"Uma criança é como o cristal e como a cera. Qualquer choque, por mais brando, a abala e comove, e a faz vibrar de molécula em molécula, de átomo em átomo; e qualquer impressão, boa ou má, nela se grava de modo profundo e indelével." (Olavo Bilac)

"Un bambino è come il cristallo e come la cera. Qualsiasi shock, per quanto morbido sia
lo scuote e lo smuove, vibra di molecola in molecola, di atomo in atomo, e qualsiasi impressione,
buona o cattiva, si registra in lui in modo profondo e indelebile." (Olavo Bilac, giornalista e poeta brasiliano)

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Amor de mãe e amizade

Caros amigos leitores,
é com muito orgulho que posto aqui este lindo cartão que recebi no ano passado de mais uma mãe adotiva apaixonada por seu filho.
Sintam um pouco o sabor deste lindo amor maternal e desta amizade verdadeira que fizemos por conta do contato de confiança e dedicação. Fico honrada e super alegre que os frutos colhidos de um trabalho feito com amor verdadeiro.
Além do cartão, na oportunidade ela me deu um vídeo que fez junto com o marido, falando da importância da chegada de Emanuell na vida deles e de todo o amor que tinha tomado conta de toda a família. Gente, adoção é coisa divida, mágica!
Abaixo, o cartão e o e-mail que me enviou ontem, autorizando a publicação.
Foto: Cintia Liana
30 de novembro de 2009
"Olá Cíntia,
Claro que não teria nenhum problema a divulgação do nosso nome no cartão; tudo que disse é a mais pura verdade, reflete o nosso sentimento com relação a vc e a qualidade do seu trabalho. Na vida vi poucas pessoas tão desprendida e dedicada como vc é; faço minhas as palavras de Fabi e Sarah, espero que vc tenha publicado, ainda não vi a matéria.

Um grande bj no seu coração; fica com DEUS,

Emanuell completou 02 anos, está cada dia mais apaixonado por nós e nós por ele, não tem como não lembrar das nossas conversas, dos momentos das reuniões, das trocas de experiências, quando vejo a felicidade nele e em nós. Em pouco tempo vc foi realmente muito importante no momento de amadurecimento da idéia de adoção e na nossa tomada de decisão.

Que Deus continue iluminando sua vida para que seja Luz para outras vidas!!!!

Márcia Regina (Mãe de Emanuell - 2 anos e 1mês)"
Por Cintia Liana

Aceitando a história do filho adotivo

Foto: Google

Bert Hellinger tem uma linha de pensamento muito marcante. Ele lembra que uma adoção deve ser justificada quando a criança não tem mesmo condições de ficar com sua família natural.
Hellinger diz ainda que os pais adotivos, se não expressarem respeito pelos pais naturais, e se sentirem, de forma secreta, superioridade frente a eles, a criança, inconscientemente, poderá manifestar solidariedade para com seus pais naturais.
Os pai adotivos têm que se conscientizar que são substitutos do pais biológicos e que são capazes de entender seus filhos adotivos e aceitar que validem seus sentimentos ligados a rejeição, desta forma os pais substitutos serão melhor aceitos pela criança, ela reconhecerá a substituição como algo positivo.

Os substitutos não são inferiores aos de origem, a relação presente será mais forte.
Os novos pais também, inicialmente, poderão ser alvo do ressentimento que a criança sente por seus pais naturais, por ter sido rejeitada e esse registro é real no interior da criança. Quando isso acontece, até pode significar que a criança confia nos pais, ao ponto de se sentir a vontade para manifestar sentimentos que o incomodam.

Hellinger também fala da importância do pais adotivos aceitarem que a criança teve dois primeiros pais e que eles chegaram para realizar o que não estava ao alcance do pais naturais, então assim a criança de fato aceitará melhor os novos pais.
Vejo isso nas adoções muito bem sucedidas, quando os pais adotivos permitem e incentivam verdadeiramente que seus filhos tenham um contato amigável com seus pais de origem, exercitando o desapego. Contato esse que ocorre no momento certo e de desejo da criança ou adolescente.

Imaginem que hoje, vocês adultos, leitores (é, você mesmo!), descobre que seus pais não são seus pais de origem, biológicos. E agora? O que sentem? Algo muda? O amor a seus pais que o criaram muda? É claro que não! Nada muda, mas as perguntas surgem: e quem é minha família de origem? De onde eu vim? Como é o rosto dos meus pais? É natural!

Depois vem o questionamento: e por que não me falaram a verdade sobre minha história?
Em vários encontros de pais adotivos as perguntas vinham mais ou menos nesta sequência. Então porque seu filho também não tem esse direito? Direito de ser dono de sua própria história? Só por causa de seus medos e falta de preparo? Só pelo seu medo de ser abandonado e rejeitado por seu filho?
Precisamos nos preparar antes de adotar. Não é justo transferir nossos medos para a vida de quem está chegando. Temos que defender os direitos da criança até nesta hora.
[Bert Hellinger é um filósofo e psicoterapêuta alemão que desenvolveu a Constelação Familiar, um recente método psicoterapêutico, com abordagem sistêmica fenomenológica, de fundo filosófico. Trabalha os padrões de comportamento que se repetem nas famílias e grupos familiares ao longo de gerações. Traz à luz uma série de dificuldades sofridas, fazendo o terapeutizando tomar consciência, romper com padrões e mudar o curso de sua história.]
Por Cintia Liana

domingo, 29 de novembro de 2009

"Fada da Adoção"

Foto: Cintia Liana no Correio da Bahia, 29 de novembro de 2009.

"Fada da adoção". Esse foi o título ultilizado pelo jornalista Sylvio Quadros para a matéria que fez sobre mim e sobre meu trabalho com adoção de crianças.

No início da entrevista, pouco depois de ter sido procurada pelo Jornal Correio da Bahia, que sempre mostra interesse em minhas andanças e estudos, achava que o tema seria adoção, mas o jornalista muito tranquilo e simpático me advertia que a matéria era sobre meu trabalho social.

Enfim, falei de adoção, mas tive que falar bastante de mim. São dois assuntos totalmente correspondentes. De toda forma, falei bastante de adoção, pois não há tema mais lindo e encantador.

Resultado, uma matéria muto bonita, com um toque de magia dado pelo jornalista e uma foto muito criativa do fotógrafo Robson Mendes.

Obrigada Correio!
Segue a matéria para quem mora fora da cidade ou do País e que não leu:
"Ela não tem asas ou varinha de condão, mas há quem ande falando justamente o contrário. Para muitos pais que adotam filhos, a psicóloga baiana Cintia Liana - 33 anos, duas tatuagens e um diploma em Campinas (SP) - é uma fada madrinha; ou, mais precisamente, a “fada madrinha dos pais adotivos”.
O apelido surgiu há três anos, no tempo em que Cintia ainda organizava palestras para pais no Juizado de Menores, onde entrou em 2002 como voluntária. De lá para cá, a loira de riso fácil e fala ligeira não parou mais. Montou um grupo na internet para tirar dúvidas sobre adoção de órfãos, concluiu uma pós-graduação em casal e família (dessa vez em Salvador), deu aulas em faculdade (“os alunos são superapaixonados por mim”) e fez um curso de um mês e meio na Itália. Hoje, mantém um blog (http://psicologiaeadocao.blogspot. com) sobre o assunto e atende em consultório.
Além da experiência, ganhou amigos.
“Hoje, as pessoas me ligam de todas as partes do Brasil”, afirma Cintia. “Quando meu grupo de discussão na internet chegou a 230 membros, achei que já era hora de fazer um recadastramento e limitar o número de participantes. Os pais falam muito de suas intimidades, e isso é coisa séria. Muita gente manda fotos, mensagens de apoio e perguntas. É ali que muitos manifestam o desejo de adotar”.
Na entrevista que concedeu ao CORREIO, Cintia fez honra ao apelido que ganhou de uma mãe. Em dado momento, sua voz embargou enquanto contava a história de um garoto que, mesmo com deficiência física, vivia feliz com a esperança de ter uma família; seus olhos, grandes e curiosos, marearam de lágrimas. “As pessoas ainda têm receio de adotar, mas elas precisam saber que isso liberta a alma. Toda relação de amor surge da convivência e do respeito, e não da herança genética”, diz.
Para os interessados, no entanto, não basta só interesse. Apenas o Juizado de Menores pode avaliar quem está apto a adoção. Cintia, do seu consultório, fica encarregada de aconselhar, preparar e, principalmente, quebrar preconceitos.“Muitos pais me procuram com medo de adotar crianças mais velhas, semenxergar que elas já vêm com um repertório, uma riqueza e a consciência de que desejam ter uma família”.
Durante a entrevista, a psicóloga aproveitou ainda para quebrar a esperança de futuros pretendentes. Em janeiro, Cintia volta à Itália com um propósito acadêmico (planeja fazer um curso sobre a Escola de Milão, “referência mundial em sua área”) e outro romântico (“meu noivo é italiano e vou aproveitar pra visitá-lo”, revela, com indisfarçada timidez). Afinal, a “fada” também é humana.
Por SYLVIO QUADROS."

