Cintia Liana durante entrevista
Por Cintia Liana Reis de Silva
Definitivamente o amor materno não é perfeito e nem tem que ser. Elizabeth Banditer, pesquisadora, conhecida por escrever sobre o mito do amor materno, diz que o amor é inerente a condição de mãe, que ele não é determinante. O amor de mãe pode variar de acordo com a consciência de cada uma, de acordo com as ambições, frustrações, cultura, ele pode ser fraco ou forte, existir ou não existir, aparecer e desaparecer, pode ser bom ou ruim, ter preferência por um filho ou não.
Existem mães de todos os jeitos, mãe não é tudo igual. Existe mãe que sufoca, mãe egoísta, descuidada, superprotetora, patologicamente medrosa, controladora, chantagista, competitiva, que faz da vida do filho um verdadeiro inferno, fazendo ele depender dela porque tem medo de perder a sua companhia, por exemplo. Existem também as que sabem amar, as que se questionam. As mãe são humanas.
Nos escondemos por trás dessas frases para não questionarmos a nossa própria educação, os nossos próprios valores. Se diz “é coisa de mãe”, como um modo de desculpar a má educação que se dá, sem ter nenhuma responsabilidade com as consequências. É como se o outro não fosse capaz de entender esse amor tão mitizado, desconsiderando o olhar assustado que quem vê a cena absurda, de quem ouve a mãe falar aquela bobagem. Ser mãe não é deliciar o próprio ego narcizista e infantil, para fortalecer e perdurar convicções, mesmo que para isso tenha que fazer o filho sofrer. Ser mãe é educar para a vida, para o convívio com outras pessoas, cada ser humano é peça fundamental na sociedade, a soma deles é a paz ou o caos.
Uma mulher consciente busca educar o filho para ser um adulto responsável e efetuoso com sua vida e com os outros. É tarefa difícil, precisa de jogo de cintura, entender o comportamento psicológico, temperamento, personalidade, ir lapidando com cuidado e reflexão esta nova alma. Precisa de tempo e amor saudável. Não dá para colocar filho no mundo para alimentar o próprio ego sem pensar nas consequências, para somente se realizar, para provar que é capaz de parir. Ser mãe, assim como ser pai, é tarefa de grande responsabilidade, é preciso senso de justiça apurado. É preciso ir muitas vezes contra as nossas próprias convicções.
Geralmente é mais fácil achar que sempre estamos certos, mudar de postura dá muito trabalho, exige energia, desapego. Acreditar que nossos pais não são perfeitos magoa. Preferimos acreditar que eles são perfeitos e quem sabe assim também o seremos?
Existem mães que sabem educar, já outras não. Mães que olham seus filhos como pequenos coitadinhos, outras que mostram a eles que podem ser fortes e vencedores, sem passar por cima de niguém. Mães que trabalham as suas frustrações para não colocá-las em cima do filho. Existem pessoas lúcidas e outras não, como também existem mães lúcidas e outras não. O fato de ter um filho não precisa torna ninguém estúpida, embreagada de amor materno e isso nãe é desculpa para fazer besteiras, usar os filhos como cobaias para tentar acertar. Muito menos precisam ser super heroína, portadora do amor mais poderoso do universo.
Existem formas diferentes de ser mãe e ela não tem que ser perfeita. Estudos mostram que mulheres conseguem mais facilmente ser boas mães se também tiveram um solo fértil e equilibrado em sua infância, explica John Bowlby, o pai da teoria do apego. É mais fácil se dar aquilo que se teve, dar aquilo que se conhece e experimentou. As que sofreram normalmente reproduzem o modelo que tiveram, aquilo que conhecem, a não ser que façam um trabalho de autoconhecimento para não cair no erro de repetir os padrões intergeracionais, e isso é possível, a tomada de consciência é totalmente possível.
Mães erram sim. Há aquelas que ainda colocam fraldas, dão bico e mamadeira a filhos de 5 anos, sufocando o seu crescimento com a busca incessante de fazê-lo estagnar naquela fase para não perder o seu bebê tão amado. Pai e mãe que colocam o filho para dormir entre eles na cama matrimonial; casais que fazem amor com o filho dormindo ao lado, sem querer perceber que o filho vê, acorda e sente a energia do sexo. Erram sim.
