia Liana Reis de Silva - Penso que este é um tema importantíssimo, pois iniciativas como essas ajudam a desmistificar os preconceitos que ainda insistem em fazer parte do discurso e da mentalidade das pessoas na hora de adotar, é um tema que envolve muitos mitos não só imaginados pelos adotantes, mas também pela família extensa, amigos e companhias que estão em volta daqueles que desejam adotar e que muitas vezes dão conselhos respaldados numa mentalidade baseada nos paradigmas ocidentais, numa visão reducionista do ser humano e determinista.
Precisamos investir na ciência, pesquisa, cultura e informação, usar mais a mídia para fazer o bem e unir os seres humanos em seu próprio benefício, pois as pessoas ainda estão alienadas aos processos sociais, econômicos, culturais, políticos e ideológicos. As pessoas insistem em encaixar as relações numa visão monolítica, elementar, cartesiana, construto-individualista, onde a irregularidade e o singular são marginalizados. Ou seja, o pensamento científico tem sido dominado pelo paradigma da simplicidade, então devemos investir em pesquisa e estudo, ainda mais se vamos ajudar tantas crianças a terem uma família. (Rey apud SILVA, 2008)
Parabéns pelo tema e pelo trabalho! Boa sorte e sucesso em sua profissão, que você possa usá-la para beneficiar a todos.
Referência:
Silva, Cintia L. R. de. Filhos da Esperança: Reflexões sobre família, adoção e crianças. Monografia do curso de Especialização em Psicologia Conjugal e Familiar. Faculdade Ruy Barbosa: Salvador, 2008, 58 p.
Por Cintia Liana
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