"Uma criança é como o cristal e como a cera. Qualquer choque, por mais brando, a abala e comove, e a faz vibrar de molécula em molécula, de átomo em átomo; e qualquer impressão, boa ou má, nela se grava de modo profundo e indelével." (Olavo Bilac)

"Un bambino è come il cristallo e come la cera. Qualsiasi shock, per quanto morbido sia
lo scuote e lo smuove, vibra di molecola in molecola, di atomo in atomo, e qualsiasi impressione,
buona o cattiva, si registra in lui in modo profondo e indelebile." (Olavo Bilac, giornalista e poeta brasiliano)

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Mãe da Barriga, Mãe do Coração

Foto: Facebook

E-mail de uma mãe:

"Vc abriu o seu coração e agora vou abrir o meu.
Eu só entendi a maternidade depois que fui mãe. E fui mãe das duas formas.

Me perguntaram um dia desses se era a mesma coisa, um filho biológico de um adotivo. Eu dei a resposta padrão: “é claro”. Mas claro que não é. O processo da adoção trás emoções que nenhuma gravidez traria. Conhecer a criança, ir buscar, o primeiro dia, este amor, a biologia não explica.

A gravidez também traz emoções que a adoção não traz. O “se sentir normal”, ter um filho com a cara do marido, saber que você espera 9 meses e não tem fila, o mexer na barriga. Mas é só. A partir do momento que a criança chega nos braços fica tudo igual.

Quando leozinho veio para meus braços pela primeira vez foi tão emocionante quanto quando Isabelle veio pra meus braços. E a partir daí, eu sou mãe, sou responsável por aquela criatura, não importa de onde ela veio.

C., quando leio mensagens como a sua, eu me pergunto se estou agindo certo com o meu filho. Não sei se você sabe, tenho 2 filhos. O mais velho, Leozinho, adotivo, de quase 3 anos e a mais nova Isabelle, biológica de 3 meses. Não quero nunca que ele pense que não o amo de verdade, ou que amo mais a irmã. Comecei a refletir nestas coisas depois que uma amiga descobriu que era filha adotiva. Ela ficou tão revoltada, e eu não conseguia entender o motivo, porque ela era tão amada que nunca desconfiou e levou um susto quando soube. Mas só você e ela sabem dizer o que se passa dentro de vocês.

Não acredito em “o sangue fala”, se não pessoas boas não gerariam filhos bandidos, não acredito em “índole do pai bandido”, porque eu acredito que o amor e a educação mudam qualquer pessoa. Eu só quero é que meu filho nunca na vida dele duvide do meu amor por ele.

Quantas vezes chorei sozinha depois que disciplinei Leozinho? Quantas vezes achei que fui dura demais, ou orei pra Deus curar ele de alguma febre? E pedi a Deus pra ficar doente no lugar dele?

Eu me preocupo não porque espero qualquer tipo de gratidão, jamais, mas porque quero que ele curta a vida dele, com a cabeça sempre erguida, porque ele é um menino maravilhoso, carinhoso e vai ser um homem maravilhoso, eu tenho certeza. Não quero que ele fique sofrendo com algo que não é verdade. Eu o amo demais.

Então, se vc puder falar mais sobre este seu sentimento, vai me ajudar muito.

Só pra encerrar, depois de ter passado por uma gravidez recente, sabe qual é a única coisa que eu senti falta por não ter parido Leozinho? Senti falta dos 13 meses que meu filho esteve longe de mim (9 de gestação da biológica + 4 de nascido) que eu não sei como o trataram, se o alimentaram, se ele precisou de mim e eu não estive lá. Foi a única coisa que dei falta na minha “gestação” dele."

Bia

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"Eu sentia um chamado, sabia que ele me aguardava. A busca por meu filho foi além de tentativas de engravidar. Foi na adoção que o encontrei. E esta certeza incontestável, inclusive juridicamente, de que ele é meu filho, filho da minha alma, do meu coração, foi o que me inpulsionou a prosseguir na busca. Só mesmo o amor de uma mãe e de seu filho pode explicar os laços que os unem."

Bia Maia

Blog de Bia:
http://maedabarrigamaedocoracao.blogspot.com/

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O e-mail acima foi um dos mais lindos que já li.

Observação: O e-mail foi cedido por Bia, a autora, amiga e companheira de adoção.
Disse que eu poderia preservar os nomes dela e dos filhos e que poderia postar fotos deles. Neste post não usei fotos da família dela.

Obrigada sempre Bia, pelo carinho, confiança, amizade e parabéns pela linda mãe que você é, e teve o presente de o ser das duas formas.

Por Cintia Liana

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Gretchen adota mais uma menina

Foto: Google Imagens (nada tem a ver com a matéria)

Gretchen adota mais uma menina em Recife.
Por Eulândia
Terça, 18 de Maio de 2010, 09:24 .

“Agora eu só posso falar baixinho, porque ela está dormindo”. Foi assim que Gretchen atendeu, por telefone, a reportagem de O Fuxico. A cantora e dançarina, então, contou a novidade: adotou mais uma menina,Valentina Yasmin, de apenas 20 dias
Agora ela tem seis filhos: quatro biológicos,Tammy, Décio, Sérgio, Gabriel; e Julia Vitória, também adotada.

Emocionada, Gretchen disse que estava na fila de adoção há muito tempo e já tinha perdido a esperança de conseguir adotar outra criança:
“Valentina Yasmin chegou em casa com cinco dias, tem tempo que a gente tinha se inscrito na fila de adoção e achamos que não aconteceria. Faz duas semanas que eu e o Demis só choramos, estou uma mãe boba”, disse ela, falando bem baixinho para não acordar a mais nova filha.

Toda derretida, Gretchen disse que a menina é “um anjo”, só dorme e mama. A mamãe disse que não conseguiu nenhum banco de leite e dá mamadeira com leite em pó, específico para bebês. “Eu coloco a Valentina todos os dias no peito. Ela pega e suga, quero estimular para ver se não crio leite”.

Não são apenas os pais que estão babando a cria. Gretchen contou que a Thammy Miranda, que se mudou recentemente para junto da mãe, está curtindo bastante a menininha, de aproximados 3,2 kg.

“Ela é totalmente saudável, perfeita e comilona e veio solidificar a família maravilhosa que eu tenho”, falou Gretchen, que é mãe pela sexta vez. Mas o enxoval foi feito às pressas, porque o casal não esperava a adoção. “A Valentina veio em um momento inesperado, compramos o berço em cima da hora e ela está no mesmo quarto da Júlia e, enquanto vou para São Paulo gravar o programa da Eliana, Demis faz questão de cuidae dela, dar mamadeira, trocar fralda e babar”, disse ela, que continua gravando o quadro do programa da Eliana, Os Opostos Se Atraem?, até 1º de junho e, depois disso, quer curtir a menina e garante que foi o melhor presente que recebeu de dia das mães, namorados e aniversário.

Autor: Eulândia
Fonte: O Fuxico


Por Cintia Liana

domingo, 27 de junho de 2010

Conhecendo a Mãe de Origem e a Culpa

Foto: Google Imagens

Escrevi para uma mãe em culpa, em 2008:

Conhecer a mãe biológica pode ser muito bom, mas também se deve estar preparado, pois pode-se sentir o peso de uma culpa que é difícil de entender, mas é natural. Do ponto de vista psiquico isso é COM-PLE-TA-MEN-TE normal, mas acho que se deve falar sobre isso e talvez levar para um setthing terapêutico, seja ele qual for.

Às vezes a gente acha que ser mãe é fácil e que tudo se elabora assim, num passe de mágica ou que fica tudo resolvidinho, que fica lá escondido no fundo da consciência. Não mesmo! Somos movidos fortemente por essas emoções escondidas, isso às vezes desorganiza nossa vida e não sabemos os porquês. Pena que só buscamos ajuda quando a dor não é mais suportável e não trabalhamos antes de chegar a essa extrema dor.

Algumas mães sentem como se estivesse roubado a possibilidade da mãe de origem criar os filhos e que se não existisse essa mãe de origem daria um jeito de ficar com eles, mas isso quase nunca é real.

Se isso te deixa mais aliviada, lhe digo que o "mito da maternidade" não existe, ou melhor, como o próprio nome já diz, é um mito. Nem todas as mulheres querem ser mães ou desejam a gravidez. Têm mães, sejam elas biológicas ou não, que não amam e têm até raiva da criança, pois não a "adotou" de verdade. Vai lá saber das dificuldades e traumas dela!