Por Cintia Liana

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Adoção na TV

Em 2008, juntamente com amigos jornalistas, o apoio de algumas famílias adotivas amigas e em parceria com a FSBA (Faculdade Social da Bahia) e a Pex Vídeo, corri para fazer uma piloto de um quadro de TV sobre adoção, nascido de um projeto idealizado por mim há mais de 3 anos.
O desejo é trazer para a TV os mais diversos assuntos sobre adoção, com o objetivo de desmistificar preconceitos e apoiar a adoção, afinal as crianças abrigadas estão esperando por suas novas famílias. Para isso, temos que mostrar aos diretores de TV a necessidade desse projeto e em como tem gente que espera por essa iniciativa.

Foto: A jornalista Noêmia Melo e a psicóloga e apresentadora do quadro de TV Cintia Liana (Cintia tambem no vídeo).

Foto: Cintia Liana, Noêmia Melo e o editor de vídeo Sandro Lucena.

Foto: As jornalistas Thaís Seixas e Jeane Barreto e a psicóloga Cintia Liana.

Foto: Cintia Liana opinando na edição do primeiro piloto.

Foto: Didi editando o primeiro piloto.

Foto: Os cinegrafistas Edilson e Didi, as jornalistas Thaís Seixas e Jeane Barreto e a psicóloga Cintia Liana.
Foto: Cintia Liana e a linda Mariana (no vídeo - imagens autorizadas pelos responsáveis).

Foto: Cintia Liana conferindo a sua performance na apresentação do vídeo.

Foto: Cintia Liana estudando a pauta.

Foto: Cintia Liana entre um texto e outro

Foto: A psicóloga e apresentadora Cintia Liana, as jornalistas Noêmia Melo e Jeane Barreto, o cinegrafista Henrique e o entrevistado, o advogado Durval Baraúna, um grande amigo da psicóloga.

Foto: Cintia Liana

Amigos, ajudem a divulgar a iniciativa!
Por Cintia Liana

Os cuidados voltados para a criança abrigada

Foto: Google Imagens

*Podemos também refletir sobre que tipo de preparo ou interesse o Estado tem em fazer uma seleção de profissionais sérios e respeitosos, preocupados, acima de tudo, com o bem estar da criança. Para tal função, deveria ser feita uma seleção totalmente minuciosa e um treinamento dessas pessoas, com base em teorias do desenvolvimento infantil e da adolescência e das emoções, para que essas pessoas pudessem proporcionar a essas crianças uma educação e dedicação com excelência, mas que mesmo assim não se assemelharia aos cuidados de uma mãe amorosa, consciente e com as atenções voltadas para o seu bebê, colocando-o como prioridade.
É importante ressaltar que aqui não há nenhuma intenção de desqualificar o trabalho das mães e pais sociais. Há aqueles que são muito habilidosos e afetuosos, mas num olhar geral, os pais e mães sociais são contratados para cuidar e não só de uma criança, mas às vezes de oito ou mais crianças, como é o caso de uma casa-lar, por exemplo. Abrigos que são projetados com a proposta das casas-lares, que dividem as crianças em espaços diferentes, que se assemelham a casas de verdade.
Podemos dizer que o pai ou mãe social faz as vezes de uma babá, por exemplo, que executa o trabalho de um ponto de vista profissional, mesmo que empenhe naquilo muito amor. Mas para ser pai e mãe os papéis devem ser reafirmados e reforçados a cada dia e a criança passa a ser olhada como ser único e não como mais um no abrigo, a espera por uma família.

Alexandre e Vieira (2004, p. 1 e 2), sobre a manifestação do comportamento de apego das crianças nos abrigos, dizem que:
“Apego é uma ligação contínua e íntima, apresentado pela criança em relação à mãe ou cuidador e o comportamento de apego é qualquer forma de comportamento adota para conseguir e/ou manter uma proximidade com algum outro indivíduo claramente identificado, por exemplo, a mãe. (Klaus, Kennell & Klaus, 2000)”.

Eles afirmam ainda que, segundo Bowlby (1990), uma criança que tem um lar harmonioso e pais afetuosos e protetores conseguem desenvolver um sentimento de segurança e confiança em relação àqueles que fazem parte de sua convivência. Mas, do contrário, se a criança é exposta a crescer numa situação de privação de vida familiar, pressupõe-se que sua base suportiva e de segurança tende a desaparecer o que pode comprometer sua relação com as outras pessoas, havendo prejuízos em outros setores do seu desenvolvimento.
O estudo sobre a resiliência também revela que crianças que cresceram no abandono podem apresentar uma adaptação positiva, uma capacidade notável para se desenvolver de forma saudável. “Em síntese, uma segura relação de apego reduz os efeitos das adversidades e auxilia na resiliência”. (ALEXANDRE e VIEIRA, 2004, p. 2)
Alexandre e Vieira (2004) também dizem que a criança quando institucionalizada, mesmo recebendo cuidados alimentares, higiênicos e médicos, ela caminha tardiamente, demora a falar e tem dificuldade para estabelecer ligações significativas. No abrigo a criança é privada de intimidade e cumplicidade, pois é praticamente impossível estabelecer relação íntima em virtude da quantidade de crianças que é muito maior em relação ao número de adultos. O afeto e a atenção são divididos para várias crianças.
Ainda assim, os funcionários dos abrigos são os únicos a darem suporte a essas crianças, deste modo, é natural que direcionem um comportamento de apego a eles e as demais crianças que nele vivem, como dizem Alexandre e Vieira (2004). Sobre isso, J. Ajuriaguerra diz que não haverá prejuízos à criança se esta romper os vínculos com a ama do abrigo até os 8 meses de vida. Já M. David e G. Apepll acham que entre oito e quinze meses a criança “ainda não construiu uma ligação bastante personalizada com a ama, asseverando, que após esse período não se poderá evitar a ruptura de um vínculo fundamental”. (apud ALMEIDA, 2002, p. 22)
Fica claro a privação de laços afetivos durante a infância interfere no desenvolvimento satisfatório da criança, podendo afetar suas relações com o outro e com o meio que a cerca, assim como, a ruptura dos vínculos construídos nos abrigos.
A colocação em família substituta ou reinserção na família natural – caso esta tenha as condições de acolher novamente a criança e responsabilizar-se por ela - é uma medida de prevenção de problemas psíquicos, afetivos, comportamentais já que observamos como pode ser danoso o rompimento de vínculos ou a inexistência deles para uma pessoa em pleno desenvolvimento. Por isso, a sociedade deve trabalhar o mais rápido para definir o destino de centenas de crianças abrigadas.
É importante deixar claro que os autores consultados para a construção deste trabalho não incentivam a adoção como um estímulo de abandono, como pontua também Weber (2008), é importante também dar suporte a essas famílias carentes. Mas devemos olhar urgentemente para este grande número de crianças que crescem nas instituições, algumas sem nem receber visitas de nenhum familiar ou lembrar deles.

Por Cintia Liana

Referência:

ALEXANDRE, Diuvani Tomazoni; VIEIRA, Mauro Luís. Relação de apego entre crianças institucionalizadas que vivem em situação de abrigo. Psicologia em Estud. vol. 9, nº. 2. Maringá. May/Aug. 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-73722004000200007. Acesso em: 03 de julho de 2008.


*Trecho de minha monografia

Para citar partes deste texto use a referência:

Silva, Cintia L. R. de. Filhos da esperança:Reflexões sobre família, adoção e crianças. Monografia do curso de Especialização em Psicologia Conjugal e Familiar. Faculdade Ruy Barbosa: Salvador, Bahia, 2008.

"Respeite a obra alheia, atribua os créditos ao autor".

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Ordem e amor

Foto: Google Imagens
O amor preenche o que a ordem abarca.
O amor é a água, a ordem é o jarro.

A ordem ajunta,
o amor flui.
Ordem e amor atuam juntos.

Como uma linda canção obedece às harmonias,
assim o amor obedece à ordem.
Assim como o ouvido dificilmente se acostuma
às dissonâncias, mesmo quando são explicadas,
assim também nossa alma dificilmente se acostuma
ao amor sem ordem.

Muita gente trata essa ordem
como se ela fosse uma opinião
que se pode ter ou mudar à vontade.

Contudo, ela nos preexiste.
Ela atua, mesmo que não a entendamos.
Não é inventada, mas encontrada.
É por seus efeitos que a descobrimos,
Como descobrimos o sentido e a alma.

