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Por Cintia Liana Reis de Silva
Muito se fala e repete sobre crianças, maternidade, parto e educação, mas quase todas as afirmações não passam de grandes mentiras, talvez para trazer mais conforto psicológico, comodidade aos erros alheios e menos culpa. Difícil é ver alguém indo pesquisar sobre um determinado assunto ou perguntando a um psicólogo. Fica mais fácil ouvir a repeição do senso comum, a opinião popular, baseada numa cultura capitalista, industrial e fria, que acredita naquilo que é mais lucrativo e vatajoso.
Os maiores equívocos que constato hoje estão relacionados à repetição de crenças baseadas em experiências pessoais ou o que se imagina, com origem na cultura e na fantasia. Mas muito do que falamos é o que queremos acreditar e não a verdade dos fatos. Muitas dessas crenças as pessoas nunca pararam para se perguntar de onde vêm e se são realmente válidas.
Nossa psiquê, por exemplo, nos passa a informação mais conveniente, a que nem sempre é real e quem nunca fez um trabalho de auto conhecimento, como uma psicoterapia, talvez nunca saberá quem é de verdade e quais são suas reais necessidades, feridas, dilemas e dificuldades.
Citarei alguns equívocos e mitos sobre parto e maternidade:
· “As mulheres esquecem a dor do parto” – Não, as mulheres não esquecem a dor do parto, apesar de ser uma dor muito forte. Comecemos por desconstruir a crença de que a dor do parto é negativa, pois ela não é, o sofrimento não é necessário, a dor sim. Ela é necessária neste momento de rompimento, pois transporta a mulher para outro nível de consciência, para outra dimensão e compreensão do momento de transformação pelo qual está passando. A equipe médica deve demonstrar proximidade e humanidade para que a mulher se sinta mais forte, evitando que situações de dor e medo se transformem em sofrimento e abandono. O nascimento de seu filho é um momento de renascimento para ela, nasce uma mãe, e a dor faz com que ela entre em contato com suas necessidades, com as necessidades da criança, com a sua passagem e, sobretudo, abandone a realidade fria do hospital e dos procedimentos médicos, para pensar só em si e em seu bebê. O corpo tem memória, ele não esquece nenhuma dor, ela está alí, adormecida, mas foi necessária e é instintiva (GUTMAN, 2008).
· “O bebê nasce quando ele quer” – Não, o bebê nasce quando a mãe se dá conta de que está preparada, e juntamente com o bebê sentem a harmonia do momento oportuno de dar e ganhar vida. A psiquê materna está diretamente ligada ao corpo do bebê, este como continuidade dela, e se a mulher for sensível, pode ter um parto muito tranquilo e sereno, com a “cooperação” da criança.
· “O trabalho de parto rápido é o melhor” – Não, o parto rápido não é melhor que o parto lento, cada mãe e bebê têm seu tempo especial para fazer a “passagem”. Um trabalho de parto de 24 horas pode ser bom, depende de como a mulher vive aquele momento, sobretudo com consciência, aproveitando cada minuto para ser protagonista do seu processo e “reencontra-se mais autentica que nunca” (GUTMAN, 2008, p. 40). Se a mãe e o bebê precisam de 24 horas de trabalho de parto para que essa transformação aconteça, deixemos que seja assim, nada é por acaso, pode ser um processo de reconhecimento de uma situação e não podemos desrespeitar o tempo de cada mulher, ela deve ser a protagonista, a rapidez médica não importa. O parto não é um procedimento puramente cirúrgico, antes de tudo é um fenômeno humano para a vida.
· “Bebê no colo se torna dependente” – O bebê já nasce dependente. Hoje se criou uma mentalidade de que bebê que fica um pouco no colo se torna dependente, e foi esquecido que o contato direto com a mãe é algo essencial para o desenvolvimento biopsicosocioafetivo da criança, e que, se ela pede colo, é porque precisa daquele calor, da troca, do envolvimento amocional, é porque este envolvimento é necessário por algum motivo que nem sempre a mãe tem a capacidade ou a abertura para entender. Hoje os adultos censuram muito as crianças, como se elas fossem animalzinhos a ser adestrados, mas estão longe de conseguirem compreendê-las. É ideal que a criança crie um “apego seguro” (ler sobre a teoria do apego de Bowlby) com seus pais, caso contrário, isso se refletirá em seu mundo adulto, trazendo muitos prejuízos, em todos os níveis.