Se der para conhecer a mãe biológica, veja pelo lado positivo. Poderá um dia proporcionar as suas filhas esse história, contada por você. Poderá dizer como você foi desapegada e segura ao se abrir para conhecer a outra mãe. Isso é a prova de que você tem um pacto de fidelidade com essa criatura que as trouxe ao mundo, que você é grata a ela, pelo fato de amar demais suas meninas. E esse amor é tão grande e maravilhoso que a faz ter gratidão e não um sentimento de competição ou insegurança. Só os bons sentimentos geram bons sentimentos, não é?

Seja feliz e continue reconhecendo seus sentimentos e limitações. É isso que lhe torna especial e não só ver lado bom e forte.

Um abraço.

Por Cintia Liana

sábado, 26 de junho de 2010

Palmadas - Efeitos do Castigo Físico

Foto: Facebook

Nos meninos e nas meninas:
• Diminui a auto-estima, gerando a sensação de que eles valem menos;
• Ensina a serem vítimas. Algumas pessoas acreditam que o sofrimento torna as pessoas mais fortes, que as prepara para a vida. Nos dias de hoje, sabemos que não só não faz as pessoas mais fortes, como também as converte em pessoas com dificuldades de sentirem-se capazes de resolver seus próprios problemas;
• Interfere no processo de aprendizagem e no desenvolvimento de sua inteligência, de seus sentidos e de suas emoções;
• Gera sentimentos de solidão, tristeza e abandono;
• Faz com que eles observem a sociedade de uma forma negativa e as pessoas como seres ameaçadores, causando dificuldade de integração social;
• Cria um muro que impede a comunicação entre os pais e filhos e prejudica os vínculos emocionais que existem entre eles;
• Cultiva sentimentos de raiva e desejo de fugir de casa;
Ensina que a violência é um modo adequado para resolver os problemas;
Dificulta a cooperação com as figuras de autoridade;
• Deixa a criança mais exposta a vários acidentes;
• Em relação aos meninos, como são mais castigados fisicamente do que as meninas para se tornarem “homens” faz com que eles sejam mais agressivos e os deixa mais vulneráveis a utilizar drogas (incluindo o álcool) no futuro;
• Em relação às meninas, a tendência é internalizar sua dor que vai acabar se manifestando emocionalmente por meio de depressão, insegurança, culpa e submissão.

Nos pais e mães:
• Produz ansiedade e culpa, inclusive nos pais que consideram esse tipo de castigo correto;
• O uso do castigo físico aumenta a probabilidade dos pais mostrarem comportamentos violentos em outras situações com maior freqüência e intensidade;
Impede sua comunicação com os filhos e dificulta as relações familiares no presente e no futuro.

Na sociedade:
A relação entre ter sido vítima de violência física na infância ou ter testemunhado este tipo de violência em sua família, faz com que exista a tendência de que seja reproduzida na fase adulta;
Incentiva as novas gerações a usarem a violência como forma de resolver um conflito;
• Faz com que se acredite que existem dois grupos de cidadãos: as crianças e os adultos. Os adultos mandam e podem agredir; as crianças obedecem e apanham;
Promove modelos familiares onde existem os que agridem e os que são agredidos. Nesses casos, os envolvidos têm dificuldade de entender a importância de uma relação de igualdade entre as pessoas, um dos pontos fundamentais da sociedade democrática;
• Dificulta a proteção à infância. Ao tolerar essa prática, a sociedade não se legitima como um espaço protetor para meninos e meninas;
• Torna os cidadãos submissos porque, em seus primeiros anos de vida, aprenderam que ser vítima é uma condição natural dos indivíduos que fazem parte daquela sociedade.

Fontes:
Educa, no Pegues. Campaña para la sensibilizació n contra el castigo físico en la familia. Madrid: Save the Children, Comité Español de UNICEF, CEAPA y CONCAPA, 2002;
Pesquisa Homens, violência de gênero e saúde sexual e reprodutiva: um estudo sobre homens no Rio de Janeiro/Brasil. Instituto PROMUNDO e Instituto NOOS, 2003.

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Até certo ponto é bem difícil de entender essas causas, mas se analisarmos sutilmente, sem querer medir quem está com a razão, percebemos que a agressão física e o aprendizado pela dor causada pelos pais só gera intolerância e revolta.

É uma consciência que se adquire com uma reflexão sem querer brigar pelo certo ou errado, sem querer brigar com a nova lei, e sim chegando a conclusões sobre a dor física.

Profissionais da área da família, experientes e com filhos, dizem que até uma palmada é desnecessário e uma vez ouvi de um expert no assunto que a palmada só aparece quando já se esgotaram todos os outros recursos e que ele nunca chegou a dar uma palmada num dos 4 filhos dele. No início não concordei, mas dois anos depois de pensar nisso concordo.

Filhos que dizem não ter sofrido com pancada creio que nunca fizeram terapia, porque a raiva que se sente quando se apanha do pai ou da mãe fica marcada no corpo, em forma de memória corporal e isso dói, a mágoa da dor emocional acompanhada da física.

Tem filho que tem uma péssima relação com seus pais autoritários e que fizeram uso de palmadas e não sabe porque e depois vem dizer que aqueles tapas foram bons para sua educação?

Penso que podemos pensar bastante em outras possibilidade mais eficazes que não passam pela dor física e sim pela tomada de consciência. A experiência com a surra é muito humilhante, é para a relação com inimigos e traz outros prejuízos de ordem moral que comprometem a relaçao com o filho. O limite em que ele terá com os outros em relação a violência física no futuro estará comprometida por uma vivência e um aprendizado de modelo educacional distorcido, onde tem pancada.

Se condeno alguém que dá uma palmada? Claro que não, mas acho que são coisas para serem pensadas. Penso que quanto maior é a ignorancia espiritual e emocional, mas os pais vão bater, o limite vai ser menor sobre a violência em casa. Por esse caminho de pensamento prefiro não bater. Sou 0% palmada.

Quando for mãe refletirei novamente, mas aí estarei em outro estágio de consciência, com mais recursos ainda para lidar com as birras e pirraças. Um comportamento ou olhar de uma mãe chateada pode ser mais eficaz, depende da proposta dela.

A questão dos padrões de violência familiares é muito séria, é um ciclo que pode começar e não acabar mais, que passa de geração em geração.


Por Cintia Liana

sexta-feira, 25 de junho de 2010

A Criança Odiada

Foto: Facebook

Por David Boadella

A CRIANÇA ODIADA
A EXPERIÊNCIA ESQUIZÓIDE

Jeanine: Você não quer falar sobre isso?
Conrad: Eu não sei. Eu nunca falei sobre isso realmente. Falei com os médicos, mas com nenhuma outra pessoa, você é a primeira pessoa que pergunta.
Jeanine: Por que você fez isso?
Conrad: Eu não sei. Era como cair dentro de um buraco. Era como cair num buraco e ele vai ficando cada vez maior, e você não pode sair, e então, de repente, ele está dentro e você é o buraco e você está preso, e tudo está acabado. É algo assim. E não é realmente assustador, exceto quando você olha para trás porque você sabe o que estava sentindo, estranho e agora...

Pessoas comuns.

ETIOLOGIA
Á medida em que o bebê humano emerge de seu estado de autismo primário, em torno das três a cinco semanas de idade, a “barreira sensorial” vagarosamente se dissolve e a criança desenvolve uma percepção crescente da pessoa que cuida dela. A pessoa encontrada nesse contato inicial com o mundo pode ou não ser receptiva, disponível ao contato e responsiva a este ser totalmente dependente. Na realidade, os pais podem ser frios, ríspidos, podem rejeitar a criança ou estar cheios de ódio, ressentindo- se da própria existência da criança. A reação dos pais pode, obviamente, não ser tão extrema nem tão consciente. Mas sabemos que muitas crianças humanas não foram desejadas, e aquelas que foram desejadas num nível conscientes nem sempre são desejadas num nível menos consciente. Além do mais, muitos pais que pensam que querem crianças começam a pensar de forma diferente diante do impacto de um ser humano totalmente dependente, quando as circunstâncias mudam, e os recursos de que dispõem para lidar com a realidade de um bebê são muito menores do que o esperado.

Talvez ainda mais comum seja a situação na qual os progenitores pensam que querem a criança, mas o que eles realmente querem é um reflexo ideal de seu próprio eu idealizado. Eles querem um “bebê perfeito” em vez de um ser humano vivo, com elementos de natureza animal. Qualquer criança irá, mais cedo ou mais tarde e repetidamente, desapontar esse ideal; e a rejeição e raiva paternas que isto provoca poderão ser chocantes. Em todos os casos, o que provoca a rejeição e o ódio paternos é a vida, real e espontânea da criança.