Muitas dessas ordens são ocultas. Não podemos sondá-las. Elas atuam nas profundezas da alma, e freqüentemente as encobrimos com pensamentos, objeções, desejos e medos. É preciso tocar no fundo da alma para vivenciar as ordens do amor.
[Poema de Bert Hellinger - Constelação Familiar]
Constelação Familiar é um recente método psicoterapêutico, com abordagem sistêmica fenomenológica, de fundo filosófico, desenvolvido pelo filósofo e psicoterapêuta alemão Bert Hellinger. Trabalha os padrões de comportamento que se repetem nas famílias e grupos familiares ao longo de gerações. Traz à luz uma série de dificuldades sofridas, fazendo o terapeutizando tomar consciência, romper com padrões e mudar o curso de sua história.
Por Cintia Liana

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Adotando crianças maiores

Foto: Google Imagens

Volto a falar de adoção de crianças maiores. Percebo que esse assuto é urgente. Filas imensas de pessoas que alimentam o desejo de adotar um bebê e os abrigos cheios de crianças acima de 5 anos, saudáveis, sonhando com uma família.
Mais um trecho de minha monografia:
Silva, Cintia L. R. de. Filhos da esperança: Reflexões sobre família, adoção e crianças. Monografia do curso de Especialização em Psicologia Conjugal e Familiar. Faculdade Ruy Barbosa: Salvador, Bahia, 2008.

No que tange a adoção tardia, Freire (2008, p. 6) lembra também que:
“Uma criança maior precisa compreender e aceitar uma adoção, e essa é uma experiência humana particularmente complexa. Todos aqueles sentimentos que ela não viveu, não aprendeu a viver, tais como: confiança, segurança, estabilidade, afeto, continuidade, delicadeza, pertencimento, dentre outros, de um momento para o outro, passam a fazer parte de seu cotidiano, e devem ser aprendidos, apreendidos, assimilados. Se é verdade que cabe aos pais uma grande responsabilidade, composta de muita paciência, tolerância e firmeza, na condução dessa mudança, é preciso reconhecer o imenso esforço que fazem os jovens adotados tardiamente para acreditar que, daquela vez sim, é para valer”.

A Cartilha Nacional da Adoção (2004) comenta que um dos maiores mitos e preconceitos sobre adoção é que adotar bebês é mais fácil que adotar crianças maiores em virtude do vínculo que se estabelecerá. A Cartilha esclarece que esta criança maior, se tiver tido algum problema ou trauma ela pode vir a superá-los e que um traço positivo é esta criança estar consciente das perdas que sofreu, sendo assim normalmente encontra-se disposta a investir muito mais nesse novo relacionamento familiar. A Cartilha também afirma ser incontestáveis os casos bem sucedidos de adoção tardia e os casos de insucesso se devem a outras variáveis que não estão relacionadas com a faixa etária dos adotado.
Todos nós convivemos com pessoas no nosso ambiente de trabalho, escola, faculdade, com namorados, cônjuges, enfim, pessoas já crescidas já crescidas e que não conhecíamos anteriormente e nada sabíamos do seu passado e nem por isso deixamos de criar fortes vínculos afetivos com algumas delas, a quem normalmente “adotamos”. Essas pessoas passam a fazer parte de nossas vidas.
Schettini (2006) traz que muitos adotantes alimentam o desejo de adotar um recém-nascido, com a fantasia de que assim o filho se apegará mais facilmente, não trazendo uma história anterior de possíveis traumas e sofrimentos, como geralmente acontece nas adoções de crianças maiores. A maioria dos candidatos a pais resistem em aceitar e s abrir para a adoção de crianças maiores, por terem medo dessa bagagem da criança, que pode ser trazidas da convivência com suas famílias de origem ou das instituições de acolhimento.
Os medos são muitos, como o da criança ter dificuldades em estabelecer novos vínculos com uma nova família, com os novos pais, de conseguir desenvolver amor e chamar os novos pais adotivos de pai e mãe e também medo da criança não conseguir se desligar de sua história anterior.
Schettini deixa claro que a construção da nova identidade se dará através de conflito, contestação e uma possível crise e isso deve ser encarado de frente, sem medo. Todos nós chegamos ao mundo de um jeito especial e não podemos exigir que ninguém seja uma tabula rasa. Devemos ser maduros e entender que podemos transformar a forma de lidar com nossas convicções e fazer com que aquilo que vai ser buscado no passado e reafirmado na história dessa criança pode nos ajudar a conhecer melhor a nova identidade dela enquanto filho adotivo e ajudá-la a entender como ela quer trabalhar e assumir esse passado.
Em relação ao pensamento de que a felicidade da criança pode ser vista como o resultado de um meio equilibrado, enquanto os seus fracassos poderiam ser atribuídos eventualmente a sua herança biológica, Freire (2008) acredita que hoje uma nova sensibilidade reconhece o valor e os limites da herança biológica e, ao mesmo tempo, a grande importância do meio ambiente no desenvolvimento de todas as crianças, “sejam elas filhos biológicos e adotivos”.
Ele diz também que o que se discute numa adoção é justamente essa capacidade cultural dos encontros adotivos, que são afetivos e sociais, do filho ser reconhecido por seus pais e esse filho reconhecer aqueles adultos como pai e mãe.

Freire (2008, p. 8) lembra que:

“Nas adoções que precisamos construir, o meio adquire imensa importância, pois ele precisará aceitar aquilo que é diferente do habitual, aquilo que ameaça, aquilo que desafia, falamos da construção das adoções necessárias daquelas crianças e adolescentes ainda hoje esquecidos em instituições privados do direito fundamental à convivência familiar e comunitária. Como em todas as culturas, precisamos irrigar terrenos por vezes áridos, precisamos torná-los sensíveis e receptivos, precisamos arejar, precisamos semear, na adoção, precisamos, sempre, lançar sementes de humanidade, sementes de amor, fé e esperança”.
Por Cintia Liana
Referência:
FREIRE, Fernando. As crianças que já não têm família. Disponível em: http://www.mp.rs.gov.br/infancia/doutrina/id150.htm. Acesso em: 03 de julho de 2008.
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE PERNAMBUCO - Segunda Vara da Infância e da Juventude da Capital. Cartilha Nacional da Adoção. Perguntas mais comuns sobre adoção de crianças e adolescentes e suas respostas. 2004.
SCHETTINI, Suzana S. M.; AMAZONAS, M. C. L. de A.; DIAS, C. M. de S.. Famílias adotivas: identidade e diferença. Psicologia em Estudo. v. 11, n. 2, Maringá, maio/ago. 2006.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Um breve olhar sobre a história social da criança

Foto: Google Imagens

*Ao longo do tempo o significado de criança vem mudando bastante. Áries (apud LEITÃO, 2001) descreve a trajetória dos sentidos e sentimentos relacionados à infância através dos tempos. Ele conta que na Idade Média a criança era vista como um mini adulto e após, aproximadamente, 3 anos de idade e dos primeiros e básicos cuidados esta criança passava a ter uma vida compartilhada de igual para igual com os adultos. Por exemplo, ao abandonar as faixas usadas para cobrir o corpo de bebês, passavam a usar roupas de adultos, só que em tamanho menor, crianças e adultos partilhavam espaços, vivências, conversas, brincadeiras levianas e jocosas a respeito da sexualidade. As crianças trabalhavam cotidianamente e faziam serviços domésticos.
A educação era feita através de troca de família, onde uma criança ia para a casa de outra família aprender novas tarefas, serviços domésticos, regras de comportamento e uma nova língua.
A idéia de moralidade e de separação era para o adulto e do que era para a criança e a consciência da inocência da criança e de seu estágio maturacional diferente, não faziam sentido naquela época. Apenas em meados do século XVII, com os movimentos de moralização, feito por educadores, religiosos e moralistas, as pessoas vieram ter um pouco de conhecimento de que poderia haver uma particularidade infantil.
Outra mudança foi a demarcação de diferença entre o mundo do adulto e o da criança, onde na vida infantil haveriam jogos e brincadeiras e do adulto trabalho. Os filhos “serviam” para dar continuidade ao sobrenome da família, a propriedade, serviam como renda extra, pois eram mão-de-obra, tinham um sentindo utilitário e servil, inclusive na velhice dos pais. Ainda assim, eram vistas como um alto investimento, com retorno demorado, sem garantia, pois não tinham grande e eficaz utilidade prática, sendo mais vistas como um luxo, como jóias, pois traziam divertimento para a vida da família e esse contentamento se assemelha ao sentimento que temos nos dias de hoje pela criança.
Fonseca (1995), por exemplo, nos dias atuais, explica que as crianças dão um sentido à existência diária. Elas marcam graciosa presença no dia-a-dia, fornecendo diversão e um senso de importância para os adultos que delas cuidam. Ainda segundo Ariès, como também McFarlane, o prazer, essa “paparicação”, divertimento e as fantasias do mundo infantil são aceitos após o século XVI e XVII. (apud LEITÃO, 2006)
Zelizer fala da construção social baseado no “mercado de bebês” nos Estados Unidos e explica que a criança era inútil para a economia, mas em contrapartida sem preço no plano afetivo. Pessoas eram bem pagas para acolherem bebês indesejados, por terem nascido fora de casamentos e por razões econômicas. (apud LEITÃO, 2006)
Hoje, muito diferente e contrário do final do século XIX e início do século XX, vemos que associar criança a dinheiro é algo totalmente vergonhoso e mesmo sendo ilegal pagam-se fortunas para se obter um bebê, para torná-lo filho. (LEITÃO, 2006)
Nancy Chodorow pontua que, naquela época, paralelo a essas transformações, ocorreram as novas funções da família que antes era de cuidar, proteger a criança e garantir sua sobrevivência. Esses cuidados passaram a ser do Estado e a família nuclear passou a garantir somente os cuidados psicológicos, dar-lhe suporte para o seu desenvolvimento emocional, psíquico e relacional saudável. Assim a família nuclear pôde se afastar da família extensa, que antes fazia boa parte do que o Estado passou a garantir. (apud LEITÃO, 2006)
Parsons (apud LEITÃO, 2006) lembra que passa a existir uma socialização maior da criança que tem suas necessidades atendidas também fora da família.
Áries (apud LEITÃO, 2006) também contribui quando explica e ressalta a função mais emocional da família quando faz um paralelo com o surgimento da escola. Pois com o surgimento da escola e da nova perspectiva de aprendizagem as pessoas puderam estar mais próximas por mais tempo, convivendo e alimentando a afetividade. Não mais valorizando o sentimento de linhagem, mas o de se sentir verdadeiramente pertencente e emocionalmente integrado àquela família. O conceito de “família”, que nasce a partir do século XVII, só faz sentido com a verdadeira convivência e inserção no lar.

