Mandy Lynne
A Revista Top View de Curitiba me entrevistou no mês de abril. Fui uma das fontes para compor uma matéria sobre adoção. Segue abaixo a entrevista com as respostas na ìntegra.
1) seu nome completo, profissão, funções atuais:
Cintia Liana Reis de Silva, psicóloga, especialista em Casal, Família e Adoção, sou coordenadora das adoções e atividades voltadas para o Brasil da entidade italiana Senza Frontiere ONLUS.
2) como e quando começou a atuar na área de adoção?
Comecei em 2003 atendendo famílias em consultório, depois passei em seleção pública para trabalhar como voluntária da VIJ (Vara da Infância e Juventude) de Salvador, depois fui contratada por 4 anos, quando vi que era o trabalho que queria fazer por toda a vida, ajudar crianças a encontrarem seus pais, ver novas famílias se formando, famílias necessárias.
Em 2010, de férias na Itália, fui convidada para trabalhar na entidade em que atuo hoje e atribuo o convite ao respeito e fama que conquistei com empenho e amor ao trabalho com as famílias no Brasil.
3) Qual a sua opinião sobre a criação do Cadastro Nacional de Adoção no Brasil? Está funcionando?
Pelo meu contato direto e sistemático com o Brasil de trabalho e pelo que discuto na internet, o CNA ainda não está funcionando como deve nem 20%. Ao menos, para consulta pública não seria nem 20%. Se o cadastro funcionasse poderia ajudar muitas crianças a encontrarem suas famílias, mas o cadastro ainda não é alimentado como deveria e muitos profissionais ainda desconhecem o seu manuseio, alguns ainda nem conseguem visualisar o seu alcance. Muitos abrigos ainda não passaram a lista de suas crianças para serem inseridos no CNA, alguns por uma questão burocrática e por estarem esquecidos.
Antes se enviava o processo de habilitação para a comarca em que se desejava adotar uma criança e muitas vezes se conseguia, hoje esperamos o cadastro informatizado, mas ele não é alimentado, esse é o principal motivo de não funcionar.
Uma coisa que lamento é que a nova lei vem sendo mal compreendida por muitas pessoas como, por exemplo, sobre o tempo de acolhimento. Não há nada na lei que diga que uma criança não pode ficar mais de dois anos no abrigo, a lei diz que uma criança não pode ficar mais que dois anos sem que seu processo judicial esteja definido.
Muitas crianças estão passando sua infância num abrigo, isso é um crime com qualquer ser humano. Os primeiros anos de vida, o amparo e amor que uma criança tem são importantíssimo para o fortalecimento da base de sua personalidade, o contato saudável com a figura de apego ajuda até no bom desenvolvimento dos órgão e na saúde geral.
Conheci adolescentes de 14 anos que estavam há mais de 7 no abrigo, esperavam que sua situação familiar melhorasse, mas ela não recebia nem visitas. Deixar uma criança crescer num abrigo esperando que sua família se reabilite é uma cultura criminosa, onde não se acredita no amor construído, é uma cultura onde se acredita que os laços de sangue são mais fortes que tudo. Esse ser humano que cresce sem família não conhece o amor e a segurança, conhece um amor emprestado, a insegurança, o desamparo. E no futuro, como dar aquilo que não se teve?
4) Você sabe quais são os números atuais da adoção no Brasil (crianças cadastradas, pais que aguardam uma adoção, etc)?
Me baseio em pesquisas para obter informações desses números, mas quando falo com o interior de um estado por algum motivo, por exemplo, que está com dificuldades burocráticas de registar o abrigo no município e que tem tantas crianças com situação familiar indefinida e não cadastradas no CNA, me pergunto, até que pondo estamos informados destes verdadeiros números?
5) Você sabe algo em especial sobre a situação da adoção em Curitiba?
Sei o que a CEJA de Curitiba divulga. As crianças disponibilizadas para adoção internacional normalmente são maiores de 9 anos, com irmãos e algumas com algum problema psíquico, cognitivo ou físico.
6) Você tem a experiência brasileira e a italiana. O modo como os dois povos encaram a questão da adoção é muito diferente? Em que sentido?
As adoções internacionais são bem diferentes das nacionais em todos os pontos do processo, em como se faz, até em relação ao perfil dos pretendentes e das crianças disponibilizadas.
Na Itália somente casais heterossexuais podem adotar. No Brasil solteiros e casais homossexuais também podem. É um País com as leis mais avançadas em termos de direitos das crianças, mas a realidade aindo fica um pouco atrás do que está escrito no Estatuto.
A internacional deve haver a aceitação dos órgãos de Estado e da entidade que acompanha toda a adoção entre Itália e Brasil, assim como a aprovação do Estado do País do origem da criança e da CEJA (Comissão Estadual Judiciária de Adoção). A nacional, requer somente a aprovação do Estado, responsável pela criança. As adoções internacionais e nacionais são vistas de modos diferentes e encaram os preconceitos referentes e cada uma delas.