Quando se une a realidade comum da criança odiada com a compreensão de que a “cria” recém-nascida do ser humano não tem uma idéia clara da diferença entre ele mesmo e a pessoa que cuida dele, pode-se especular sobre a natureza do resultado infeliz. Pode-se imaginar que, quando a pessoa que cuida da criança é suficientemente ríspida, a criança possa simplesmente escolher voltar para o lugar de onde veio ao mundo separado do autismo. O tratamento frio ou raivoso por parte de quem cuida da criança pode ser total ou parcial, contínuo ou periódico. A retirada defensiva da criança será mais profunda como resultada de abuso contínuo, por exemplo, do que como resposta a estouros ocasionais ou frieza periódica por parte de quem cuida dela.

Winnicott (1953) refere-se ao conceito de “criação suficientemente boa” para descrever a habilidade de cuidar da criança com empatia, o que levará o recém-nascido ao estado de simbiose e o manterá lá até que se inicie o processo de diferenciação, que leva à individuação. Quando a criação não é “suficientemente boa” – e principalmente quando é abusiva e punitiva – o resultado é o distanciamento, desligamento e literal afastamento do contato social. Como os processos cognitivos do recém-nascido são de natureza muito primitiva e a estas alturas do desenvolvimento, é difícil entender exatamente como esta cadeia de acontecimentos é interpretada em qualquer nível mental. No entanto, podemos supor que num nível de percepção muito primitivo, e depois em níveis cada vez mais complexos de compreensão, a criança experimente um medo intenso, que alguns rotularam de medo de aniquilação (Black & Black, 1974; Lowen, 1967).

A resposta inicial natural de uma criança a um ambiente frio, hostil e ameaçador é o terror e a raiva. No entanto, o terror crônico é uma posição insustentável para se levar à vida, assim como a raiva crônica. Além do mais, tal raiva convida à retaliação, que é experienciada como aterrorizante e ameaçadora da vida. Então, a criança volta-se contra ela mesma, suprime os sentimentos e respostas naturais, e usa as defesas de ego mais primitivas, disponíveis no período simbiótico, para lidar com um mundo hostil. Além da retirada ao autismo, ou como parte dela, o organismo essencialmente pára de viver, a fim de preservar sua vida. A habilidade para fazer isto é limitada pelo desenvolvimento do ego da criança nesse período. Entretanto, durante os meses de simbiose, ela pode regredir para o período de desenvolvimento anterior e com isso negar a realidade de sua existência. O ódio do progenitor será introjetado e começará a suprimir a força de vida do progenitor, de tal forma que movimento e respiração são inibidos e desenvolve-se um enrijecimento da musculatura para restringir a energia vital.

A experiência terapêutica com clientes que compartilham este tipo de história sugere que, mais cedo ou mais tarde, eles tomam duas decisões centrais de sentimentos: 1) “Há algo de errado comigo”, e 2) “Eu não tenho direito de existir”. Estas representações cognitivas podem, obviamente, ser conscientes ou negadas, mas a um nível central de existência o indivíduo tomou a resposta do ambiente a um nível pessoal e incorporou-a ao seu auto-conceito. Salientando esse efeito está o fato de que, neste ponto simbiótico do desenvolvimento, não há diferenciação real entre a criança e a pessoa que cuida dela. Este fator é a definição central característica da simbiose no bebê humano, e é a assimilação pré-verbal desta execrável “decisão de script” que a torna tão insidiosa e difícil de mudar.

Uma forma de se ter uma idéia do dilema inicial da pessoa esquizóide é lembrar-se de algum momento, num supermercado ou outro lugar público, onde você tenha sido testemunha da explosão de um pai ou uma mãe com seu filho pequeno. Este exemplo de abuso público, freqüentemente alarmante, demonstra a perda de controle de um progenitor, o que não é incomum, e não se pode evitar refletir sobre os limites deste tipo de explosão. Provavelmente, a própria criança também não tem certeza sobre esses limites, e ocasionalmente o progenitor pode ter ido muito além do simples gritar ou das punições corporais menores. Nessas circunstâncias públicas, você pode ter visto a própria criança assumindo o papel materno e fazendo todo o necessário para que o progenitor se recompusesse e saísse da situação. Em progenitores com estabilidade emocional marginal, estas explosões abusivas freqüentemente têm muito pouco a ver com o que a criança tenha feito ou deixado de fazer. Como resultado, a criança freqüentemente desenvolverá uma vigilância muito profunda, assim como a habilidade de agir como pai de seus pais quando a perda de controle for iminente ou consumada.

Como será explicado em maiores detalhes na exploração dos comportamentos, atitudes e sentimentos desta estrutura de caráter, a criança odiada começa a encontrar um porto seguro na retirada para os esforços cognitivos e espirituais. “Se minha mãe não me ama, então Deus me amará”, e se o mundo ao redor parece ser hostil, é realmente uma unidade beneficente na qual a vida atual é um mero flash do plano eterno e “a vida neste plano físico é realmente irrelevante”. Desta forma, a vida é espiritualizada em vez de vivida. A criança odiada pode ser aquela que ama a humanidade, mas que se esquiva quase automaticamente da intimidade exigida num relacionamento amoroso continuado.

À medida que a pessoa amadurece, a sofisticação e complexidade das defesas aumentam, e, no entanto, num nível emocional profundo, a estrutura de defesa é muito primitiva e reflete essencialmente uma negação do que realmente aconteceu em relação à figura materna. Esta negação congela a situação presente na simbiose – um desejo não preenchido de união íntima por um lado, e por outro uma recusa automática da fusão. A condição simbiótica congelada produz uma continuada propensão a introjetar inteiramente as idéias, características e sentimentos de outros, assim como uma tendência a projetar nos outros bons e maus sentimentos e motivações. Nesta estrutura de caráter, nunca houve, essencialmente, uma ligação simbiótica completa que levasse mais tarde à individuação com funcionamento autônomo. A experiência da criança odiada é: “Minha vida ameaça a minha vida”. A aparente independência e desapego desta pessoa basicamente assustada e zangada são puramente defensivos; há uma interrupção do desenvolvimento no processo de humanização e uma interrupção da vida antes que ela tivesse realmente começado.

Por David Boadella


Postado Por Cintia Liana

terça-feira, 22 de junho de 2010

Os Desafios da Adoção no Brasil - Construindo uma Nova Cultura

Foto: Facebook

Título: Os Desafios da Adoção no Brasil - Construindo uma Nova Cultura
Autor: Fernando Freire
Fonte: in Reencontro com a Esperança – Decebal Andrei – Londrina/PR - 1999

O debate atual sobre a adoção no Brasil assinala um extenso arco de possibilidades, de questões, de olhares, de discursos, de informações, de análises que vão constituindo e tomando sensível uma proposta cultural especificamente brasileira. Pensemos essa experiência.

No fundo, uma razão fundamental motiva a realização de trabalhos como este: a necessidade de transformação. Queremos a mudança - individual e cultural - queremos transformar os métodos existentes para lidar com a infância no Brasil. Buscamos os caminhos, construímos esses caminhos.

Pretendo aqui lançar algumas questões, reunir alguns aspectos e problemas da nossa experiência. Levo em consideração o fato de que o nosso país vem sendo inventado por iniciativas diversas há muito tempo, e que, em tudo o que fazemos, há sempre o sentido de desbravamento e identificação.

Nosso projeto civilizatório, nossas necessidades socio-políticas, nossas iniciativas individuais, mobilizam energias e esperanças, mobilizam um generoso processo que busca o conhecimento, que reconhece as dificuldades do desafio que enfrenta.

Contribuir e interferir nesse processo esse é o nosso objetivo. Qual é o significado e o destino de nosso trabalho em favor da infância, em favor do direito à convivência familiar e comunitária?

Uma questão me parece fundamental: não podemos aceitar nossa realidade atual como uma fatalidade histórica. Consideremos a diversidade cultural de nosso país, e as potencialidades humanas e sociais ainda inexploradas.

As diversas experiências por que passam todos os que vivem a adoção no Brasil propõem diversos tratamentos, diferentes enfoques, que se interceptam, produzindo às vezes conexões inesperadas, na tentativa de tomar visível e real o nosso desejo de transformação.

* * *

500 anos depois, é urgente descobrir o Brasil, o Brasil profundo. Essa é uma tarefa imensa, ainda e sempre inacabada, apesar de todos os esforços das gerações de brasileiros que se sucederam ao longo do tempo.