Parsons (apud LEITÃO, 2006) também fala do padrão americano de família e diz que, ao se casar, o americano abdica da convivência da família consangüínea pela convivência da família por afinidade, da conjugalidade e da procriação. Neste caso, ele entende que existe uma tensão entre as relações de consangüinidade e as de afinidade.
Schneider (apud LEITÃO, 2006) coloca que a relação consangüínea é algo mais forte que a afinidade, utilizando frases como, “o sangue é mais espesso que a água” e diz que pela afinidade da relação conjugal nasce uma criança que é “do mesmo sangue” dos pais. Ela acredita que o nascimento do filho é que reforça o sentimento de conjugalidade.
Stratern (apud LEITÃO, 2006) já fala que, mesmo com a importância dada ao parentesco biológico, expressas, por exemplo, com as novas técnicas de reprodução, nós podemos perceber que as relações genéticas não criam relações sociais.
Neste sentido Schettini (1998, p. 48) explica que:
“Para que nos tornemos pais, necessário é estabelecermos uma relação de afeto. É o afeto dedicado a uma criança que faz dela um filho e constrói em nós a postura de pais. É verdade que esse processo se estende por estágios inúmeros, dependendo da estrutura e da formação de cada pessoa que estabelece o seu projeto de paternidade e maternidade”. (...) “É ao longo da convivência que o afeto se expressa num mecanismo de troca e substituição”.

Mesmo com todas essas modificações do significado da criança ao longo do tempo, hoje temos que pensar na criança, no adolescente e na adoção, em casos que haja necessidade, como uma urgência social. A criança abrigada deve ser uma preocupação geral e humanitária.
Por Cintia Liana

*Um dos capítulos de minha monografia do curso de Especialização em Psicologia Conjugal e Familiar pela Faculdade Ruy Barbosa, concluído em 2008.

Referência:

LEITÃO, D. (Org.) ; MACHADO, R. P. (Org.) ; LIMA, D. (Org.) . Antropologia e Consumo. 1. ed. Porto Alegre: AGE, 2006. v. 1.

SCHETTINI, Luiz. Compreendendo o filho adotivo. 3. Ed. Recife: Edições Bagaço, 1998.

*Para citar partes deste texto:

Silva, Cintia L. R. de. Filhos da esperança:
Reflexões sobre família, adoção e crianças.
Monografia do curso de Especialização em Psicologia Conjugal e Familiar. Faculdade Ruy Barbosa: Salvador, Bahia, 2008.

"Respeite a obra alheia, atribua os créditos ao autor".

sábado, 21 de novembro de 2009

Duas mães para uma vida

Foto: Google Imagens
Era uma vez duas mulheres
que nunca se encontraram.
De uma não te lembras;
a outra é aquela que tu chamas Mãe.
Duas vidas diferentes
na procura de realizar uma só: a tua.
Uma foi a tua boa estrela,
a outra o teu sol.
A primeira te deu a vida,
a outra te ensinou a viver.
A primeira criou em ti a necessidade do Amor,
a segunda te deu esse Amor.
Uma te deu as raízes,
a outra te ofereceu teu nome.
A primeira te transmitiu teus dons,
a segunda te deu uma razão para viver.
Uma fez nascer em ti a emoção,
a outra acalmou tuas angústias.
A primeira recebeu teu primeiro sorriso,
a outra secou as tuas lágrimas.
Uma te ofereceu em adoção,
era tudo o que ela podia fazer por ti.
A outra rezou para ter uma criança
e Deus a encaminhou em tua direção.
E agora, quando chorando,
tu me colocas a eterna questão:
herança natural ou educação?
De quem eu sou fruto?
Nem de um nem de outro, minha criança...
Simplesmente, de duas formas diferentes de Amor

[Autor Desconhecido]
******* Um beijo à todas as mães do Grupo "Psicologia e Adoção". *******
Nós juntas somos muito mais fortes!
Por Cintia Liana

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Palhaça Psicóloga

[Fotos: Cintia Liana. Obs.: Os rostos das crianças estão pintados, para proteger a identidade das mesmas]

Em 2007, mais uma vez, fui preparar as crianças para o Programa "Dia Feliz" da Vara de Infância. Na oportunidade, ao invés de contratar um palhaço para fazer as vezes, resolvi eu mesma me fantasiar e encarar o meu lado lúdico, deixando um pouco a vaidade de lado e dando chance para ser motivo de risadas e talvez de parecer um pouco ridícula, "habilidade" e característica atribuída aos pobres palhacinhos profissionais. Tem que ter coragem para ser um palhaço.

Minha amiga Mônica Montone em seu *blog disse, "palhaços, como os anjos, não têm sexo. São essência. Podem ser essencialmente sábios ou essencialmente tolos".

Em um dos abrigos que visitei tirei fotos.
As crianças, quando me viram, ficaram agitadas, alegres. Algumas desconfiaram que era a "tia Cintia", outras tiveram certeza e outras nem podiam imaginar, devido a sua ingenuidade natural da idade.
Apresentamos uma peça de fantoches escrita pelo meu padrasto, professor e cordelista, Jotacê Freitas e contei com a participação de minha mãe, Walkiria de Andrade, Arteterapeuta, também palhaça na iniciativa, e quem confeccionou os boneco de espuma.
Mais duas funcionárias do Serviço de Psicologia também participaram da realização da idéia, Tatiana (Estagiária de Psicologia, na época) e Priscila (Secretária).

Explicamos para as crianças o objetivo do Programa e que elas passariam 6 dias na casa dos amigos, mas que não se tratava de adoção, elas iriam fazer novas amizades ou voltar a visitar os mesmos amigos que as levaram nos anos anteriores.

Esse contato com o mundo externo a instituição é muito valioso para a criança abrigada.
Ao final brincamos livremente e fizemos muitas palhaçadas. Naquele pátio, por um momento, vi que só existiam crianças, compartilhando do mesmo sentimento, com tanta esperança no coração de serem mais felizes. E eu também era mais uma criança, que esperava por um mundo melhor para elas.
Fotos: Cintia Liana

Por Cintia Liana

*Citação do blog: http://finaflormonicamontone.com

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Adoção "Tardia"


A expressão adoção "tardia" é vulgarmente utilizada para identificar adoções de crianças crescidas, maiores, mais velhas, após os 3 anos de idade. Crianças que uma parte de sua infância foi vivenciada em companhia da família natural, de terceiros ou em um abrigo.

O nome adoção "tardia" não é bem recebido por especialistas, pois o termo não é adequado.
Partindo do principio de que, nunca é tarde para ter um pai e/ou uma mãe, ter uma família, e que todas as crianças têm o direito a estar inseridas num grupo familiar harmonioso, a expressão é totalmente equivocada e discriminatória.
Adotar uma criança mais velha traz alguns medos acompanhados de preconceitos, fantasias e influências de pessoas que não estão vivenciando a adoção como os pleiteantes à ela.
Ao contrário de muitas expectativas, as chances da uma adoção de uma criança maior dar certo são muito grandes, pois elas têm consciência do que querem, já sabem que não têm o vínculo biológico com o adotante, sendo desnecessário o medo da revelação e são crianças que anseiam por uma família e pelo amor dos futuros pais tão sonhados.
Elas são tão áviadas pela vida em família que muitas nos primeiros dias de convivência abandonam velhos hábitos da instituição (que não necessariamente ruins) e adotam novos. Elas passam a imitar os novos pais, reconhecendo-os rapidamente como tais.
A frase que mais ouvia na avaliação psicológica na Vara de Infância nos anos de 2004, 2005 e 2006 era: "quero adotar um bebê, pois eu já vou colocando do meu jeito, moldando..."
Isso é um absurdo! Quem lhe garante que seu filho biológico será como você deseja? Quem lhe garante que seu filho adotado bebê te aceitará plenamente? Ninguém! Ainda bem! Ninguém tem que ser moldado ou achar que alguém está completamente certo e é perfeito. Temos que respeitar e valorizar nossas diferenças, sejamos biológicos ou adotivos. Amamos as pessoas por suas particularidades também, por serem únicas e especiais e não por que são como nós. Ninguém é igual, por mais que queiramos.

