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*Ao longo do tempo o significado de criança vem mudando bastante. Áries (apud LEITÃO, 2001) descreve a trajetória dos sentidos e sentimentos relacionados à infância através dos tempos. Ele conta que na Idade Média a criança era vista como um mini adulto e após, aproximadamente, 3 anos de idade e dos primeiros e básicos cuidados esta criança passava a ter uma vida compartilhada de igual para igual com os adultos. Por exemplo, ao abandonar as faixas usadas para cobrir o corpo de bebês, passavam a usar roupas de adultos, só que em tamanho menor, crianças e adultos partilhavam espaços, vivências, conversas, brincadeiras levianas e jocosas a respeito da sexualidade. As crianças trabalhavam cotidianamente e faziam serviços domésticos.
A educação era feita através de troca de família, onde uma criança ia para a casa de outra família aprender novas tarefas, serviços domésticos, regras de comportamento e uma nova língua.
A idéia de moralidade e de separação era para o adulto e do que era para a criança e a consciência da inocência da criança e de seu estágio maturacional diferente, não faziam sentido naquela época. Apenas em meados do século XVII, com os movimentos de moralização, feito por educadores, religiosos e moralistas, as pessoas vieram ter um pouco de conhecimento de que poderia haver uma particularidade infantil.
Outra mudança foi a demarcação de diferença entre o mundo do adulto e o da criança, onde na vida infantil haveriam jogos e brincadeiras e do adulto trabalho. Os filhos “serviam” para dar continuidade ao sobrenome da família, a propriedade, serviam como renda extra, pois eram mão-de-obra, tinham um sentindo utilitário e servil, inclusive na velhice dos pais. Ainda assim, eram vistas como um alto investimento, com retorno demorado, sem garantia, pois não tinham grande e eficaz utilidade prática, sendo mais vistas como um luxo, como jóias, pois traziam divertimento para a vida da família e esse contentamento se assemelha ao sentimento que temos nos dias de hoje pela criança.
Fonseca (1995), por exemplo, nos dias atuais, explica que as crianças dão um sentido à existência diária. Elas marcam graciosa presença no dia-a-dia, fornecendo diversão e um senso de importância para os adultos que delas cuidam. Ainda segundo Ariès, como também McFarlane, o prazer, essa “paparicação”, divertimento e as fantasias do mundo infantil são aceitos após o século XVI e XVII. (apud LEITÃO, 2006)
Zelizer fala da construção social baseado no “mercado de bebês” nos Estados Unidos e explica que a criança era inútil para a economia, mas em contrapartida sem preço no plano afetivo. Pessoas eram bem pagas para acolherem bebês indesejados, por terem nascido fora de casamentos e por razões econômicas. (apud LEITÃO, 2006)
Hoje, muito diferente e contrário do final do século XIX e início do século XX, vemos que associar criança a dinheiro é algo totalmente vergonhoso e mesmo sendo ilegal pagam-se fortunas para se obter um bebê, para torná-lo filho. (LEITÃO, 2006)
Nancy Chodorow pontua que, naquela época, paralelo a essas transformações, ocorreram as novas funções da família que antes era de cuidar, proteger a criança e garantir sua sobrevivência. Esses cuidados passaram a ser do Estado e a família nuclear passou a garantir somente os cuidados psicológicos, dar-lhe suporte para o seu desenvolvimento emocional, psíquico e relacional saudável. Assim a família nuclear pôde se afastar da família extensa, que antes fazia boa parte do que o Estado passou a garantir. (apud LEITÃO, 2006)
Parsons (apud LEITÃO, 2006) lembra que passa a existir uma socialização maior da criança que tem suas necessidades atendidas também fora da família.
Áries (apud LEITÃO, 2006) também contribui quando explica e ressalta a função mais emocional da família quando faz um paralelo com o surgimento da escola. Pois com o surgimento da escola e da nova perspectiva de aprendizagem as pessoas puderam estar mais próximas por mais tempo, convivendo e alimentando a afetividade. Não mais valorizando o sentimento de linhagem, mas o de se sentir verdadeiramente pertencente e emocionalmente integrado àquela família. O conceito de “família”, que nasce a partir do século XVII, só faz sentido com a verdadeira convivência e inserção no lar.
Parsons (apud LEITÃO, 2006) também fala do padrão americano de família e diz que, ao se casar, o americano abdica da convivência da família consangüínea pela convivência da família por afinidade, da conjugalidade e da procriação. Neste caso, ele entende que existe uma tensão entre as relações de consangüinidade e as de afinidade.
Schneider (apud LEITÃO, 2006) coloca que a relação consangüínea é algo mais forte que a afinidade, utilizando frases como, “o sangue é mais espesso que a água” e diz que pela afinidade da relação conjugal nasce uma criança que é “do mesmo sangue” dos pais. Ela acredita que o nascimento do filho é que reforça o sentimento de conjugalidade.
Stratern (apud LEITÃO, 2006) já fala que, mesmo com a importância dada ao parentesco biológico, expressas, por exemplo, com as novas técnicas de reprodução, nós podemos perceber que as relações genéticas não criam relações sociais.
Neste sentido Schettini (1998, p. 48) explica que:
“Para que nos tornemos pais, necessário é estabelecermos uma relação de afeto. É o afeto dedicado a uma criança que faz dela um filho e constrói em nós a postura de pais. É verdade que esse processo se estende por estágios inúmeros, dependendo da estrutura e da formação de cada pessoa que estabelece o seu projeto de paternidade e maternidade”. (...) “É ao longo da convivência que o afeto se expressa num mecanismo de troca e substituição”.
Mesmo com todas essas modificações do significado da criança ao longo do tempo, hoje temos que pensar na criança, no adolescente e na adoção, em casos que haja necessidade, como uma urgência social. A criança abrigada deve ser uma preocupação geral e humanitária.
Por Cintia Liana
*Um dos capítulos de minha monografia do curso de Especialização em Psicologia Conjugal e Familiar pela Faculdade Ruy Barbosa, concluído em 2008.
Referência:
LEITÃO, D. (Org.) ; MACHADO, R. P. (Org.) ; LIMA, D. (Org.) . Antropologia e Consumo. 1. ed. Porto Alegre: AGE, 2006. v. 1.
SCHETTINI, Luiz. Compreendendo o filho adotivo. 3. Ed. Recife: Edições Bagaço, 1998.
*Para citar partes deste texto:
Silva, Cintia L. R. de. Filhos da esperança:
Reflexões sobre família, adoção e crianças. Monografia do curso de Especialização em Psicologia Conjugal e Familiar. Faculdade Ruy Barbosa: Salvador, Bahia, 2008.
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