Sabemos que as experiências vão deixando pegadas com as quais construímos a trilha de nosso trabalho. Na adoção trata-se de traçar um itinerário visível dentro de um território ambíguo, de horizontes pouco definidos, de muitos segredos e mentiras, ficções, de incompreensões, mas também, um espaço no qual são vivenciadas profundas manifestações de humanidade.

Nesse terreno, a cada delimitação que alcançamos fazer (mapeamento), pode corresponder a uma exclusão. Conhecer e trabalhar pela adoção não nos levaria a fortalecer a exclusão, simbólica e real, daquelas famílias que entregam seus filhos? Esse conflito lembra os diversos condicionantes relacionados ao exercício pleno da cidadania no país.

Mapear, aqui, tem o sentido de "buscar entender ". Demarcar o local de nossa ação é o primeiro passo para a afinação civilizatória que pretendemos alcançar no sentido de promover uma cultura da adoção PARA a criança. Dessa afirmação emergirá aquilo que nos é possível fazer na luta contra o abandono e também aquilo que não podemos fazer para que a adoção não seja manchada pela procura de uma criança a qualquer preço.

É preciso reafirmar a necessidade da utopia, (da possibilidade de realização das adoções nacionais para todas as crianças brasileiras) como ultima fronteira do um posicionamento ético diante do pragmatismo cínico daqueles que querem ver a adoção como um direito (ao qual corresponderia o dever do abandono) e da adoção internacional como uma resposta permanente, como um projeto de sociedade.

Precisamos ver na adoção aquilo que ela de fato representa, um espelho da sociedade brasileira, uma expressão de nossas esperanças, ponte possível entre desejo e frustração, entre sonho e realidade. Abandono e adoção, um diálogo feito de contrastes: a dor e a alegria, o individual e o coletivo, o público e o privado, a vida e a morte.

Experiência e Destino
Nossa ambição não é pequena: que todas as crianças possam crescer, felizes e protegidas, amadas e respeitadas em suas famílias. Queremos discutir, mais do que propor, alguns caminhos para que isso se torne possível em nosso país. Acreditar que podemos tomar real esse sonho faz parte de uma intuição profunda, uma intuição nem sempre explícita.

Precisamos sempre lembrar de tudo aquilo que ainda nos separa, na visão que temos do papel da adoção no Brasil, e também, lembrar daquilo que nos une. Nos une a consciência que temos da importância de uma família para uma criança. Pode nos separar as diferentes análises e avaliações quanto à possibilidade de manutenção ou não dos vínculos entre a criança e sua família de origem, da necessidade ou não de sua colocação em família substituta, das chances de êxito na procura de candidatos capazes para as adoções tardias, inter-raciais, de grupos de irmãos, de crianças com necessidades especiais.

Na adoção, como em outras áreas, precisamos pensar globalmente e agir localmente. Podemos reunir as experiências de outras países, e adequá-las (adaptando-as à nossa realidade social, mas precisamos, fundamentalmente, criar soluções locais, nascidas da nossa experiência, das nossas necessidades, dos nossos problemas e da nossa capacidade de resolvê-los.

Precisamos continuar impulsionando a atividade acadêmica, que continuamente refina novos enfoques de abordagem do tema da adoção.

Analisemos alguns tópicos relacionados ao trabalho com adoção:
1. Qual o objetivo maior que queremos alcançar;
2. Qual a questão central a enfrentar;
3. Que enfoque cultural devemos privilegiar;
4. Qual o método;
5. Qual o âmbito preferencial para sua implementação;
6. Quais as táticas possíveis para a realização desses objetivos.
1. Objetivo: construir uma nova cultura

O que entendemos por "uma nova cultura"? O que queremos ver implementado? Que cultura queremos? Cultura, para quê?

A cultura que buscamos é aquela que contribua para a formação e o desenvolvimento das adoções voltadas essencialmente PARA o interesse da criança, para a realização das adoções de crianças que perderam definitivamente a proteção de sua família de origem.

Cultura é aquilo que nos permite conviver em sociedade. Hoje, a cultura é aquilo que une os diversos setores da sociedade, na busca de um entendimento mínimo, básico.

A cultura da adoção que desejamos construir a partir dos esforços de todos os que vivenciam suas diversas expressões, é a cultura que faz a ponte entre três universos: o da cultura hoje dominante - a da satisfação do desejo dos candidatos, a da imitação da biologia, a da naturalização do abandono -, o da sociedade, que se esforça para encontrar novos métodos para lidar com as famílias em situação de risco, desenvolvendo mecanismos de solidariedade, e o da personalidade, onde encontramos os espaços dos desejos e das necessidades individuais. Criar possibilidades de diálogo entre esses três universos é o que nos permitirá construir uma nova cultura que tenha chances de ser aceita e assimilada pelo conjunto da sociedade.

Na adoção, precisamos construir a cultura da solidariedade, da coragem, e da competência técnica, - das adoções tardias, inter-raciais, de grupos de irmãos, de crianças com necessidades especiais -, para tornar possível, no futuro, o que parece difícil, ou impossível, hoje.

2. Uma questão central: a formação de nossa identidade cultural.
A ponte entre sociedade-personalidade e cultura dominante, para ser construída, deve envolver aquilo que é cultura em sentido estrito (livros, revistas, radio, televisão) e aquilo que a leva para horizontes mais amplos - a ação cultural transformadora.

Adaptada às necessidades e possibilidades de cada cidade, uma ação em defesa do direito à convivência familiar e comunitária - reintegração à família de origem ou colocação em família substituta - sustentará os esforços no sentido de :
definir noções de identidade (e responsabilidade) social, reforçando a percepção de toda a sociedade para a urgência dessa luta, reconhecendo a diversidade sócio-cultural, promovendo os valores da cidadania. (direito a ter direitos);

contribuir para o aumento da qualidade de vida, renunciando ao egoísmo e à indiferença que corroem o tecido moral de uma sociedade, tornando as cidades mais solidárias, mais participativas, formando cidadãos, aumentando as chances de integração social para uma parte importante da população infantil;

colaborar para a formação de uma cidadania atenta para as situações em que determinadas crianças perdem a proteçãofundamental de seu meio de origem, ou passam a ser por ele ameaçados em sua integridade física e moral, promovendo o diálogo e a compreensão, desenvolvendo competências nas escolas e no trabalho, estimulando a liberdade de pensamento e o intercâmbio aberto de idéias e valores.

3. Qual cultura privilegiar?
A cultura do direito à convivência familiar e comunitária, da colaboração entre os agentes do Estado e a sociedade civil organizada (associações e grupos). Essa colaboração é de fundamental importância, principalmente porque um dos papéis do Estado, ainda é o de não permitir que tudo se reduza a interesses privados. Na adoção, a simples satisfação das necessidades dos candidatos.

A cultura da adoção PARA a criança será construída pelo diálogo permanente - pela criação de espaços próprios para que ele ocorra - entre todos os que vivem essa realidade.

4. O método
Produzir cultura: livros, revistas, organização de eventos, seminários, cursos, congressos. Incentivar a realização de estudos e pesquisas sobre os diversos aspectos do processo adotivo. Socializar a informação. Criar um sistema de comunicação permanente, um sistema de produção cultural, fazendo surgir, e mantendo, um movimento de criação teórica relacionada aos múltiplos aspectos da adoção com suas correspondentes medidas de ordem prática. Ocupar os espaços públicos, fazer uma política social de atenção à criança sem família.

5. O âmbito preferencial (para a ação)
A cultura da adoção PARA a criança deve ser realizada em todas as cidades em que existirem crianças sem família, crianças definitivamente desvinculadas do seu meio de origem (esquecidas em instituições). Sua implementação é dificultada por uma serie de fatores diversos: o amadorismo, o voluntarismo, a inconsistência teórico-prática, o assistencialismo, a falta de consciência, o messianismo, o oportunismo, o cinismo pragmático, o muro do silêncio e das mentiras. Precisamos lembrar que, num país com tamanhas desigualdades sociais, os cenários e os roteiros, são amplos demais, demasiadamente complexos. Desistir, ou avançar com muita lentidão, limitando a ação àquilo que é mais fácil, são os riscos de todas as iniciativas nessa área do trabalho social.

As cidades, com suas características próprias, são os espaços preferenciais para a ação. Em cada uma delas, da megalópole ao mais longínquo vilarejo, devemos fazer surgir o movimento de defesa do direito à família de todas as crianças.

A experiência de uma cidade, passando para outra, e dessa para uma terceira, e assim progressivamente, nas diferentes regiões brasileiras, criando uma REDE relacional, construindo um "nós", "nós" que trabalhamos por esse direito fundamental, um "nós" em cujo interior possam crescer os diferentes "eus" individuais, com suas necessidades e desejos.