Os candidatos à adoção também têm que ser moldados? Não? Por que? Porque são adultos? E os adultos são perfeitos?

Esquecemos que a criança tem que ter muito peito para enfrentar dois seres adultos, que querem adotá-la e depositam muitas vezes, mesmo que inconscientemente, um milhão de expectativas nela.

[A foto ilustrativa é perfeita neste caso, todos olhando desconfiados para ela]

Foto: Google Imagens

Em 2007 e 2008 essa frase ficou menos repetida em minha jornada dária. Ainda bem! Sinal de que as coisas mudam e as pessoas vão tomando consciência.

Muitas vezes, mergulhar no universo dolorido do filho adotivo e tornar-se cúmplice de suas dores aproxima mais ainda e torna a relação de amor cada vez mais forte. Lembre você está adotando um ser humano e não comprando um sabão em pó.
Se você conhece um caso de adoção de uma criança maior mal sucedida, eu conheço de perto mais de dois mil casos muito bem sucedidos.

Por Cintia Liana

domingo, 8 de novembro de 2009

"Filho é pra quem pode!" .

Por MÔNICA MONTONE

"Eu, não posso! Apesar de ser biologicamente saudável.

Não posso porque desconheço o poço sem fundo das minhas vontades, porque às vezes sou meio dona da verdade e porque não acredito que um filho há de me resgatar daquilo que não entendo ou aceito em mim.

Acredito que a convivência é um exercício que nos eleva e nos torna melhores, mas, esperar que um filho reflita a imagem que sonhamos ter é no mínimo crueldade.
Não há garantias de amor eterno e o olhar de um filho não é um vestido de seda azul ou um terno com corte ideal. Gerar um fruto com o único intuito de ser perfumada por ele no futuro é praticamente assinar uma sentença de sal.
Filhos não são pílulas contra a monotonia, pílulas da salvação de uma vida vazia e sem sentido, pílula “trago seu marido de volta em 9 meses”.
Penso que antes de cogitar a hipótese de engravidar, toda mulher deveria se perguntar: eu sou capaz de aceitar que apesar de dar a luz a um ser ele não será um pedaço de mim e portanto não deverá ser igual a mim? Eu sou capaz de me fazer feliz sem que alguém esteja ao meu lado? Eu sou capaz de abrir mão de determinadas coisas em minha vida sem depois cobrar? Eu sou capaz de dizer “não”? Eu quero, mesmo, ter um filho, ou simplesmente aprendi que é para isso que nascemos: para constituir uma família?
Muitas das pessoas que conheço estão neurotizadas por conta de suas relações com as mães. Em geral, são mães carentes que exigem afeto e demonstração de amor integral para se sentirem bem e, quando não recebem, martirizam os filhos com chantagens, críticas e cobranças.
As mães podem ser um céu de brigadeiro ou um inferno de sal. Elas podem adoçar a vida dos filhos ou transformar essas vidas numa batalha diária cheia de lágrimas, culpas e opressões.
Eu, por exemplo, não consigo ser um céu de brigadeiro nem para mim mesma, quiçá para uma pessoinha que vai me tirar o juízo madrugadas adentro e, honestamente, acho injusto colocar uma criança no mundo já com essa missão no lombo: fazer a mamãe crescer.
Dar a luz a um bebê é fácil, difícil é ser mãe da própria vida e iluminar as próprias escuridões."

Texto de uma grande e querida amiga, que é poeta e escritora.
Vocês podem ler esse e outros tantos textos no blog da autora.
Por Cintia Liana

"Dias Felizes" 2006

Quando o meu contrato profissional com o TJ ainda estava em vigência, trabalhava na Vara de Infância e Juventude de Salvador com adoção, guarda tutela e medidas de proteção ao menor. Coordenei o Serviço de Psicologia por 4 anos.
No mês das crianças trabalhei junto ao Programa do Dia das Crianças, promovido pela mesma Vara.

O Conselho de Psicologia da Terceira Região Bahia/Sergipe resolveu fazer uma matéria falando do programa e em como isso poderia servir em benefício das crianças, passar esses dias inserido em uma família.

A jornalista do CRP me deu o prazer de falar sobre o meu trabaho com a preparação das crianças para o programa e sobre a minha participação também como cidadã, pois estava levando um casal de irmãos para minha casa para passar os 6 dias, incluindo o dia das crianças. A menina estava com 9 anos e o menino com 4.



Eu achava que as faria felizes naqueles 6 dias e de fato ocorreu, mas eu não tinha a real noção do quanto me fariam feliz e emocionada. A participação delas em minha vida foi tão importante... Aprendi muito e sinto que me tornei ainda mais humana e consciente.

Para mim como profissional da área de adoçao e família foi absolutamente enriquecedor. Senti na pele muitas coisas. Pude estar bem perto do que é crescer sem ter uma família, sem ter alguém que realmente as amasse mesmo tendo os pais vivos, se sentir desamparado e ainda assim conseguir sorrir, ter esperança e dar amor, pois me senti muito amada pelos dois. Eles diziam que queria que eu fosse mãe deles.
Durante aqueles dias aproveitei para levá-los ao parque de diversões que estava na cidade na época, passeamos, pintaram suas carinhas com tinta no mini parque do shopping, saímos para tomar sorvete, viram o pouso de paraquedistas na praia (ficaram encantados), conheceram minha família e alguns amigos que se emocionaram e não entendia como eu tinha coragem em estar me apegando, me afeiçoando sendo que eu não poderia adotá-los, já que não seriam ainda destituídos do poder familiar e também por não ser um momento em que eu estava planejando ter filhos. Cheguei a ver dois desses amigos emocionados com as crianças.
Após aqueles dias tão alegres eu continuei próxima, contribuindo quando possível, pois eles estavam em poder do Estado e não era tão simples estar tão perto, mesmo sendo funcionária do Judiciário. Mas o importante era que eles sabiam e sentiam que tinha alguém fora dos muros da instituição que se importava e que os amava de verdade. Hoje a menina está com o pai biológico (que nao é o mesmo pai do irmão) e o menino está com uma tia materna.
Eu sempre lembrarei dos dois, na diferença, no exemplo e no bem que fizeram a minha vida e na vida de todos que estavam ao meu redor.

Por Cintia Liana

sábado, 7 de novembro de 2009

O que é adoção

[Disponível em : http://www.youtube.com/watch?v=lSwIBBr1Ueg]

Adoção é o processo de acolher, afetiva e legalmente, uma criança ou adolescente que seja percebido e sentido como verdadeiro um filho. O filho adotado, gerado por outra pessoa, passa a ocupar no universo afetivo e familiar do adotante o lugar de filho legítimo.

Adotar não é um gesto de caridade - apesar de fazer bem a todos os envolvidos nela - quem o faz é por desejo de ser pai e mãe, por vontade de se ter um filho. O amor que existe e experimentado entre as pessoas envolvidas na adoção é igual àquele sentido por parentes consanguíneos, mas ainda podemos acrescentar na relação de adoção alguns requintes de consciência, pois os pais adotivos, quando têm seus filhos, vão em busca deles com consciência de que os querem e não se trata de "um golpe do destino", de uma gravidez indesejada. É a busca por seu filho tão desejado.

Todo vínculo de amor é conquistado pela convivência e pelo respeito e não pela herança genética.

Schettini (1998) diz que “a adoção afetiva é a verdadeira relação parental. Não existem filhos, verdadeiramente filhos, que não sejam adotivos”. Até um filho biológico precisa ser adotado pelos pais para tornar-se verdadeiro filho.

“Todos os filhos são biológicos e todos os filhos são adotivos. Biológicos, porque essa é a única maneira de existirmos concreta e objetivamente; adotivos, porque é a única forma de sermos verdadeiramente filhos”. (FILHO apud NASCIMENTO et al, 2006)

A criança que tem pais falecidos, desaparecidos, desinteressados das funções e responsabilidades parentais, inaptos a assegurar seus direitos e que perdeu o poder familiar decretado em forma de processo regular pelo Juiz, é inserida na família substituta de maneira definitiva e legítima, assume os mesmos direitos de um filho biológico. A adoção cria um elo irrevogável parental civil e imutável entre as partes envolvidas. A certidão de nascimento é substituída por outra, com uma nova relação de filiação que proporcionará ao adotado gozar de idênticos direitos que possuam os eventuais filhos biológicos do adotante.

Por Cintia Liana

Referência:

NASCIMENTO, Roberta et al. O processo de Adoção no Ciclo Vital. Disponível em: . Acesso em 17 de fevereiro de 2007.