· “A bebê que chora muito não é bom” – O bebê que chora muito e adoece em continuidade está fazendo o favor de comunicar que algo não vai bem em seu ambiente. A fusão emocional com a mãe, que dura até aproximadamente os seus dois anos, faz com que ele sinta e expresse tudo o que não vai bem com ela, seus medos inconscientes, seu deconforto emocional, suas memórias negativas, suas dificuldades relacionais e qualquer rejeição que ela venha a sentir em relação ao filho, que normalemente está diretamente ligada a sua própria infância e a sua relação com sua mãe.
· “Depois de parir a mãe deve se sentir feliz” – O pós parto é um momento delicado, onde cada mulher tenta reencontrar e se conectar com sua identidade, que entra em harmonia com a nova. É um momento intenso, difícil, contraditório, que pode ser triste e ao mesmo tempo feliz, um momento de ajustes psíquicos e hormonais, onde cada mulher vive da maneira que pode, de acordo com sua história de vida, devendo ser repeitada e ajudada com amor.
· “Não existe fómula para educar filhos” – Pode não existir uma fórmula, mas seguramente existe um caminho justo e, a depender a disponibidade interna, pode transformar-se num caminho simples. Antes de ter um filho, os futuros pais devem educar a si mesmos. Não serve de nada exigir agressivamente dos filhos aquilo que nem você consegue fazer. Muitas pessoas têm filhos para satisfazerem seus desejos, mas poucas se perguntam se podem dar mais que receberem, ou se estão prontas, completas e dispostas a darem uma base sã a quem vem ao mundo. Querendo ou não, os filhos são um reflexo de como vêm os pais, inclusive a parte negativa que muitas vezes nem eles mesmos se dão conta de que têm. É preciso trabalhar a relação com seus pais, pois esses modelos passam de geração em geração como também as feridas intergeracionais, sem as pessoas tomarem consciência da necessidade de mudar e criticar sua própria educação, que certamente não foi perfeita como se pensa. É necessário humildade para aceitar a imperfeição. Um bom exemplo é que os pais me procuram para atender em psicoterapia os filhos que apresentam dificuldades, mas poucos se colocam a disposição para entenderem no que podem estar errando com eles. O pai da teoria do apego disse, “é na hora de tornar-se progenitor que se reabrem feridas intergeracionais, e como dar ao filho algo que não se teve?” (SILVA, 2012).
· “Toda mulher nasceu para ser mãe” – Não, nem toda mulher quer ser mãe, nem toda mulher está pronta para ser mãe e nem toda mulher é uma boa mãe, isso vai depender da história familiar de cada uma, de sua base, de suas expectativas, de seu presente. Cada mulher vive a maternidade de um modo, ou seja, do modo que é capaz de viver, de acordo com seus referenciais de vida e cuida de seu filho do modo que pode, dando o que tem, baseado no que teve e no que reconhece em si.
· “Mãe adotiva não é mãe de verdade” – Mãe adotiva é mãe. Não é necessário parir para se tornar e se sentir mãe, o amor maternal é desenvolvido a partir da intenção, consciência e convivência com a criança e ela se sente tão mãe como qualquer outra mãe que deseja o seu filho.
É muito fácil repetir crenças populares, acreditar no que nos dá mais conforto, mas o caminho correto é buscar conhecimento e sobretudo desenvolver autocrítica e sensibilidade para olhar o mundo e cada ponto com suas particularidades, independente do que aprendemos ou do que é mais confortável, é não ter medo e nem preguiça de pensar, sentir e refletir.
Referência:
GUTMAN, Laura. La maternità y el incuentro con la propria ombra. Buenos Aires: Editorial Del Nuevo Estremo, 2008.
SILVA, Cintia Liana Reis de Silva. Filhos da Esperança: Os Caminhos da Adoção e da Família e seus Aspectos Psicológicos. Salvador: Edição do Autor, 2012.
Cintia Liana Reis de Silva é psicóloga e psicoterapeuta, especialista em psicologia conjugal e familiar, vive e trabalha na Itália, é autora de dois livros publicados no Brasil, seu blog conta com mais de 15.000 acessos ao mês, o www.psicologiaeadocao.blogspot.com.