Fortalecer os espaços públicos propiciadores de encontros, onde as pessoas estabelecem uma troca de experiências vividas em comum. São nesses espaços construídos para o encontros que as pessoas trabalharão pelo desenvolvimento de uma nova cultura da adoção. Esses espaços devem ser criados, apoiados e fortalecidos. Promover os contatos humanos diretos e prolongados, para a construção de um projeto comum.

A ação deve ser um convite ao diálogo a respeito do inaceitável sofrimento em que vivem as crianças sem família, deve chamar a atenção do resto da sociedade para esse fato, deve provocar uma reação, deve desarmar as atitudes discriminatórias e preconceituosas, deve facilitar a aproximação. A ação de todos que vivem os desafios da adoção, tem como um de seus principais objetivos.... humanizar.

6. As táticas possíveis
Insistir na importância de levar a "cultura da adoção", de forma sistemática e permanente aos mais diversos setores da sociedade através de todos os meios disponíveis. Essas táticas devem ser vistas como andaimes, e elas são, constituídas por todos os avanços já conquistados nos últimos tempos: maior número de publicações, multiplicação de eventos, presença nos meios de comunicação, participação da sociedade civil organizada.

É preciso:
1. Convencer governantes, empresários e a sociedade em geral, de que a cultura da adoção PARA a criança permitirá uma renovação dos valores éticos de regem a vida em sociedade, com beneficies para todos. Lembrar que o desenvolvimento cultural tem exigências próprias que precisam ser atendidas, e que não podem ficar sujeitas a inércia administrativa e burocrática. Prestigiar o trabalho daqueles que promovem a integração familiar de crianças institucionalizadas, tomar esse trabalho um valor social. Trabalhar na formação de um banco de dados.

Um resultado a esperar desse processo de conscientização será o aumento dos financiamentos, públicos e privados, para os trabalhos nessa área.

2. Incentivar o aparecimento e desenvolvimento de esferas de análise e decisão que congreguem, ao redor da luta contra o abandono e a exclusão de crianças, os setores governamentais e não governamentais. Reuniões de análise e discussões a respeito da realidade atual, em todo o país, da criança institucionalizada, de suas famílias, das possibilidades de reintegração, dos limites ainda existentes relacionados à adoção nacional.

3. Criar um sistema de informação cultural de âmbito nacional, utilizando os avanços recentes da comunicação eletrônica. Essa possibilidade continua reduzida em seu alcance porque ainda é grande a ignorância quanto aos seus beneficios. Ainda uma grande parte da população brasileira não sabe o que é feito nessa área, nem o que é possível fazer, nem o que já está disponível. Uma forma privilegiada para promover esse sistema é, sem dúvida, uma maior e melhor utilização dos meios eletrônicos de comunicação. A presença de informação relacionada à adoção em páginas eletrônicas, tem aumentado o contato e as ocasiões de cooperação entre pessoas das mais diferentes regiões brasileiras.

4. Ampliar a presença da "cultura da adoção " no sistema educativo.
O trabalho pelas adoções necessárias adquire o seu pleno significado apenas quando é apresentado às pessoas e aos grupos de uma determinada comunidade. Essa proposta precisa ser mais marcante para que a pessoa ou o grupo possam se apoderar da idéia, possam compreender o seu sentido maior, e aumentar as referências (idéias, conceitos e experiências) relacionadas ao trabalho que realizarão. É preciso que as pessoas saibam para que serve uma cultura da adoção PARA a criançaOs sistemas de ensino no Brasil ainda estão, em grande parte, alienados, afastados da realidade social em que vivem amplas parcelas da sociedade brasileira, com destaque para a população infantil marginalizada. É preciso superar essa alienação, e promover o contato entre esse sistema educativo, formador de opiniões e valores, e a realidade social. Esse contato preparará as pessoas para uma espécie de auto-aprendizado dos valores da cidadania e da solidariedade, tomando-as aptas a selecionar a informação que recebem e analisá-las criticamente. Nunca será demais ressaltar a importância da inclusão da educação em todo o trabalho de defesa dos direitos da criança.

Precisamos traçar um mapa confiável dos desafios, dos avanços e dos obstáculos da adoção no Brasil.

O trabalho em prol de uma cultura, qualquer que ela seja, não tem como prever e garantir resultados. Precisaremos sempre considerar o pluralismo da sociedade brasileira, suas profundas diferenças, suas imensas contradições. Podemos, e devemos, buscar um intercâmbio cultural mais intenso e mais estimulante, precisamos irrigar o terreno ainda árido das consciências adormecidas ou insensíveis. Renovar, arejar, são propostas necessárias.

Todas as iniciativas que favoreçam a integração da população brasileira excluída são necessárias, as que defendem o direito à convivência familiar e comunitária de todas as crianças e adolescentes abandonados o são por ainda mais fortes razões, aqui, essa integração pode significar pelo menos um pouco da luz que nos permitirá continuar sendo....... humanidade.

Autor: Fernando Freire



Por Cintia Liana

segunda-feira, 21 de junho de 2010

"Psicologia e Adoção" atinge a marca 10.000 acessos

Foto: Facebook

Olá pessoal,
venho agradecer a todos os visitantes, caros leitores, que compartilham comigo as emoções do tema adoção, a marca de 10.000 acessos no blog em 7 meses de existência.
Hoje o "Psicologia e Adoção" tem mais de 3.000 acessos ao mês.
Muito obrigada!

Por Cintia Liana

domingo, 20 de junho de 2010

O que muda para a criança que sai do País

Foto: Google Imagens

Já participei de mais de 50 adoções internacionais, a grande maioria com casais italianos. Neste momento, é que vemos a maior prova de que o amor transforma tudo e a segurança que os adotantes passam para a criança muda toda a sua postura perante o mundo. Já vi casos onde as crianças já falavam um pouco da língua e entendia quase tudo o que o casal falava em menos de 15 dias de convivência.

Nessas horas o que fala mais alto é a linguagem do desejo de formar uma família e isso, inicialmente, já basta, já é tudo o que todos os envolvidos precisam. Depois se aprende a língua e eles são preparados aos poucos para todas as mudanças de ambiente, clima, longa viagem de avião, nova família extensa no novo continente. As diferenças culturais também existem, mas as crianças se adaptam e se sentem felizes com o acolhimento e com a família tão sonhada. Me correspondo com as famílias depois e dizem que nem o frio europeu foi problema algum para ninguém frente ao tamanho do desejo desta união e da experiência do amor em família.

Por Cintia Liana

sábado, 19 de junho de 2010

Adoção internacional x Adoção no Brasil, a questão do perfil da criança pretendida

Foto: Flavio Chiarini

É bastante rígido o processo de habilitação internacional, muitos passam 1, 2, 3, 4 ou 5 anos se preparando para adotar juntamente com a habilitação, que é um calhamaço de papéis, uma espécie de dossiê. Eles se associam a uma entidade de adoção internacional a depender do perfil e País que querem adotar a criança e só no final do processo a criança é indicada pela CEJA, juntamente com o Juizado (no caso do Brasil).

(Ver neste blog post sobre adoção internacional que traz informações completas. Vá na caixinha de “pesquisar neste blog”, acima na coluna direita.)

As crianças que são inseridas no cadastro de adoção internacional são crianças que já não têm mais chances de inserção em família substituta brasileira, pois estão muito fora do perfil de preferência do brasileiro que ainda insiste em criança recém nascida, branca e menina, apesar de que está muito diferente de 5 anos atrás em que a grande maioria preferia, hoje vemos muitas pessoas querendo adotar também crianças negras e maiores de 3 anos. Tem muitas crianças maiores de 6 anos, por exemplo, nos abrigos ansiosíssimas para serem adotadas e são lindas, nos ensinam muito com seu otimismo. Se elas fossem vistas e desejadas as filas diminuiriam e os abrigos se esvaziariam, seria excelente. Acontece muito de um adotante conhecer uma criança maior se apaixonar.

Em minhas reuniões no Juizado falava muito sobre adoção "tardia", sobre a necessidade de expansão do perfil, da transformação do desejo do filho ideal para o filho possível, pois não importa a idade para se tornar filho, o que conta é o desejo. Assim, via pessoas saindo da sala de reuniões dizendo que iriam direto ao serviço social mudar o perfil, pois adquiriu uma consciência de parentalidade e vínculo que não tinham antes, que não mais esperaria por uma criança que seria abandonada para estar em seus braços, mas que queria uma criança que já estivesse esperando por ela em algum abrigo. Isso é um presente para mim enquanto profissional, é o melhor retorno, é maravilhoso!