SCHETTINI, Luiz. Compreendendo o filho adotivo. 3. Ed. Recife: Edições Bagaço, 1998.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Falando sobre a adoção com o filho

Foto: Google Imagens

Não existe idade ideal para a criança saber sobre o tipo de vínculo que tem com seus pais adotivos. É muito importante e saudável que os pais já contem historinhas de adoção para a criança desde a sua chegada na família, independente da idade. Assim, ela vai se acostumando com o tema e entendendo os fatos na medida em que for amadurecendo. Mesmo que não faça muito sentido para ela, o importante é que, quando passar a entender as dimensões dos fatos e os verdadeiros significados, ela irá sentir que seus pais adotivos sempre foram muito sinceros sobre sua adoção e que esse é um assunto conhecido e, melhor ainda, "permitido" na família. O fato de alguns pais entenderem a adoção como algo negativo não significa que a criança também entenderá desta forma, mas somente repetirá esse modelo de conduta se os pais insistirem neste erro, tratando a adoção como algo vergonhoso e negativo.
Será que é justo uma criança crescer sentindo que há “algo de errado ou de misterioso” com a sua existência, com seu nascimento, com o seu lugar no mundo e na família? Será que é bom achar que é fruto de algo vergonhoso, que a sua família substituta tem que esconder, ou não falar de sua origem, como um tabu?A criança adotiva tem que crescer num ambiente que a propicie falar sobre seus sentimentos abertamente, sem vergonha ou medo.
Eldridge (2004), explica que a criança adotiva raramente fala de forma aberta sobre sua raiva relacionada ao fato de ser adotada. Porque ela acredita que estará magoando os pais adotivos e por que ela acha que os deixará incomodados, assim ela não fala e poderá expressar isso de uma forma agressiva e anti-social em algum dado momento. Como no caso da adaptação, a criança também pode manifestar tendências anti-sociais por querer mostrar que há algo de errado com ela, por estar sofrendo algum tipo de privação ou sofrendo com algum sentimento que ela não está sabendo lidar.

Afine-se, seja cúmplice do seu filho no processo de descoberta de sua identidade, e o conhecimento e aceitação de suas origens fazem parte disso. Quando ouvir perguntas-afirmações do tipo “eu vim de sua barriga, não foi, mamãe?”, fale tranquilamente que não, mas que para amarmos alguém como filho ele não precisa “sair da barriga”, pois o amor se faz no coração. Quando perguntar sobre a família biológica tente responder o que sabe e o que a criança tem capacidade de ouvir e aceitar, mesmo que não entenda tudo, ela tem o direito de saber.

“Dedicar um tempo para a reflexão a respeito da adoção é revelá-la para nós mesmos, é incorporar uma verdade que está sendo assumida a partir da intenção. A adoção não acontece sem uma decisão. Isto a torna diferente. Por ‘diferente’ temos que ler diferente. Uma outra forma de ser pai, de ser mãe. Só. Só? Não, a adoção é rica por isso mesmo! Encontro de histórias, uma caixinha de surpresas que temos as chances de moldar, de ajeitar com carinho, de ajudá-la a crescer. O que é um casamento afinal? O encontro de duas pessoas diferentes, com histórias diversas que identificam coisas em comum, ou coisas que os atraem, iniciam um relacionamento e percebem que ele poderá durar por toda uma vida. Encontro de histórias, assim como na adoção. Em toda história há riqueza, porque há vida, experiência. São nossas histórias de vida que nos tornam diferentes, especiais. Nelas há sempre um ensinamento, uma lição, merecem respeito. Para haver uma adoção, deve ter havido antes um abandono. Sempre, por menos sofrido que tenha sido. Nisto há uma história. Um filho adotivo sempre terá uma história anterior à adoção, que deve ser respeitada por fazer parte dele, por tê-lo ajudado a se formar. Ao optar pela adoção, os pais adotivos devem levar em conta que estarão sempre ligados aos pais biológicos de seus filhos, porque sem eles, estes não estariam no mundo hoje. E aqui está um dos pontos mais bonitos da adoção, não se pode negar esta realidade, mesmo porque ela reforça a intenção, a ação e o desejo por este filho.Negar e negar-lhe este fato, é não aceitar parte da história de vida do filho, é não aceitá-lo como é, incondicionalmente. É também negar toda a espera, todo o desejo motivador do antes.” (Schreiner, 2000)

“Se a informação sobre essa história prévia não lhe é dada, ela perde parte de sua biografia, de sua trajetória anterior, que se encontra registrada em seu inconsciente, é parte da carne de seu corpo e esse corpo jamais poderá ser reduzido ao silêncio” (Videla, 1998).

“Os filhos adotivos, também passam pela pressão social preconceituosa e aderindo ao modelo transmitido por seus pais, relatam que não têm curiosidade nem interesse em saber sua própria história, ou de seus pais biológicos. Na verdade, existe um acordo tácito e velado de não se falar a respeito da adoção: os pais procuram encobrir sua esterilidade, o medo fantasioso de que o filho volte para sua família de origem e a impossibilidade de ter um filho do 'seu próprio sangue'; os filhos não falam a respeito para não magoar seus pais e para encobrir sua própria mágoa de ter sido rejeitado por sua família de origem e assim perdem um pedaço de sua identidade. Um outro ilustre personagem das histórias infantis, Super-homem, tornou-se 'super' exatamente quando soube com detalhes a sua origem; uma interpretação livre sobre o fato é que o abandono das dúvidas e fantasias sobre sua família biológica criou condições para o fortalecimento e construção de sua personalidade e identidade”. (Nascimento apud Weber, 2005)
Referência:

Eldridge, Sherrie. (2004). Vinte coisas que os filhos adotivos gostariam que seus pais adotivos soubesses.
Nascimento, R. F. L. do, Argimon, I. I. de L., Lopes, R. M. F., Wendt, G. W. e Silva, R. S. da. O processo de Adoção no Ciclo Vital. [online] Disponível na Internet via www. URL:http://www.redepsi.com.br/portal/modules/smartsection/item.php?itemid=293. Arquivo capturado em 17 de fevereiro de 2007.
Schreiner, Gabriela. Vamos Falar-nos de Adoção (A revelação). Apresentado em reunião de pais do grupo NEPPAJ – Jundiaí/SP – 2000. [online] Disponível na internet via www URL: http://cecif.org.br/tt_revelacao.htm. Arquivo capturado em 20 janeiro de 2007.
Videla, Mirta. A Procura das Origens. Boletim “Uma família para uma criança” – Fernando Freire (org) – ano I nº 2. [online] Disponível na internet via www URL: http://cecif.org.br/tt_busca.htm. Arquivo capturado em 20 de janeiro de 2007.



Por Cintia Liana

Filho Ideal x Filho Possível

Foto: Google Imagens

Reclamamos tantos dos preconceitos sociais ou quando sofremos com o preconceito de outras pessoas, mas não pensamos que temos as nossas velhas e ultrapassadas convicções, que caducaram há muitos anos.
Quando falamos de relacionamento humano, pensamos logo em relações delicadas, cheias de complexidades. O relacionamento de pais e filhos, sejam eles biológicos ou adotivos, são cheios de significados, dificuldades, sensações e entraves emocionais, relacionamentos que também são recheados de muito amor e mágoa. Mas algumas pessoas insistem em levar adiante discursos preconceituosos, egoístas e levianos em relação a adoção por ter conhecido um ou dois casos de famíllias adotivas que estavam tendo conflitos e muitas vezes conflitos que acontecem em qualquer família, mas insistem em colocar a responsabilidade do problema na adoção, ou pior ainda, no filho adotivo, como se a resposta do conflito fosse tão simplista, estivesse focada numa pessoa ou num só aspecto.
Por falta de estudos na área e conhecimento, as pessoas tendem a generalizar. Acaba sendo mais fácil verbalizar e perpetuar o que é negativo, ao invés, de falar dos aspectos positivos ou se abrir para conhecer histórias bem suscedidas.
Quando trabalhava na Vara da Infância, cansava de ouvir casais dizendo na entrevista que queria uma criança recém nascida, por não ter traumas e ter um menor número de bagagem familiar. “Uma criança pequena é bom para eu colocar do meu jeito. Eu ouvi dizer que é melhor, por que criança grande já vem com vícios da instituição”.
Isso é egoísmo e é um equívoco COM-PLE-TO! A maioria dos estudiosos concorda que quanto mais cedo a criança puder ser adotada melhor. Menores são as situações e as lembranças de rejeição. Mas outras idéias vêem sendo difundidas de que a situação de privação afetiva e a separação da família biológica não são boas em qualquer idade (Levinzon, 2004).
Ao adotarmos, estamos acolhendo um ser humano, já composto por uma complexa dinâmica psíquica, independente da idade. Quem garante aos adotantes que aquele recém-nascido será uma criança brilhante, otimista, criativa, bem socializada? Nem os pais biológicos têm essa garantia com seus filhos. O bebê já traz memórias desde o últero materno. E quem é que nunca conheceu uma criança que, por maior as dificuldades enfrentadas por ela, era uma criança alegre, carinhosa, receptiva, espirituosa e otimista, capaz de enxergar as melhores nuances de uma situação difícil? Eu já conheci muitas, principalmente em abrigos.
Eu agora quero saber. "Quais são os traumas que vocês trazem, pais adotivos? Vocês estão preparados para serem pais, estão muito novos ou muito velhos para tornarem-se pais?"Até mesmo antes de se tornarem pais, alguns adotantes já estão delineando a vida dos futuros filhos, escolhendo por eles como devem ser e o caminho que devem seguir. Estas pessoas não estão preparadas para serem pais. Claro que queremos o melhor para quem a gente ama, mas será que teremos o controle disso?
Todos nós influenciamos e somos influenciados a todo instante pelo meio, não importa a idade que temos, isso só irá depender do amor que sentimos, da identificação, do desejo de mudar e não da força ou do controle do outro, que acha que ser deste ou daquele modo é mais correto.
Vejo que a criança, em qualquer estágio de vida, quando é adotada, passa a desejar ser como os novos pais. Às vezes o processo é lento, mas se o amor existe, a família torna-se muito coesa e harmoniosa e a criança adotiva passa a parecer até fisicamente com os novos pais com o passar do tempo.
Lembrem-se, os laços de sangue não são os mais fortes, se fossem não existiriam filhos biológicos abandonados. Tenho certeza que poderemos construir lanços afetivos parentais com qualquer criança, só basta sentir empatia e o desejo de estarmos receptivos ao que ela tem para nos oferecer e isso passa longe de ter a ver com cor, sexo ou idade.
Muitos casais ou solteiros acabam adotando uma criança diferente do perfil que desejavam inicialmente, ao “se apaixonarem” por outra fora das expectativas.
Não é verdade que uma criança com uma faz etária maior, causa mais problemas ou se adapta mais dificilmente quando é adotada. Essas crenças são fantasias nascidas dos preconceitos. Caracteriza-se um dos maiores mitos na adoção. Se fosse assim, crianças que viveram em situação de risco, abandono ou cresceram em abrigos não mereceriam ter uma família? São crianças problemáticas? Menos merecedoras de afeto por terem traumas? Elas, como todas as outras menores, merecem uma família, são capazes de mudar. E o fato de terem traumas, como todos nós, não as deixam inaptas a estabelecer com sucesso uma relação afetiva verdadeira, baseadas no respeito e no amor.