O perfil de crianças disponibilizadas para adoção internacional é diferente da nacional. Somente são indicadas para adoção internacional crianças que não têm mais chance alguma de inserção em família substituta brasileira, incluindo a de origem, como a família extensa. São crianças que já esgotaram todas as possibilidadaes de aceitação, normalamente maiores de 9 anos, grupos de irmãos e/ou com algum problema físico ou mental, ou seja, fora do perfil que o brasileiro deseja para ser seu filho hoje.
Os poucos casos que vi de crianças com alguma necessidade especial ser adotada eram de pessoas que as conheceram por motivo de trabalho voluntário em algum abrigo e se apaixonaram por ela, desejando que fosse seu filho sem nenhuma exigência e, nesses casos, o amor foi construído dentro dos muros do abrigo, para depois existir o desejo da adoção.
7) Você é casada, tem filhos? Pessoalmente, a adoção faz parte da sua vida de alguma forma?
Tenho 34 anos, sou casada com o homem da minha vida há 4 meses (5 de maio faz 4 meses) e ainda não tenho filhos, mas desejamos.
Tenho mais de 10 casos de adoções afetivas e propriamente ditas em minha família extensa, todos bem sucedidos, isso quer dizer até nas famílias de minhas tias avós, além disso, minha avó sempre ajudou muitas famílias em dificuldade, e chegou a acolher 2 ou 3 menores temporariamente, além de duas adoções afetivas.
8) Você já foi chamada de "fada da adoção". A que atribui o título? Quais as maiores conquistas que já alcançou em seu trabalho com famílias adotantes?
Sim, em 2006 os pais habilitados começaram a me chamar de "fada madrinha dos pais adotivos" por meu interesse e dedicação ao trabalho e às crianças e fui me tornando cada vez mais conhecida, até a mídia de minha cidade me chamar de "Fada da Adoção" e dedicar uma matéria de página inteira sobre minha trajetória profissional.
Atribuo o título a minha entrega ao trabalho e a falta de receio em fazer contato com as pessoas de modo afetivo, preocupado e sem preconceitos, o meu trabalho acabou tomando conta de um modo muito forte de minha vida. Desde os 9 anos de idade sempre sonhei em ser psicóloga, é algo que há em mim, essa forma de entender e pensar a vida e sobretudo no desejo de ajudar.
Em meu trabalho na VIJ todos os casos eu via como especiais e sempre que podia ajudar e dar um toque especial o fazia, não era uma obrigação, sempre foi um prazer, às vezes trabalhava até às 21:00h. Lembrava de uma casal específico, conversava com o Juiz, via uma criança “esquecida”, pedia que fizessem um relatório ao Juiz falando de sua situação e depois a via ser encaminhada para adoção e para um excelente casal ou adotante solteiro. Tinha cuidado com todos, nunca fui grossa com ninguém, por mais que precisasse ser áspera aos olhos dos colegas. Os resultados dos meus toques e dedicação eram o melhor retorno do meu trabalho, ficava de fato feliz e condividia isso com eles.
Em visitas aos abrigos não tinha medo de falar e estabelecer um contato de amor com as crianças, as via com respeito e cada uma era diferente e especial e elas sentiam isso. Quando eu chegava era uma festa, isso me dava um sensação muito boa de paz e felicidade.
Acredito que consigo fazer este conttao porque sinto e sei que esta relação de amor na adoção que se estabelece é forte e rica e é a mais verdadeira, todos nós precisamos ser adotados para nos tornamos filhos, seja pelo nascimento ou chegada na adoção.
9) Para onde caminha o processo de adoções no Brasil? Já evoluiu? Ainda há muito a evoluir?
As entidades de adoção internacionais encaminham os processos já autorizados e traduzidos a CEJA quando têm uma família interessada na adoção de uma criança disponibilizada dentro do perfil de busca do casal. O processo é analisado pelos técnicos da CEJA, antes de decidirem se a criança de fato vai para o casal interessado.
A entidade em que trabalho por exemplo é autorizada para atuar em todo o Brasil e Colômbia, e deve também ser cadastrada em cada CEJA de cada Estado e cada uma trabalha de forma um pouco diferente, o que dificulta de certa forma a atuação das entidades, até a forma de informar as crianças disponíveis a adoção é diferente em cada CEJA.
Há muito ainda o que melhorar, as pessoas precisam se informar, trocar conhecimentos, ter o interesse em ajudar, padronizar metodologias, as leis precisam ser coerentes, precisamos ter segurança sem tanta burocracia e sobretudo humildade para ter uma relação saudável com todos.
Por Cintia Liana