Por Cintia Liana

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Quando a habilitação à adoção é negada

Foto: Facebook

Após dois anos o requerente pode se inscrever novamente para a habilitação a adoção, pois estará em outro momento de vida e muitas coisas podem ter mudado em sua forma de ver o mundo, suas crenças e em seu desejo de ter um filho.

A inserção de uma pessoa ao cadastro nacional dos adotantes pode ser negada por diversos motivos, como detecção de uma grave doença mental que comprometa futuramente a relação com o adotado, desejo de adotar para suprir outras necessidades que não seja a realização da família com o respaldo amor, detecção de desequilíbrio ou uma visão distorcida ou muito equivocada de educação familiar, uma condição financeira que não dê para alimentar a criança, um lar indigno de alguém que não tenha noção alguma higiene. É incoerente e injusto tirar uma criança de um meio nocivo e inserí-la em outro pior ainda.

Durante a avaliação psicológica o psicólogo pode propor o trabalho de diversas questões com os requerentes, alguns amadurecem muito, mas existem outros que continuam apegados às suas crenças que comprometeriam seguramente e seriamente e a relação com o futuro filho.

Por Cintia Liana

terça-feira, 15 de junho de 2010

Quando se desiste da adoção

Foto: Facebook

Quando se desiste da adoção, normalmente acontece no período de convivência, momento ainda de avaliações, antes de sair a sentença do Juiz, pois a adoção é uma medida irrevogável.

As pessoas devem estar muito bem preparadas e devidamente avaliadas para que se diminua estas chances de retorno que são frustrantes e marcantes tanto para a criança quanto para os adultos.

A criança que sofre abandonos sucessivos adquire uma insegurança naquele período que faz muito mal e pode ser uma sensação que a acompanhe por toda a vida, um medo de ser abandonado, por exemplo, e influencie em suas relações sociais e amorosas se não trabalhada.

De todo modo, ninguém está menos apto a estabelecer nova relação somente pelo fato de ter passado qualquer situação difícil, ninguém está fadado a solidão por ter marcas e isso todos os seres humanos têm. Temos que saber a falar a verdade e desmascarar os sentimentos, assim existe uma facilidade maior para se chegar a cura de antigas feridas. Falar, validar as dores, é sempre muito terapêutico.

Por Cintia Liana

domingo, 13 de junho de 2010

Quando a criança decide se quer ser adotada

Foto: Facebook

Por Cintia Liana Reis de Silva

É raro uma criança rejeitar adotantes que já foram "aprovados" no processo de habilitação e têm a certeza do desejo de ter um filho, mas pode existir uma falta de empatia por algum motivo que esteja fora do controle de todos, a questão é que isso é muito difícil de acontecer, pois antes da criança passar para o estágio de convivência devem acontecer visitas para a aproximação. Quanto maior é a idade maior a necessidade dessas visitas iniciais de aproximação.

A partir dos 12 anos o menor deve ser ouvido em audiência, quando terá que se colocar frente ao pleito e também decidir verbalmente sobre ele, o que deve constar em ata de audiência.

Acredito que um Juiz não daria a adoção de uma criança, mesmo menor de 12 anos, que estivesse visivelmente inconformada com o pleito, tudo deve ser investigado e o direito a felicidade dela deve ser preservado. Além disso, a equipe técnica se coloca perante o pleito opinando favoravelmente ou contra e a criança também é avaliada em relação ao seu sentimento, desejo e sobre o tipo de relação construída com os requerentes, que deve ser de filho.

A lei é clara, na adoção se encontra uma família para preservar os direitos de uma criança e não uma criança para satisfazer uma família. A prioridade é sempre a criança.

Por Cintia Liana

sábado, 12 de junho de 2010

Crianças que sofrem abandonos e sobre a menina torturada

Foto: Facebook

Esta criança que foi torturada precisa de um lar seguro, com o acompanhamento psicológico adequado. Uma depressão no momento atual é algo esperado pelo forte trauma, o medo também de novas relações ou até o receio de chamar outra pessoa de mãe durante algum tempo por associar isso aos maus tratos e aos dois abandonos que sofreu, primeiro da mãe biológica e este segundo, mas são suposições. Prognósticos para um futuro distante, neste momento, poderiam ser frágeis e causar uma espera, uma expectativa por algo não positivo em torno desta menina.

De qualquer modo, não diria que ela não estará preparada para uma nova adoção por um longo tempo, esta criança necessitará de uma família, de amor de mãe e pai que a "adotem" plenamente e que aconteça aos poucos, com muito cuidado. A dor que ela passou não faz dela indigna de uma nova família e nem está despreparada para isso por causa dos terríveis maus tratos que sofreu, ela precisa agora de tempo e cuidados especialíssimos.

Lembremos que existe um possível pensamento por parte de algumas pessoas que as crianças que sofreram traumas têm que ser "consertadas" para nova inserção, para "garantir" aos novos adotantes que não terão filhos com "defeito". Esse pensamento é muito egoísta. A criança deve ser preparada para nova adoção, mas não vista como alguém com "defeito", porque tem um "trauma".

Devemos dizer "agora" para as crianças, não com irresponsabilidade, mas darmos total prioridade à elas. Devemos pensar agora nesta criança e na possibilidade de adotantes que queiram se doar com toda a paciência e maturidade para acolhê-la, só assim superará o que passou, com um lar seguro, voltado para as necessidades dela e totalmente amoroso.

Marcas todas as pessoas têm, umas mais brandas outras mais graves ou até absurdas, todas as crianças são adotáveis e merecem uma família, merece investimento afetivo e que acreditemos nelas, o que nos diferencia é a capacidade de manejarmos nossas dificuldades advindas dessas dores. As crianças devem ter o direito a isso, a falar sobre suas dores e devemos colher isso com muito respeito e isso já é bastante “curativo”.

Uma criança abrigada e "traumatizada" pode lidar com suas dores e frustrações de modo mais maduro que um filho biológico que não aceita limites quando sua mãe lhe nega um brinquedo no shopping, por exemplo.

Os filhos biológicos não nos dão garantia alguma que serão saudáveis quando adultos, que são mais confiáveis porque têm o mesmo sangue dos pais. Suzane Richthofen era filha biológica. Que culto é esse a herança biológica, se isso não é garantia de nada? E porque teremos que ter a garantia de que o filho adotivo será perfeito ou deve ser manipulável?

O pensamento de que crianças que passaram por "traumas" serão adultos problemáticos ou marginais vem do preconceito e do medo. Se elas tiverem verdadeiramente um bom auxílio, num meio saudável e muito amor incondicional crescerão em harmonia, tentando superar suas dificuldades e vivendo as alegrias que virão, mas tem que ter muito amor, muito desejo de adotar e ser muito firme para entender isso.


Por Cintia Liana

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Existe idade para ser adotado?

Foto: Facebook

Não existe idade certa, toda criança e adotável, deseja a adoção e merece uma família.

É claro que, como diz Winnicott e Bowlby, quanto mais cedo mais será bom para elas, crescerem com amparo e amor em sua família. Uma criança grande não é menos digna de amor e nem está menos disposta a se tornar filha, elas verbalizam e desejam, "quero ter uma família".

Já acompanhei a adoção de um adolescente de 17 anos que já estava sendo apadrinhado pela família há 5 anos e era parte integrante desta. Todos entenderam que ele deveria ser legitimado como filho, pois já era sentido como tal por todos, era o melhor amigo do filho biológico do casal, consequentemente além de irmãos "do coração" se tornaram irmãos perante a lei.

Por Cintia Liana

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Avaliação de crianças para adoção

Foto: Cintia Liana e a querida Margô, que foi coordenadora do abrigo Dr. José Peroba em Salvador-BA

Avaliar as crianças para adoção não é tão comum como com os adultos. Com as crianças é diferente. Algumas já são acompanhadas pelos psicólogos das instituições, mas algumas delas podem ser acompanhadas também pelo perito da Vara da Infância ou avaliado sobre a possibilidade de reinserção em família adotiva e quem decide isso é o Juiz.

No geral, as crianças estão ansiosas pela adoção e bem preparadas, o desejo faz acontecer. Encontrando adotantes maduros e capazes de lhe passar segurança a adoção bem sucedida acontece facilmente, o desejo e a tolerância para enfrentar momentos delicados são necessários em qualquer relação familiar que venha a nascer, seja ela adotiva ou biológica.