Por Cintia Liana

Referência:
Levinzon, G. K.. Adoção. Coleção Clínica Psicanalítica / dirigida por Flávio Carvalho Ferraz. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.

A criança e a importância da família

Foto: Paulo Santos (Olho sem te ver)

Boadella (1974) diz que o direito básico da criança é de existir no mundo, de sentir a sua própria identidade. Ele afirma que a criança necessita do contato íntimo com a pele da mãe, e que isso é que vai formar a base do seu contato com o mundo. O sentimento de identidade madura é desenvolvida também através da sensação de se sentir cuidado, que pode ser pelo reconhecimento do toque e do olhar. Essa troca da mãe com a criança, esses contatos-aproximação são a base da personalização e promove a capacidade da criança relacionar-se de forma mais amorosa com o adulto. Esse contato com a mãe é muito rico e é importante que as duas se experimentem tendo uma alegria recíproca, Nesse contexto de envolvimento nos braços e no olhar da mãe, a criança irá aprender a “definir seus próprios limites, aprende a encarar-se e a outros seres humanos, e adquire seu sentimento de pertencer o mundo”.No caso da família substituta (adotiva), quando falamos de estabelecimento de novos vínculos parentais, nos remetemos a construção de laços afetivos e, posteriormente, não podemos deixar de fazer uma ligação com a idéia de formação do apego.“É neste sentido que Bowlby (1989) reforça a importância dos pais fornecerem uma base segura a partir da qual uma criança ou um adolescente pode explorar o mundo exterior e a ele retornar, certos de que serão bem-vindos, nutridos física e emocionalmente, confortados se houver um sofrimento e encorajados se estiverem ameaçados. A conseqüência dessa relação de apego é a construção, por volta da metade do terceiro ano de idade, de um sentimento de confiança e segurança da criança em relação a si mesma e, principalmente, em relação àqueles que a rodeiam, sejam estes suas figuras parentais ou outros integrantes de seu círculo de relações sociais”. (MONDARDO e VANLENTINA, 1998)
Mondardo e Valentina (1998) também expõem que as contribuições de Margareth Mahler ao desenvolvimento infantil fortalecem as idéias desenvolvidas por Bowlby em relação a construção de uma base segura aos filhos através dos cuidados parentais. Essas contribuições dizem respeito “à importância fornecida às relações de objeto precoces, ou seja, ao vínculo com a mãe, às angústias de separação e aos processos de luto nas etapas evolutivas”.Na adoção a criança passa a ter um sentimento de pertencimento com os novos pais, figuras substitutivas, pois são pessoas que vão passar a apoiá-la a acolhendo na sua totalidade e lhe dando afeto. Ela irá ter uma oportunidade de desenvolver um apego seguro com esses novos pais, ao contrário do que possivelmente tinha com seus progenitores, que talvez pudessem ter nutrido por ela um sentimento de raiva e rejeição. (ANDOLFI, 2002)
Andolfi (2002) explica que esses progenitores podem ter cumprido um mandato familiar na forma de uma tradição ou de um padrão intergeracional, no qual podem ter passado, como sua mãe, a avó da criança, um padrão de rejeição e falta de acolhimento. Essa genitora pode ter sofrido um processo de projeção familiar transmitido pela imaturidade e baixo nível de diferenciação do self da sua mãe. Diferenciação esta que significa adquirir autonomia no pensar, no sentir e no agir por si mesma, como um adulto responsivo.
Elizabeth Banditer (apud PONTES, 2001) diz sobre “o mito do amor materno”, que o apego é inerente à mãe. Tem que existir um contexto positivo, um solo fértil para alimentar a criança e criar uma relação de apego saudável.Ela acredita que para que uma mulher possa ser a “boa mãe”, é preferível que ela tenha experimentado, em sua infância, uma evolução sexual e psicológica satisfatória, junto de uma mãe também relativamente equilibrada. Mas, se uma mulher foi educada por uma mãe perturbada, há grande probabilidade de que sinta dificuldade em assumir a sua feminilidade e maternidade. Quando for mãe, reproduzirá, diz-se, as atitudes inadequadas que foram as da sua própria mãe.
Andolfi (2002) explica que para Bowen o indivíduo quando passa da condição de filho para a condição de genitor usará o mesmo modelo que foi aprendido com os pais. Ou seja, quando esse contexto social está modificado, quando esses papéis se invertem, o filho passa a ser pai, e se faz necessário algumas respostas efetivas, abrem-se feridas intergeracionais e vem a tona uma questão de base: “como se pode dar aos filhos aquele afeto verdadeiro e tangível que se pensa nunca ter recebido dos genitores, quando crianças ou adolescentes?”. (Andolfi, 2002, p. 5)
Banditer (apud PONTES, 2001) aponta que o amor materno não é um sentimento inerente à condição de mulher, não é algo determinante, mas algo que se adquire e esses sentimentos humanos de mãe podem variar de acordo com suas ambições ou frustrações, com a cultura e as flutuações sócio-econômicas da história. Banditer também explica que “o amor materno pode existir ou não, aparecer e desaparecer, se forte ou ser frágil, ter preferência por determinado filho ou não”. O amor materno acaba por ser “apenas um sentimento humano como outro qualquer e, como tal, incerto, frágil e imperfeito”No que se refere a necessidade de afeição,
Schettini (1997) afirma que sua satisfação é fundamental e indispensável para a harmonia do desenvolvimento. Durante o início da vida da criança é de extrema importância construir um ambiente de afeição, porque, desse modo, estaremos dando a estimulação sensorial, atenção e carinho adequados.O autor completa afirmando que a qualidade desta freqüência, desse contato da criança com o adulto, refletirá em sua sobrevivência, pois crianças pequenas morrem por falta de afeição adequada. Figuras parentais é que proporcionam um lastro firme para o desenvolvimento sadio de um ser humano.Assim mesmo não devemos esquecer que nunca é tarde para se ter uma família, qualquer criança abandonada é “adotável”. Ela se torna não adotável quando nos deparamos com o preconceito e a cultura de adoção somente de bebês. Ou seja, a responsabilidade do inchaço de crianças maiores nos abrigos é do preconceito, que reforça que bebês são os melhores para serem adotados, ou contrário do que diz a literatura científica, que explica que não existem dados que provem que uma criança maior tenha mais problemas na adoção que as menores.

Por Cintia Liana

Respeitando a imagem dos pais de origem

Foto: Googel Imagens

Eldridge (2004) trata da importância da criança sentir que os pais adotivos têm uma relação de respeito com as figuras dos pais biológicos, com a "memória" deles, pois as crianças manifestam uma aliança inconsciente com essas primeiras figuras parentais de sua vida, mesmo alimentando uma possível raiva da mãe biológica em virtude do suposto abandono que sofrera.