Pais superprotetores que passam os seus medos ou querem que seus filhos se tornem superdependentes e que acreditam que eles devem ser os super heróis dos filhos, quando esses pais nem mesmo conseguiram enfrentar e nem dar conta de seus próprios fantasmas.
Pais erram e criam crianças egoístas, agressivas, que não conseguem enxergar o outro porque dentro de suas casas são tratados como o centro do mundo. Ou o oposto, crianças depressivas, inseguras, sofridas, que não têm a atenção e afeto que precisam.
Pai e mãe consciente é aquele que se permite ter dúvidas e se pergunta: “estamos sendo justos?”, “estamos sentindo pena do nosso filhos?”, “como os meus sentimentos de culpa e preconceitos inflenciam na educação dele?”, “estou educando bem?”, “no que posso melhorar independente do que acredito ou quero acreditar?”, “como minhas neuroses e medos podem influenciar na vida emocional de meu filho?”, “de que modo isso pode influenciar no seu futuro, no seu comportamento?”. Esses buscam estar conscientes, se questionam, que educam sem estar apegados a suas crenças antigas e a própria educação que tiveram de seus pais.
Tem também aqueles pais que perguntam a um amigo psicólogo o que acha da educação que dão. Quando o amigo psicólogo chega a falar, depois de muita insistência por parte dos pais, eles não querem ouvir, mudam de assunto, ou começam a se desculpar, justificar. Quem quer de fato melhorar não pergunta opinião de um amigo psicólogo, vai direto a um terapeuta de família, paga pela sessão, ouve tudo o que não quer ouvir. Muda. Em mais de 12 anos de experiência clínica só o segundo ouve e muda. O que pede opinião geralmente não passa de um curioso querendo ouvir elogios tecnicos.
É mais fácil não se questionar, mas pais criam filhos como Suzane Richthofen e depois da crueldade que fazem, a mídia, em nenhum momento, propõe uma discussão sobre como ela deve ter sido educada. Nem conseguiram jogar a culpa na adoção, como em geral o fazem, porque ela era filha biológica. Não se trata de culpabilizar os pais, nem ninguém, mas de dar algumas responsabilidades e de entender como podemos criar melhor as futuras gerações, de questionar o nosso egoísmo, o nosso apego em relação a algumas crenças e farsas sociais.
Poucos estudiosos e escritores questionam o mito do amor materno, pouco se fala sobre ele. Acredito que, como motivo inconsciente, não queiramos tocar de algum modo no arquétipo de grande mãe, na imagem da Virgem Maria, da Nossa Senhora, mas não podemos nos comparar a ela, mesmo com o desejo de ser uma boa mãe, com toda a bondade, amor e pureza que ela representa. Mais nobre é encarar a nossa humanidade, tentando ser cada vez mais justa, para ter filhos psicologicamante mais saudáveis.
Há quem diga que a dor de parir influencia no amor que a mãe alimentará por seu filho, mas ele não é determinante, se fosse assim não veríamos bebês de mulheres que acabaram de parir jogados no lixo. Não veríamos mães adotivas tão apaixonada e educando tão bem seus filhos que não pariram e nem, tampouco, veríamos pais tão maravilhosos, que dão todo o amor que uma criança precisa para estar no mundo experimentando segurança emocional plena. Ser pai e mãe é um processo de descobertas de si mesmo, é tentar ser melhor para educar melhor, mas exige preparo. Não é certo ter um filho para aprender com ele a terefa de ser gente. Uma criança não merece tamanha crueldade e responsabilidade.
Nós humanos adoramos frases feitas, ideais perfeitos, fórmulas do amor e verdades absolutas para nos proteger de nossas falhas e fragilidades. Mas ainda acredito que tantar aguçar um olhar analítico para alcançar outras verdades, mesmo que elas nos desagradem, mesmo que isso doa, é o caminho mais rico e que nos leva a crescer e melhorar a nossa própria realidade, fazendo outros serem humanos que dependem de nós mais felizes.
Cintia Liana Reis de Silva, é psicóloga, psicoterapeuta, especialista em casal e família. Já acompanhou e teve contato com mais de 2.000 casos.