Normalmente se conversa com a criança falando sobre o que está acontecendo. Muitas delas sabem exatamente o que é a adoção e estão esperando por isso ansiosas todos os dias no abrigo. Já ouvi uma criança em processo de adoção internacional de 9 anos dizer que só faltava a "sentença" do Juiz para ela se tornar filha legítima.

Por Cintia Liana

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Frase de Lídia Weber

Foto: Facebook

"Adotar é acreditar que a história é mais forte que a hereditariedade, que o amor é mais forte que o destino".
Lidia Weber
Psicóloga

Por Cintia Liana

domingo, 6 de junho de 2010

Avaliação Psicológica para Adoção

Foto: Cintia Liana com Isabela, sua estagiária de Psicologia, e Priscila, secretária, em 2007.

Os interessados em adotar passam por avaliação psicológica com perito da vara da infância, que emite um parecer favorável ou desfavorável sobre a habilitação daquela pessoa ou casal e, para isso, se respalda em teorias científicas psicológicas. Esse parecer respaldará a sentença do Juiz, mas não é determinante.

Normalmente a avaliação é feita em forma de entrevista psicológica, onde o profissional saberá o número necessário de encontros que pode variar entre uma ou mais entrevistas, onde são verificados estrutura familiar dos requerentes, comportamento, pensamentos, crenças, inseguranças, medos, preconceitos, se as expectativas condizem com a realidade, perfil da criança desejada, os motivos do desejo deste perfil, o que pensam da paternidade, maternidade e educação e a motivação verdadeira (inconsciente) que leva o requerente a pleitear a adoção, que deve ser baseada em cima de um desejo legítimo de ter um filho, não por outro motivo, por companhia ou caridade, filho não deve ser visto como companhia, ele é quem precisa de companhia e cuidados, e caridade é algo pontual e um filho é para vida toda, é uma relação fortíssima, que irá se estabelecer e fortalecer durante toda a vida, assim como na parentalidade biológica, se houver a desejo.

O psicólogo pode utilizar técnicas de avaliação como um teste projetivo de personalidade para a análise mais aprofundada da psiquê dos requentes. Eu, além das entrevistas e do teste, realizava reuniões onde dava palestras, acolhia as dúvidas, respondia a todas perguntas e conversávamos sobre os sentimentos que surgem no processo de "gestação emocional", com a espera do filho adotivo.

Para adotar se deve ter mais de 18 anos, mais velho 16 anos que o adotado, que não sejam avós ou irmãos e que ame a criança verdadeiramente como filho. É essencial que seja uma pessoa saudável, que tenha uma vida responsável, que saiba assumir compromissos, principalmente com relação a futura paternidade, que deseje vivê-la e que isso seja legitimo e não para mostrar nada a ninguém, que possa dar uma vida digna a um filho.

Adotantes casais não são mais bem parados que adotantes solteiros, heterossexuais não são mais maduros que homossexuais, tudo vai depender da pessoa e não dessas condições.

Na época em que eu era perita e coordenadora do serviço de psicologia de uma Vara da Infância e Juventude eu realizava palestras e reuniões, que muitas vezes eram confundidas com "cursos". Esse nome não era muito bem vindo, pois antes o Judiciário não podia "preparar" e há alguns meses o curso de adotantes se tornou obrigatório e o Judiciário tem que oferecer.

Acho excelente esse espaço de acolhimento, reflexão, pois todos alí estão no mesmo barco, esperando, cheios de dúvidas, medos, expectativas, alegres, vibrando com essa “gravidez emocional” e todos acham maravilhoso compartilhar emoções e sentimentos. Isso valida e mostra que o que eles sentem é importante, que não estão sozinhos e traz uma sensação de respeito por esta espera tão importante que leva ao amadurecimento de diversas questões voltadas para a parentalidade, que é sempre reafirmada com a ida ao Judiciário. Se também existissem grupos de reflexão e preparação para a paternidade biológica o mundo estaria bem diferente.

Usar a adoção para outra coisa que não seja para a realização da paternidade é algo que o perito deve avaliar também e é algo muito sério. Usar a adoção para salvar o casamento, por exemplo, pode fazer o casal se separar ainda em processo de adoção, pois tudo vem a tona, a adoção é um processo de nascimento, renascimento da família, é um "parto". Os estudos mostram que tudo pode acontecer nestes casos mas, no geral, desaconselho totalmente qualquer uso da adoção que não seja para a realização legítima da parentalidade. Se não está preparado procure ajuda, faça terapia, melhore sua realidade e só depois procure se habilitar. A criança não espera pais perfeitos, isso não existe, mas espera alguém que possa dar-lhe uma boa base suportiva para a sua caminhada, principalmente no momento de sua chegada, na adaptação.

Ao mesmo tempo que devemos ser muito rigorosos com a avaliação, os estudos mostram que é preciso enxergarmos a capacidade de aprendizado, transformação das pessoas, de reconstrução de sua própria história, de construção do apego, do fascínio da capacidade de amar e não uma compreensão moralista e alienada em relação a consciência sócio histórica da família.

Como diz Lídia Weber (2008), devemos abandonar o pensamento tradicional e desenvolver um pensamento pós-moderno, pensamento este que entende que o ser humano tem capacidade de abarcar sistemas que são móveis e esse espaço é atemporal e ilimitado e demanda e permite um pensamento híbrido, abertura e transformação em todos os setores da vida. O pensamento conquistado na pós-modernidade é o pensamento “transdisciplinar, transparente, que lida com a possibilidade do ser-e-não-ser e com as infinitas cores do jogo de luzes de um caleidoscópio”. Fluidez paradgmática também é outra característica do pensamento pós-moderno, o que não mais permite a postura maniqueísta e parcial, pois existe uma gama de solicitações existenciais. É preciso ajustar o velho com o novo e adquirirmos equilíbrio nesse momento de revolução paradigmática. Quem está apto a selecionar “bons pais” em duas ou três entrevistas psicológicas?

Neste sentido, relembro da frase do construcionismo social que diz que “o olhar do observador deforma a realidade”, ou seja, todas as nossas observações, análises sentimentos e percepções frente ao objeto, a um acontecimento, a uma pessoa, é vista e sentida de acordo com a nossa bagagem, a nossa história anterior, essa forma está relacionada com o que aprendemos. Então não existe neutralidade absoluta e que o terapeuta, por exemplo, vê o paciente de uma forma peculiar que, por mais que exercite a neutralidade, a forma como ele vê é muito própria e está influenciada, contaminada por seu olhar carregado de sua história pessoal.

O bom psicólogo deve perceber que não é infalível, deve ver a sua participação no cenário e enxergar tudo isso, além de analisar essas tantas outras variáveis. O bom psicólogo também traz dúvidas ao processo, as dúvidas podem nos trazer outras riquezas no olhar e isso deve ser discutido com o Juiz, se necessário e possível, é claro.

Nós, analistas, observadores do comportamento nunca conseguiremos fazer uma análise igual entre nós, pois os analistas são pessoas diferentes. Diz o construcionismo que não somos "experts", nem engenheiros sociais, pois a realidade não é objetiva, nem representacional. Devemos ser arquitetos do diálogo, numa relação democrática, enxergando identidades não fixas e nos dando chances sempre de melhorar tudo e mostrando ao outro que também é capaz de construir novos significados.
Bateson desenvolveu uma concepção do processo interacional e suas indagações antropológicas e compartilha com outros teóricos a importância de introjetarmos o referencial da cibernética simples e da cibernética da cibernética na relação terapêutica. Principalmente no que diz respeito a segunda, que defende a ordem de recursão e reconhece o observador como parte integral do sistema observado, afastando qualquer premissa de “objetividade”, indo além dela e da subjetividade, como propõe a cibernética da cibernética. (BATESON apud REY, 2005).

Rey (2005) explica que Bateson defende que o melhor caminho seja a ética, pois para compreendermos os elementos fundamentais da epistemologia percebemos que ao “conhecer”, devemos observar que a visão do terapeuta fala também dele mesmo, a visão do observador participa do observado.

No que diz respeito a psicoterapia propriamente dita - e que não deixa de conter nela um grau de avaliação, e avaliação essa que é feita de forma direta nos setores de adoção - a concepção de uma epistemologia auto-referencial situa o terapeuta plenamente dentro da terapia e vai de encontro com o conceito de que a família atua como uma “caixa preta” e o terapeuta não atua neste sistema. Ele declara que qualquer mecanismo está circunscrito por ordens superiores de controle de retroalimentação, ou seja, a partir do momento que o terapeuta se insere no sistema, representa uma ordem superior. Nesta ordem superior de recursão, o terapeuta faz parte do sistema como totalidade e está sujeito às implicações e restrições de sua retroalimentação. Deste modo, é impossível exercer um controle unilateral, e pode ora facilitar, ora bloquear, a auto-correção indispensável.