Schettini (2006) diz que Segundo D’Andrea (2002), se existir e mantiver uma dinâmica competitiva dos pais adotivos em relação aos pais biológicos, o filho ou a filha poderão sentir-se no meio, divididos entre duas famílias, como vítimas e reféns entre o biológico e o afetivo, entre o passado e o presente. Mas se, ao contrário, os pais adotivos, ao construírem um novo vínculo, auxiliarem o filho a integrar e a aceitar a sua família de origem, reconhecendo o seu valor como parte inicial, indispensável de sua vida, a filiação dupla poderá ser vivida de maneira integrada e saudável. O filho passará a enxergar a sua origem como uma etapa natural na construção do vínculo com a nova família. Pode ser que nada se saiba sobre os primeiros pais, pode se saber muito ou algo muito triste, que não demanda entrar em detalhes, o que importa é que essa história existe, não pode ser modificada e deve ser respeitada. Não há nada que se possa fazer para essa história ser mudada, não há como voltar atrás. Algo importante, sadio e nobre a se fazer é respeitar essa história. Podem encarar e assumir que isso dói, mas faz parte da história. O importante é todos estarem juntos e compartiharem os momento para que possam construir uma nova história e tentar ser felizes com o que têm. Essa atitude pode não mudar o passado, mas traz a possibilidade de um futuro feliz e é o futuro que nos espera. (SCHREINER, 2000)

Por Cintia Liana

Referência:

Eldridge, Sherrie (2004). Vinte coisas que filhos adotados gostariam que seus pais adotivos soubessem.

SCHETTINI, Suzana S. M.; AMAZONAS, M. C. L. de A.; DIAS, C. M. de S.. Famílias adotivas: identidade e diferença. Psicologia em Estudo. v. 11, n. 2, Maringá, maio/ago. 2006. Disponível em:http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-73722006000200007&script=sci_arttext&tlng=. Acesso em: 20 de janeiro de 2007.

Schreiner, Gabriela. Vamos Falar-nos de Adoção (A revelação). Apresentado em reunião de pais do grupo NEPPAJ – Jundiaí/SP – 2000. [online] Disponível na internet via www URL: http://cecif.org.br/tt_revelacao.htm. Arquivo capturado em 20 janeiro de 2007.

A adaptação na adoção

Foto: Paulo Santos
Por Cintia Liana Reis de Silva

"Muitas vezes, os adultos fazem das crianças o repositório de sua imaginação e expectativas, não se dando conta das conseqüências futuras de suas fantasias. Os filhos carregam sobre si o peso das esperanças dos pais para depois, muitas vezes, arrastarem, também, o fardo das suas frustrações” (Nascimento et al, 1998).

Um aspecto muito importante é pouco considerado por muitos candidatos a adoção é a adaptação da criança à nova família, à nova casa, às novas relações. Nos esquecemos das dificuldades e dúvidas de quando somos crianças, nos esquecemos de que a forma de entender e ter segurança é muito diferente. Por esse motivo, os adultos costumam achar que a criança se adapta a qualquer ambiente como nós, basta ela estar um ambiente agradável ao nosso olhar. Esse é um grande equívoco, que pode dificultar ainda mais o processo de integração da criança na família substituta.

A criança necessita de tempo para entender o novo local, confiar nas novas pessoas que estão ao seu redor, acostumar-se com o novo espaço, com a nova alimentação, sentir segurança nos objetos que a cercam e ainda demanda algum tempo para sentir verdadeira segurança nos novos pais e diminuir o medo de ser novamente abandonada.

Por esse motivo, é muito natural a criança inicialmente ter enurese noturna, pesadelos, chorar em alguns momentos e sentir medo de algumas coisas. A dimensão do mundo é diferente para a criança. É preciso ter muita paciência e compreensão quando iniciar a convivência com o futuro filho adotivo, pois ele precisará de respeito e isso faz parte do amor que está sendo construído e desenvolvido entre as pessoas. A adaptação, por mais difícil que seja para a criança não precisa ser algo ruim, mas faz parte do que ela é, do seu entendimento de mundo e isso precisa ser respeitado.

O estudioso Bert Hellinger, da “Constelação Familiar”, tem uma linha de pensamento muito marcante. Ele lembra que uma adoção deve ser justificada quando a criança não tem mesmo condições de ficar com sua família natural. Hellinger diz ainda que os pais adotivos, se não expressarem respeito pelos pais naturais e se sentirem, de forma secreta, superioridade frente a eles, a criança, inconscientemente, poderá manifestar solidariedade para com seus pais naturais. Os pais adotivos têm que se conscientizar de que são substitutos dos pais biológicos e que são capazes de entender seus filhos adotivos e aceitar que validem seus sentimentos ligados a rejeição, desta forma os pais substitutos serão melhor aceitos pela criança, ela reconhecerá a substituição como algo positivo. Ser substituto não significa estar em um nível inferior, significa agregar, neste caso.

Os novos pais também, inicialmente, poderão ser alvo do ressentimento que a criança sente por seus pais naturais, por ter sido rejeitada e esse registro é real no interior da criança. Quando isso acontece, até pode significar que a criança confia nos pais, ao ponto de se sentir a vontade para manifestar sentimentos que a incomodam.

Hellinger também fala da importância do pais adotivos aceitarem que a criança teve dois primeiros pais e que eles chegaram para realizar o que não estava ao alcance do pais naturais, então assim a criança, de fato, aceitará melhor os novos pais.Vejo isso claramente em adoções muito bem sucedidas, quando os pais adotivos permitem e incentivam verdadeiramente que seus filhos tenham um contato (emocional) amigável com seus pais naturais, exercitando o desapego. Eles permitem que a memória dos pais naturais façam parte da vida afetiva da criança.
Dentre muitas adoções, lembro especialmente a de um casal de 56 e 60 anos e uma menina de 5 anos. M., ao iniciar a convivência com seus pretendentes a pais adotivos, também iniciou um processo de agressividade intensa, em que ela jogava objetos no chão, chorava muito, gritava com o casal e o testava para saber se iria ser rejeitada novamente. O casal, em acompanhamento psicológico, entendeu seu processo, estava desesperada com medo de perder o que estava conquistando, estava passando pela fase em que estava deixando de ser a garota abandonada para ser a filha querida e amada, e não estava sabendo lidar com essa nova realidade, esse novo lugar que estava ocupando.
A. e F. deram tempo ao processo emocional com muita paciência e, ao mesmo tempo, dando os devidos limites, permitindo que ela sentisse raiva, mostrando a M. que ela poderia confiar neles, dando espaço para o diálogo, mesmo M. tendo atitudes anti-sociais. M. percebeu que poderia confira nos novos pais, que eles não iriam abandoná-la, como fizeram os primeiros, entendeu que estavam alí para ajudá-la. Após dois meses de acompanhamento psicológico, a criança passou a ter uma convivência tranqüila, aos poucos atendendo as expectativas do casal e as do acompanhamento.
Hoje se expressa de forma saudável, travou com toda a família uma relação de amor e respeito e o casal continuou muito apegado à ela, a vendo cada vez mais como verdadeira filha. O que propiciou esta mudança e este equilíbrio foi a persistência e o amor incondicional que os requerentes sentiam pela criança, além disso as pessoas envolvidas se abriram totalmente para o acompanhamento psicológico.
A criança também pode manifestar tendências anti-sociais por querer mostrar que há algo de errado com ela, por estar sofrendo algum tipo de privação ou sofrendo com algum sentimento que ela não está sabendo lidar. Por exemplo, ao furtar objetos a criança pode não estar buscando o objeto em si, mas querendo buscar a mãe, buscar uma relação com os novos pais suficientemente boa. (Eldridge apud Winnicot, 2004)

Então Levinzon (2004) explica que quando os pai adotivos passam a ter fantasias como, “se fosse meu isso não aconteceria” ou “se pudesse, eu o devolveria”, devem ser colocadas em palavras, devem ser reconhecidas e os pais devem perceber a decepção e o cansaço.

Quando o casal passa a rejeitar a criança, isso faz com que a criança se distancie mais ainda tornando, às vezes, inviável a conclusão da adoção.

Eldridge alerta também para o que desencadeia a raiva do adotado, como a rejeição percebida, a falta de respeito diante de seus sentimentos ou quando a criança se sente roubada ou comprada. Raiva por medo de não ter suas necessidades básicas atendidas, medos de não ter carinho ou comida no dia seguinte ou de não ter os pais para sempre. Por todos esses motivos a adoção precisa ser um ato pensado e amadurecido e com certeza terá sucesso se as pessoas envolvidas tiverem a verdadeira disposição para aceitar e amar plenamente.


Por Cintia Liana

Referência:

Eldridge, Sherrie (2004). Vinte coisas que os filhos adotivos gostariam que seus pais adotivos soubesses.
Levinzon, G. K.. Adoção. Coleção Clínica Psicanalítica / dirigida por Flávio Carvalho Ferraz. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.
Nascimento, R. F. L. do, Argimon, I. I. de L., Lopes, R. M. F., Wendt, G. W. e Silva, R. S. da. O processo de Adoção no Ciclo Vital. [online] Disponível na Internet via www. URL:http://www.redepsi.com.br/portal/modules/smartsection/item.php?itemid=293. Arquivo capturado em 17 de fevereiro de 2007.