Ao entendermos que o terapeuta está entrelaçado com o cliente, entendemos que a descrição do observador descreve mais ele mesmo do que o acontecimento. E nesta perspectiva, poderemos aprender continuamente em nosso trabalho clínico na relação com o cliente, tendo como base nossas próprias formulações e hipóteses, contribuindo para uma epistemologia do nosso próprio trabalho, da nossa própria atuação e de nós mesmos.

Edgard Morin (apud SANTOS, s/d) diz que “a ciência não é somente uma acumulação de verdades verdadeiras (...) é um campo sempre aberto onde se combatem não só as teorias, mas também os princípios da explicação, isto é, também as visões de mundo e os postulados metafísicos”.

Santos (s/d) também cita Paulo Freire que diz, “tenho pena e, às vezes, medo do cientista demasiado seguro da segurança, senhor da verdade e que não suspeita sequer da historicidade do próprio saber”.

O bom psicólogo que avalia candidatos a adoção, além de muita sensibilidade, deve ter muito estudo e humildade. Devemos proteger as crianças e respeitar os cidadãos.


Referência:
Encontra-se completa na barra direita de livros sobre adoção.

Por Cintia Liana

Livro da Psicóloga Cintia Liana sobre o percurso de construção da família através da adoção e seus aspectos psicológicos
Para comprar ou visualizar:
http://www.agbook.com.br/book/43553--Filhos_da_Esperanca
(2ª Edição - 2012)

sábado, 5 de junho de 2010

Trabalho de um Psicólogo na Vara da Infância e Juventude

Foto: Cintia Liana

Após muitas entrevistas, resolvi postar aqui este texto. É para estudantes, profissionais e pais que querem conhecer mais sobre a atuação do Psicólogo Jurídico que atua com adoção é família.
Estas são as possíveis atribuições a um psicólogo que atua numa Vara da Infância e Juventude como perito:

- Avaliar as condições intelectuais, emocionais, relacionais e psíquicas de partes envolvidas em processos judiciais de habilitação para adoção, adoção, guarda, tutela e medidas de proteção;

- Atuar em diversos tipos de processos judiciais, ligados a proteção da criança e do adolescente, como perito, elaborando laudos e pareceres, quando designado;

- Realizar acompanhamento psicológico aos adotantes e às crianças ou adolescentes que estejam em período de convivência à família substituta até a finalização do processo de adoção;

- Realizar acompanhamento psicológico de crianças, adolescentes e/ou famílias que estejam envolvidos em processos judiciais e situação de risco, quando necessário e solicitado;

- Realizar palestras ou grupos de reflexão para habilitação à adoção, adotantes e/ou famílias;

- Realizar visitas, acompanhamento e avaliação psicológica de crianças e adolescentes abrigadas, quando necessário ou quando designado pelo Juiz.

- Participar, quando determinado, de audiências para esclarecer aspectos técnicos em Psicologia;

- Realizar acompanhamento psicológico de adolescentes inseridos em programas ligados a Vara da Infância e Juventude, quando solicitado;

- Realizar visitas domiciliares e/ou visitas institucionais, quando necessário ou designado pelo Juiz;

- Assessorar autoridades judiciais no encaminhamento a práticas psicológicas e médicas específicas, quando necessário;

- Participar de reuniões de equipe para discussão de casos e procedimentos técnicos quando necessário;

- Contribuir para criação de mecanismos que venham agilizar e melhorar a prestação do Serviço;

- Participar da elaboração e execução de programas sócio-educativos destinado a crianças em situação de risco;

- Atuar em pesquisa e programas de prevenção à violência;

- Oferecer supervisão, treinamento e avaliação aos estagiários de Psicologia que prestam serviço a Vara da Infância e da Juventude;


Por Cintia Liana

Livro da Psicóloga Cintia Liana sobre o percurso de construção da família através da adoção e seus aspectos psicológicos
Para comprar ou visualizar:
http://www.agbook.com.br/book/43553--Filhos_da_Esperanca
(2ª Edição - 2012)

sexta-feira, 4 de junho de 2010

All you need is love - SOS barnebyer



SOSbarnebyerNorge — 5 de abril de 2010 — 'All you need is love' er en musikkvideo laget av barn fra SOS-barnebyer i Zambia, India og Zimbabwe. Musikkvideoen ble laget i anledning av TV 2s Artistgalla 2010.
'All you need is love' is a music video created by children from SOS-childrens villages in Zambia, India og Zimbabwe.

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Lindo Vídeo, lindos sorrisos.

Por Cintia Liana

quinta-feira, 3 de junho de 2010

E-mail de uma mãe sobre adoção tardia

Foto: Hudson Matos


E-mail de uma mãe indignada com a reportagem da Globo em 2007 sobre Adoção Tardia.
Junho de 2007

Olá "mães e futuras mães"

Li a reportagem sobre a adoção tardia e não concordei com alguns pontos.
Eu adotei três crianças maravilhosas, elas chegaram em abril de 2006 e as registrei em dezembro de 2006. Nomes e idades, j., menina: 05 anos, f., menina: 03 anos e m., menino: 02 anos, na época. Eles são as coisas mais lindas do mundo! Eu e meu marido nunca fomos tão felizes na vida! Em nenhum momento houve: comportamento anti-social, regressão, perda de controle e etc.

Também com relação a nova família que sonharam, muito pelo contrário da reportagem, assim que eles chegaram, nós combinamos: "Aqui será seu lar porém, aqui temos regras e essas regras devem ser seguidas". Eles entenderam perfeitamente e, graças a Deus, não tivemos nenhum problema.

Eu e meu marido sentimos que, na realidade, nós adultos é que colocamos "minhocas" na cabeça, pois nós dois ficávamos conversando tipo "o que vamos falar quando eles entrarem aqui em casa? Vamos dizer que agora é a casa deles? Vamos ficar quietos? E se eles não gostarem? Como eles vão chamar tio(s) ou pai(s)? Como vamos falar que somos seus novos pais? Enfim, uma série de coisas e sabem o que aconteceu? Nós saímos do abrigo e fomos comprar as caminhas. Depois de algumas horas juntos a do meio falou: "papai eu quero água", nós quase caímos duros de susto. Ou seja, a partir dai eles começaram no mesmo dia a nos chamar de pai e mãe e quando chegamos em casa, assim que entraram a mais velha disse: "olha nossa nova casa, tem tijolo, não tem ratos, que linda!".

Assim, eu e meu marido ficamos com cara de bobos, ou seja, não precisamos falar nada, nossos filhos é que falaram, eles que nos adotaram, eles que nos deram forças, eles que nos mostraram que barreiras são quebradas com um simples gesto de amor. Enfim, adoção tardia é uma coisa maravilhosa, não tenho como passar aqui nesse email, mas na pratica é algo divino, eu estou muito, muito feliz mesmo! E se pudesse adotar mais uns vinte, todos de maior idade...

Com relação a globo, isso é um absurdo, pois eu me considero a mãe mais linda do mundo (meus filhos me dizem isso quase todos os dias), dizem que me amam, que sou maravilhosa, que sou melhor que a mãe que eles pediam a Deus. Enfim, a globo não sabe de nada, não tem coração, sentimento, respeito, porque nós, mães adotivas, somos mães sim, mães de verdade, mães de coração, de alma, de espírito, ser mãe não é por no mundo e sim criar, educar, dar amor, carinho. As minhas meninas (J. e F.) conheceram sua genitora e em nenhum momento querem pensar em voltar com ela, pois eu, I., sou a mãe, ou seja, para mim, isso basta!

Por isso, mães adotivas ou não, mães que estão na fila, mães que estão pensando no assunto, não se importem com o racismo, com os ignorantes, pensem em vocês e na felicidade que é ter filhos, e pronto!

Beijos
I.

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E quem tem coragem de afirmar o contrário depois deste e-mail? Você é a mãe e uma mãe que demonstra ser imensamente feliz e realizada e ninguém duvida disso.
E olha como as crianças chegam tão conscientes do que querem, tão receptivas e ensinam tanto...

Esse e-mail me foi doado por uma mãe e o usei numa apresentação sobre a história social da criança, no primeiro módulo do meu curso de especialização em Psicologia Conjugal e Familiar em 2007, na matéria Antropologia. No trabalho quis mostar como o conceito e a valorização da criança vem mudando no decorrer da história.

Lindo e-mail.


Por Cintia Liana